O Distrito Federal perdeu um dos grandes nomes da medicina cardiológica da capital: o médico José Roberto Barreto Filho faleceu, nesta terça-feira (23/11), aos 63 anos. Ele não resistiu a complicações de um câncer no pâncreas. O velório ocorreu nesta tarde, no Cemitério Campo da Esperança. O especialista deixa um legado de avanços tecnológicos na área que atuava, além de ser um dos principais responsáveis por trazer o jiu-jitsu para a capital.
Tereza Cristina Barreto, irmã de José, conta que o irmão permaneceu alegre e em paz até o último momento. "Meu primo e meu irmão estavam com ele no momento da morte, que foi às 1h da manhã, e disseram que o desligamento dele foi leve. Ele suspirou e não voltou. Eu tinha acabado de sair de lá. Foi sereno e ele estava com semblante sereno", conta. Foi o fim de uma crise de saúde de 10 dias, nos quais o médico enfrentou uma pancreatite que acelerou o tumor do câncer.
“Ele era uma pessoa iluminada, otimista. Quando soube que estava com câncer, ele enfrentou tudo de forma altamente guerreira e otimista. Um filho, irmão, médico, pai e amigo exemplar. Ele realmente era diferenciado, desapegado, só queria fazer o bem, ajudar, tratar e cuidar”, explica a irmã.
Tereza diz que o fruto do comportamento amável e generoso do irmão foi a presença de tantas pessoas no enterro dele. “Esse amor que ele colocou em todas as pessoas que conviveu, a gente viu hoje. Eu não consigo mensurar quantas pessoas estavam lá. E como ele morreu hoje, não tivemos tempo para divulgar e mesmo assim as pessoas foram. O enterro foi lindo, uma energia incrível, uma paz, como ele era. Eu estou preenchida”, conta.
"Até pacientes idosos estiveram presentes. Uma senhora me abraçou e disse: 'vim me despedir do meu grande amigo e meu médico que cuida de mim há 40 anos'. Ele era essa pessoa presente. Ele estava nas alegrias da vida, dos nascimentos, e também nas tristezas e nas perdas", diz.
Em todo ano que lutou contra a doença, José não deixou de sorrir e lutar, além de continuar a viver. Ele viajou, ainda atuava em medicina e se submeteu a cirurgias e tratamentos. “Esse ano da doença foi uma aprendizagem para mim. O enfrentamento dele era de um lutador. Nos últimos 10 dias, que ele piorou, entrávamos no quarto dele e era paz, alegria e risos. Ele sentia incômodos mas não demonstrava nem reclamava, até gargalhava”, conta.
Tereza diz que o médico pediu que o tratamento não se estendesse para hemodiálise, nem que houvesse ressuscitação. Ele queria ficar em casa, com os familiares. "Já estou com saudades, que acho que serão eternas, mas estou em paz", declara.
Natural do Rio de Janeiro, José Roberto Barreto Filho veio a Brasília em 1978 em busca do diploma de medicina pela Universidade de Brasília. Em 1984, ele decidiu que a capital federal seria palco da atuação de excelência que ele estava disposto a entregar para salvar vidas. Logo após conquistar a especialização em cardiologia, entre 1985 e 1986, o médico não parou de estudar para trazer o melhor para a área que escolheu.
Foram oito cursos de aperfeiçoamento, entre universidades brasileiras e estrangeiras; mais uma especialização, agora em eletrofisiologia; e mais de 80 congressos e cursos rápidos na área registrados no currículo do especialista. A excelência profissional a receber uma medalha de Honra ao Mérito da Presidência da República, por meio da Secretaria Especial da Ciência e Tecnologia, em 1989.
Em 2021, José Roberto Barreto era, além de médico particular com consultório no Victória Medical Center, presidia o Centro de Tratamento Cardiovascular (CTVC), do Hospital Brasília. Na instituição, ele liderava uma equipe que aliava atendimento de emergência e estudo para criar avanços científicos. Uma das inovações registradas e lideradas pelo médico foi a realização pioneira em Brasília de um implante de válvula aórtica por cateter.
Na época, Barreto afirmou que o procedimento evitava a necessidade da cirurgia aberta e aumentava as chances de salvar pacientes com doença vascular . Com a possibilidade de condução do implante por via percutânea, que é minimamente invasiva, mesmo aqueles que não podem enfrentar uma cirurgia aberta são candidatos ao procedimento, comentou, na época, ao site do CTVC.
