Pesquisador, virologista e professor da Universidade de Brasília (UnB), Bergmann Ribeiro avaliou que a ômicron tem um grande poder de transmissibilidade, e por isso, deve ultrapassar os casos de infecções pela cepa delta — que predomina, atualmente, no Distrito Federal e no país. Ao programa CB.Saúde — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília —, o especialista destacou, em entrevista à jornalista Carmen Souza, que não se sabe muito sobre o impacto da variante recém-descoberta no organismo humano "Não foi mostrado, até agora, que a ômicron pode ser mais grave ou não, mas, provavelmente, não deve ser em quem já foi vacinado. Por isso, é importante as pessoas se vacinarem", alertou. Para ele, a imunização, a testagem e o protocolos sanitários, como uso de máscara e distanciamento social, são as melhores formas de conter a pandemia.
A delta, quando foi identificada na Índia, demorou para ter registro no Brasil. Agora, com a ômicron, em seis dias, tivemos confirmação. Isso é preocupante?
O novo coronavírus é muito contagioso, o meu laboratório (na UnB) sequenciou, pelo menos, 600 genomas do vírus desde janeiro de 2021. Então, nós vimos a variante gama (P1) predominar a partir de maio, ela apareceu em janeiro (no Amazonas). Nós começamos a detectar a delta no final de julho. Em agosto, tinha um terço de delta e dois terços de gama. No meio de agosto, meio a meio; e, no final, dois terços de delta em um terço de gama. O vírus domina muito rapidamente, agora, com a ômicron, é a mesma coisa. É uma variante altamente transmissível, como a delta, então ela vai tomar conta. Onde ela chegar, como esse vírus se replica, ele está mais presente no meio ambiente, a chance de ele infectar as pessoas é muito maior.
A África do Sul afirmou que 74% dos casos sequenciados são da ômicron. Esse cenário vai se repetir no Brasil?
Com certeza. Lá, na África do Sul, quem dominava era delta, como ainda domina no mundo, mas essa nova variante vai substituí-la.
Como o senhor analisa o cenário da pandemia no Brasil?
Com relação a vacinação, nós não estamos ruins. Nós temos mais de 60% das pessoas imunizadas, então estamos bem. Entretanto, no caso da testagem, não. Nós precisamos aumentar a testagem e de pessoas assintomáticas, para saber como anda a circulação desse vírus. Porque ele pode circular em pessoas que não têm sintomas. É importante ter a testagem aumentada no país e, se a pessoa for diagnosticada, ela deve ficar em quarentena. Dessa forma, você elimina a possibilidade dela transmitir qualquer tipo de variante, independentemente se é ômicron ou não. E continuar a vacinação.
É importante o paciente saber qual a variante que o infectou?
Não. Qualquer variante, se você não foi vacinado, pode matar. Independentemente se é a ômicron, se é a delta ou a gama, você tem que ser vacinado e manter o uso de máscara e o distanciamento social. Porque qualquer uma dessas variantes podem causar uma doença grave. Não foi mostrado, até agora, que a ômicron pode ser mais grave ou não, mas, provavelmente, não deve ser em quem já foi vacinado. Por isso, é importante as pessoas se vacinarem.
Como o senhor analisa a eficácia das vacinas contra a ômicron?
Temos que esperar mais resultados, neste momento, vários laboratórios de pesquisa do mundo já isolaram esses vírus e estão testando sangue de pessoas vacinadas e de pessoas que já tiveram covid-19 para saber se esse sangue neutraliza essa variante. Se neutralizar, isso indica que a vacina funciona. Além disso, nós vamos analisar na região que está tendo infecção, se aumenta casos de morte, de internação e tudo mais. Tudo isso, a gente vai conhecer ao longo da semana, e uma coisa interessante desse vírus, que deixou todo mundo chocado, é que ele tem mais de 30 modificações na proteína spike — base da vacina Pfizer e da AstraZeneca. E se ela muda na sequência, ela muda na estrutura. Se muda a estrutura, muda a minha resposta contra a variante. Pode mudar muito ou mudar pouco e, se a resposta não mudar muito, a vacinação ainda é suficiente para controlar.
Os casos confirmados são de pessoas vacinadas, isso trouxe uma discussão sobre a eficácia ou não da vacina. Como o senhor avalia essa questão?
A imunização vai proteger a pessoa de ser hospitalizada. Quando você é vacinado, você produz as suas defesas contra aquela proteína do vírus e, quando o vírus aparece, essa defesa vai atacar o vírus. Entretanto, é variável de pessoa para pessoa. Tem aqueles que produzem uma resposta forte, outros produzem resposta média e há pessoas produzem resposta muito baixa. De uma forma geral, você tem que analisar muitas pessoas para fazer uma estatística. Várias pessoas vão ser infectadas, algumas podem até ser hospitalizadas, mas a maioria vai estar protegida.
Qual a sua avaliação sobre o passaporte da vacina?
Se você não tem uma exigência do passaporte vacinal, a chace de infecção é muito maior. Então, para você estar na rua, deveria estar vacinado. Muitos dizem que é uma escolha pessoal tomar vacina, mas, se a minha escolha de não tomar a vacina me permite ficar infectado e infectar mais gente, essa minha escolha afetou a saúde de outra pessoa. Temos que pensar no coletivo, nós não vivemos isolados da sociedade.
Quais são os cuidados diante do surgimento da nova cepa?
Distanciamento social, uso de máscara e testagem, muita testagem. Se apareceu alguma pessoa com essa variante, provavelmente pode existir mais pessoas com a ômicron. Apenas com o aumento da testagem que vamos saber se essa variante está se espalhando. O Governo do Distrito Federal precisa aumentar o nível de vigilância genômica desse vírus, sequenciar e detectar a presença.
As mutações da ômicron afetam no tratamento da doença?
Algumas drogas foram desenvolvidas para tentar diminuir a replicação do novo coronavírus. Essas drogas funcionam como atuava a droga inicial para o HIV, o vírus da Aids. Ela vai eliminar ou vai aumentar o defeito genético do vírus, até que fique inviável se reproduzir. Só que essa droga pode acelerar mais ainda as mutações do vírus. O teste em laboratório mostrou que essa droga diminui muito a carga viral. Entretanto o vírus pode se adaptar ao tratamento. Uma droga só não será viável, porque, como o vírus muda muito, vai ser preciso outras drogas para conter a replicação. Mas é um começo.