De volta das férias, esta coluna conseguiu uma entrevista mediúnica exclusiva com Machado de Assis. Fala, bruxo!
O senhor acha que o tempo é importante para sedimentar a amizade?
Que importa o tempo? Há amigos de oito dias e indiferentes de oito anos.
Como vê os autores de bravatas, que cada vez se propagam mais?
Não é em terra que se fazem os marinheiros, mas no oceano, encarando a tempestade.
Qual a relação entre o casamento e os afetos?
O casamento é justamente isso; acalma os afetos para os tornar mais duradouros.
Afinal, o casamento é algo bom ou ruim?
O casamento é a pior ou a melhor coisa do mundo; pura questão de temperamento.
O que deveria ser a lei suprema da vida?
O amor é a lei da vida, a razão única da existência.
E o que é amar?
Amar é estar perto do céu.
Mas a vida não é só feita de amor...
Vida é luta. Vida sem luta é um mar morto no centro do organismo universal.
Se o senhor tivesse de escolher entre o sonho e a realidade, o que escolheria?
Muito melhor contentar-se com a realidade; se ela não é brilhante como os sonhos, tem pelo menos a vantagem de existir.
O senhor acha que é possível viver paixões em série?
A vida não é fábrica de sentimentos; não se vive como se romanceia.
O senhor mergulhou na alma humana. Como o amor se transforma, tão frequentemente, em ódio?
Há no amor um gérmen de ódio que pode vir a desenvolver-se depois.
A utopia do bem é impossível de alcançar?
Se o homem se habitual ao mal e à dor, por que se não há de acostumar ao prazer e ao bem?
Como aproveitar o tempo?
O essencial não é fazer muita coisa no menor prazo; é fazer muita coisa aprazível ou útil.
O que fazer ante as ameaças crescentes à democracia e à liberdade?
A liberdade não morre onde restar uma folha de papel para decretá-la.
Parece que o senhor não tem papas na língua.
A franqueza é a primeira virtude de um defunto.
O senhor é considerado um espírito cético. Em sua visão, o que seria uma arte de viver?
A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal.