Em entrevista ao CB.Saúde — programa do Correio Braziliense em parceria com a TV Brasília — desta quinta-feira (25/11), o professor de microbiologia da Universidade de Brasília (UnB) Alex Pereira falou sobre o uso excessivo de antibióticos durante a pandemia da covid-19, e como isso tem afetado o surgimento de bactérias multirresistentes. De acordo com o especialista, o uso dos medicamentos para prevenção contribuiu para esse aumento.
Bactérias super resistentes eram comuns, antes mesmo da pandemia, conforme explica Alex. “Elas surgem por causa do uso excessivo de antibióticos, que leva à seleção de bactérias multirresistentes”, diz. Mas, segundo o professor, diante do aumento de casos de covid-19, surgiu apreensão quanto às possibilidades do desenvolvimento de infecções secundárias. “Para evitar essas infecções, lançou-se uso profilático de antibióticos, ou seja, o uso para prevenir uma possível infecção bacteriana”, explica.
De acordo com o professor, a orientação, ao longo da pandemia, foi de que uma vez diagnosticado com a covid-19, o paciente deveria fazer uso do antibiótico. O cenário fez com que o consumo aumentasse em ambientes hospitalares. “Quanto maior o uso, mais frequente se detectam bactérias multirresistentes”, pontua. Além disso, pacientes que ficaram hospitalizados devido à infecção do coronavírus ficaram sujeitos, ainda, às infecções hospitalares, que são tratadas com antibióticos. “Uma infecção hospitalar geralmente exige um nível elevado de antibiótico para tratamento”, afirma.
Uma vez que o uso e a demanda aumentam, a resistência das bactérias também. “Existe uma relação direta entre consumo de antibiótico e a frequência de infecções por bactérias multirresistentes. À medida que aumenta o consumo, leva a seleção mais frequente de bactérias, e o risco de contato com uma bactéria super resistente aumenta. Então, certamente estamos em um momento que mudamos o uso de antibiótico. Também mudamos o patamar de frequência das infecções multirresistentes”, garante Alex.
Passado o cenário pandêmico, a tendência é que essas infecções aumentem, conforme explica o microbiólogo. “Veremos uma frequência aumentada dessas infecções bacterianas em ambiente hospitalar, não associadas a covid-19. Quanto tempo durará? A aquisição de resistência a antibióticos ocorre mais rápido do que a perda da capacidade de resistência pelas bactérias. Então, não se espera que esse novo patamar tenha uma regressão fácil. Ao longo da história, não temos visualizado regressão dos padrões de resistência em bactérias”, complementa.
No DF
O especialista faz parte de um grupo de pesquisa da UnB, que analisou a dispersão de bactérias hospitalares pelo esgoto, no Distrito Federal. Para a pesquisa, o professor explica que foram coletadas análises de esgoto em estações de tratamentos, para avaliar se as bactérias multirresistentes chegavam até os locais. “Muitos pensam que as bactérias multirresistentes só crescem em ambientes hospitalares. Isso não é verdade. Elas crescem em qualquer ambiente que propicie o crescimento bacteriano. Sendo assim, podem escapar do ambiente hospitalar. Quando um paciente colonizado pela bactéria deixa o hospital e vai pra casa, tende a levá-la consigo”, diz.
De acordo com Alex, a pesquisa mostrou que essas bactérias transitam pelo esgoto até alcançar a estação de tratamento. “Esse estudo, que está passando pela revisão de uma revista internacional, e provavelmente será publicado, mostrou que estações de tratamento de esgoto que servem a áreas que concentram hospitais têm maior frequência de ocorrência de bactérias multirresistentes, mostrando uma relação direta de ambientes que fazem uso massivo de antibióticos e a presença dessas bactérias”, afirma.
Controle
Um relatório divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou, ainda, que cerca de 40 antibióticos que ainda estão em fase de teste já não são eficazes para as superbactérias. A projeção da OMS é de que, a partir de 2050, cerca de 10 milhões de mortes por ano estejam ligadas à infecção dessas bactérias. “Essa projeção realmente existe, e é, inclusive, feita por uma equipe de economistas. Ela se mostrou muito real e tem sido adotada por vários órgãos que gerenciam a questão pública em escala regional e até mundial, como a OMS. Se realmente constatado que o consumo de antibióticos mudou, a gente espera que essa estatística tenha, de fato, aumentado. Mas ainda é cedo para confirmar isso”, diz.
De acordo com Alex, em busca de fazer o controle e evitar esse quadro de piora, a OMS tem, ainda, uma campanha que pede para preservar o antibiótico. “Consiste em fazer uso racional de antibiótico para que essa ação seja preservada”, diz Alex. Fazer uso de antibióticos sem prescrição médica é proibido, segundo as normas sanitárias brasileiras.
Mas, de acordo com o especialista, o uso desenfreado vai além dos medicamentos. “O controle de antibiótico para tratamento humano é até bem seguido, mas existem outras formas. Isso envolve várias facetas, que vão desde a saúde até a produção de alimentos e vegetais, rações para animais, desenvolvimento industrial, farmacológicos. É algo muito maior do que apenas o controle para a saúde humana”, reitera.