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Profissão: cuidar e ensinar
Para familiares e amigos, a vocação de Roberto era cuidar de pessoas, seja profissionalmente, seja no círculo de amizades ou entre entes queridos. O ator Jorge Pontual, primo de José Roberto, revelou que o médico foi, para ele, amigo, irmão, conselheiro e o profissional que cuidou do pai dele.
"Meu primo (na verdade, meu irmão) foi meu herói! Uma pessoa de sorriso fácil, campeão de jiu-jitsu, parceiro, conselheiro, amigo…. Morei um tempo com ele e meus primos e tios em Brasília. Era um grande médico, eu sempre pedia conselhos, ele cuidava da família, cuidou do meu pai…”, disse em uma homenagem feita em uma rede social.
O ator afirmou, também, que os dois passaram por momentos inesquecíveis e que o amor que sentia por José não pode ser colocado em palavras. "Quantas histórias, quanta coisa passamos juntos! Sem palavras pra dizer o quanto eu amava esse meu irmão querido! O que importa é que foi em paz para os braços do Senhor. Você sempre estará no meu coração. Estarei sempre emanando amor para que você possa estar fazendo a passagem da melhor forma", disse.
Ralil Salomão, amigo há 40 anos de José Roberto, diz que teve o privilégio de compartilhar a vida com o médico. "Zé foi mais que um irmão de sangue pra mim. Foi uma pessoa que veio à Terra só para fazer o bem, alegrar e salvar vidas. Nesse último ano, eu tive o privilégio de estar ao lado dele praticamente todos os dias e foi um presente que ganhei de Deus, porque ele me ensinou até o último momento na resiliência, no amor à vida e o amor ao próximo. Agradeço a Deus o privilégio de ter o conhecido e desfrutar da sua amizade por mais de 40 anos”, declarou emocionado.
A gentileza, a hombridade e o cuidado também eram passados por José de outra forma: pelo ensino e prática do jiu-jitsu. O médico foi o responsável por difundir a prática da arte marcial no Distrito Federal, logo após chegar na cidade, em 1984. Acompanhado do tio, mestre Sérgio Barreto, eles começaram a ensinar a luta para a guarda presidencial da época e também para membros da Polícia Federal.
Aos poucos, José começou a expandir as aulas para alguns amigos, na garagem de casa, aos sábados. "Eram pessoas previamente selecionadas, o que significava que, para aprender os conhecimento técnicos do jiu-jitsu, o praticante deveria ter uma reputação ilibada e um caráter digno de possuir tais conhecimentos", diz um trecho da biografia do Centro de Treinamento Barreto, instituição criada pela família anos depois e em vigor até hoje na 507 Sul. A preocupação, de acordo com o Centro, era a integral formação do atleta.
Com esse objetivo, José formou diversos professores do DF e foi responsável pela criação indireta de alguns centros sociais que oferecem aulas gratuitas para crianças e adolescentes de baixa renda como uma forma de ajudá-los a se livrar de possíveis rotas de tráfico de drogas ou outros crimes.
O anúncio da morte do mestre fez com que os atuais "faixas pretas" prestassem diversas homenagens a José. A primeira foi de um dos principais pupilos de José, o atual principal professor do Centro de Treinamento Barreto, o mestre Roberto Macedo, que cancelou o funcionamento da casa nesta terça em razão da morte do médico.
"Nosso mestre foi certamente um dos grandes responsáveis por tudo que sou hoje. Fez o bem a vida toda. Foi médico, professor, irmão e iluminado. Sigo vivo para manter viva sua memória e sua trajetória como fazedor implacável do bem", disse.
Outro aluno formado por José, Halysson Lessa, afirmou que Deus ganha um anjo guerreiro. “Ele foi sem dúvida um grande guerreiro, lutou até o último dia com muita força e muita honra. A medicina perde um grande médico, o jiu-jitsu perde um grande mestre e a família perde um grande homem. E Deus ganha um anjo guerreiro”, declarou.
A campeã mundial de kickboxing e tetracampeã mundial de caratê Carla Ribeiro, que era amiga pessoal de José, disse que o médico cuidava dos coração das pessoas porque ele era "de um grande coração". "Meu querido amigo passou da morte para a vida. Ele não se escravizou pelo diagnóstico do câncer, ao contrário, continuou lutando, vivendo, e, claro, amando porque para ele amar era o mais importante da vida", frisou.
"Certamente por isso, o Dr. Barreto cuidava dos corações das pessoas. Afinal, ele era de um grande coração. Do lado de cá, fica uma grande saudade e a honra de ter compartilhado ótimos momentos da sua amizade", contou.