O Festival de Cinema de Brasília do Cinema Brasileiro é um dos mais importantes e tradicionais do Brasil. O evento deu palco para grandes filmes, cineastas e atores, sendo um dos mecanismos fundamentais para o desenvolvimento e a valorização do audiovisual no país. O festival, no entanto, também tem um papel imprescindível para o cinema do Distrito Federal, afinal, há um espaço exclusivo para produções da cidade, a Mostra Brasília.
Para a Mostra Brasília foram escolhidos 12 filmes. Sendo eles os quatro longas: Advento de Maria, Noctiluzes, O mestre da cena e Acaso. Os curta-metragens são oito: Vírus, Tempo de derruba, Filhos da periferia, A casa do caminho, Cavalo marinho, Benevolentes, Ele tem saudade e Tinhosa. A Mostra ainda contou com um filme de abertura, Catadores de história, de Tânia Quaresma.
Os filmes ficarão disponíveis por 48 horas após a data de estreia na plataforma gratuita Innsaiei.TV. A partir das 20h desta quarta-feira (8/12), os curtas Tinhosa, Tempo de derruba e o longa O mestre da cena abrem a parte competitiva da Mostra Brasília.
"Para um cineasta brasiliense, ter um filme selecionado no Festival de Brasília é como se fosse uma indicação ao Oscar. Não apenas por ser selecionado dentre um dos mais tradicionais festivais brasileiro, mas é ser reconhecido dentro de casa e isso sabemos que nem sempre é a regra", afirma João Inácio, diretor do longa Mestre da cena. "Não tenho como negar que ter um filme selecionado na Mostra Brasília me traz uma sensação ímpar, a mesma de quando criança, quando fazíamos qualquer coisa positiva logo queríamos mostrar para os da casa (pai, mãe, irmãos, etc.). É isso! Não vejo a hora de mostrar meu filme pros da minha casa", conta o cineasta.
O filme de Inácio conta a vida e a obra de Gê Martu, ator com mais de quatro décadas de carreira em Brasília. O artista fez mais de 50 filmes, mais de 100 peças, além de inúmeras participações em novelas. Essa é a primeira vez que a carreira do intérprete é destrinchada para o cinema.
O formato on-line diminui o calor caloroso do festival, mesmo assim, os participantes se mostram ansiosos para a Mostra Brasília de 2021. "A expectativa é a de que o festival seja um sucesso, como sempre. A organização está se reinventando e trabalhando duro. Com certeza, vamos ter uma festa de cinema à altura do que Brasília sempre tem a oferecer", crê Vinícius Machado, cineasta que consta na Mostra com Advento de Maria, mas já foi premiado em 2017 com Menina de barro, também classificado para a Mostra Brasília.
O longa conta uma história de amizade entre Maria, uma menina transgênero de 11 anos em busca da própria identidade e um lugar no mundo, e Lena, uma nova vizinha que vê Maria sem preconceitos ou julgamentos. "Advento de Maria é o que eu pude reunir de histórias tristes e desafiadoras que acontecem na vida real de crianças transgêneros. A história da personagem, Maria, apesar de ser ficcional, pretende ressoar essas experiências abafadas que famílias passam ao se depararem com um de seus membros se descobrindo e expressando sua identidade. É um recorte pequeno, mas muito importante, pois acaba revelando que a questão transgênero não está de forma alguma dissociada da vida e de outras questões da sociedade como fé, machismo, racismo, por exemplo", pontua o diretor.
"A Mostra Brasília é mais do que uma vitrine, é uma experiência coletiva de trocas de quem vive o cinema do Distrito Federal. É a comprovação de que o cinema local se articula com muita maturidade. É gratificante ver tanta gente trabalhando com o audiovisual em todo o DF", afirma os diretores de Noctiluzes, Jimi Figueiredo e Sérgio Sartório.
Os dois cineastas se inspiraram na obra do escritor argentino Santiago Serrano e criaram um filme de mistério e absurdo. Uma grande conversa em que o espectador só se pergunta o que aquelas três pessoas tinham para fazer em lugar pouco convencional no meio da madrugada. "O roteiro discute a banalização das relações humanas e a desumanização em tempos de cólera. Numa madrugada em um píer abandonado, três homens, que não se conhecem, começam a conversar e dividir seus medos, preconceitos e desejos", explicam.
Espaço de resistência
Apesar da realização do Festival de Brasília e da Mostra, o atual contexto da cultura do Brasil não é dos mais amigáveis para quem trabalha com audiovisual. Estar participando do evento também é um sinal de resistência e resiliência de querer fazer cinema, mesmo em uma maré contrária.
"Penso que o papel de cineasta neste contexto se desdobra entre algumas necessidades: de se expressar, externalizar aquilo que não cabe somente dentro, que precisa sair, especialmente em um momento de isolamento e reclusão; de se sentir participante do mundo colocando um pouco de nós naquilo que tange a coletividade, especialmente quando se envolve tantas pessoas para a realização de algo em conjunto; de organizar pessoas engajadas em propósitos convergentes para a produção de uma obra que as represente; de afirmar o setor audiovisual (bem como as artes em geral) como canal importantíssimo de comunicação em diversos níveis, assim como veículo de manifestação e participação política, entre outras tantas necessidades das quais ainda carecemos", acrescenta Gabriela Daldegan que foi selecionada para mostra com o curta documentário Tempo de derruba, que mostra os moradores da Ocupação do CCBB e denuncia a forma como os barracos deles sãos destruídos pelo governo.
Para Larissa Mauro, que concorre com o curta Vírus, produção que é uma poesia audiovisual sobre os tempos de pandemia, vinda do lugar de uma mulher negra vivendo esse isolamento na própria experiência, o audiovisual é um local que ela quer desbravar e encontrar o próprio espaço, para assim abrir portas para mais pessoas que tem algo para falar. "Como artista e realizadora, luto pelo meu espaço me aquilombando cada vez mais. Estando com as minhas. Estudo cada vez mais autores negros e indico para meus pares. Amplio meu espaço de atuação e realização fazendo redes com agentes culturais de diversos nichos sociais. Discuto o patriarcado, o machismo, a misoginia, o racismo, o Estado neoliberal, o fascismo, o autoritarismo. Hoje em dia, mais do que nunca, luto para que os espaços de liderança dentro do audiovisual sejam cada vez mais ocupados por mulheres", comenta a cineasta, que divide o filme com Joy Ballard.
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Os melhores da cidade
Os quatro longas que disputam a Mostra Brasília foram escolhidos entre 17 filmes inscritos, enquanto os curtas foram definidos oito a partir de um universo de 74 produções que tentaram as vagas.
Em duas disputas
O curta Filhos da periferia, do diretor Arthur Gonzaga, é o único a figurar tanto na Mostra Brasília como na competitiva. O filme é sobre dois amigos que têm as vidas mudadas por um ato de violência. Tanto o cineasta como os dois protagonistas, Pedro Gomes e Wilker Dantas, são moradores de Ceilândia, região administrativa que é palco da produção.