Consciência negra para mim é consciência histórica. Em 1971, ao propor o Dia da Consciência Negra, o Grupo Palmares, de Porto Alegre, confrontou a redução da população negra à imagem de sujeitos que não foram capazes de defender sua liberdade e precisaram da benevolência da princesa Isabel para sair da escravidão. Essa narrativa histórica é injusta e racista. Apaga um dado óbvio. Sendo gente, africanos e seus descendentes conduziram suas vidas, seja sobrevivendo a um cotidiano adverso, seja organizando levantes em prol de uma sociedade justa, reinventando a existência nos próprios termos. Além disso, essa história serviu para esconder a grande presença de pessoas negras livres no período escravista nos impedindo de perceber como o racismo tem interditado nossa cidadania e violentado nossa humanidade. Como integrante da Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros, eu compartilho o compromisso com uma coletividade que sabe que o respeito àquelas e àqueles que vieram antes de nós pode ser a chave para a escrita de histórias que não tenham medo das nossas contradições e, ao mesmo tempo, demonstrem a nossa grandeza, por sobreviver aos horrores de muitas épocas.
Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora e professora da UnB