Consciência negra

Estudo mostra que negros são maioria dos desempregados no DF

Pretos e pardos representavam 69,3% das pessoas sem ocupação no Distrito Federal, entre janeiro e julho de 2021, enquanto não negros correspondiam a 30,7%. Cenário é mais desigual para as mulheres

Retrato do racismo estrutural existente no Brasil, os negros sofrem — há séculos — com a desigualdade de oportunidades. O problema é percebido em nível local. A pesquisa População Negra e Desemprego no Distrito Federal — feita pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) e apresentada ontem — aponta que, no primeiro semestre de 2021, 69,3% da população da capital desempregada era negra, enquanto a taxa do público não negro, no mesmo período, ficou em 30,7%. O número total de indivíduos desocupados na capital do país, em setembro, foi de 297 mil — desses, 205.821 são pretos e pardos. O abismo é maior quando inserido o recorte de gênero. As mulheres negras eram 38,1% dos desempregados do DF de janeiro a julho de 2021; os homens negros representavam 31,2%; as mulheres não negras correspondiam a 17,4%; e os homens não negros, 13,3%.

Para Lúcia Garcia, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) — entidade coautora do estudo —, entender a desigualdade no Brasil é reconhecer o papel da racialização das relações, tanto sociais quanto políticas e econômicas. "O mercado de trabalho é motor para a redução das desigualdades", atesta.

Sobrevivendo principalmente à base de doações, Messias Conceição, 31 anos, está desempregado há um ano. O morador da Vila Planalto trabalhava em um restaurante, como auxiliar de cozinha. A pandemia da covid-19 fez com que o estabelecimento fechasse. "Às vezes, eu ganho cestas básicas", conta o homem. Messias, que também tem experiência com serviços gerais, veio para o DF do interior da Bahia há seis anos. Caçula de seis filhos, ele começou a trabalhar com 13 anos, na colheita de dendê, para ajudar a mãe, diarista, que criou os sozinha. Messias não conseguiu nenhuma entrevistas de emprego nos últimos meses. "Está difícil", lamenta.

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Formação

Kelly Quirino, professora universitária e pesquisadora em relações raciais e gênero, explica que a população negra começa a trabalhar muito cedo em comparação ao grupo não negro — não por escolha, mas por necessidade. "Isso leva à evasão escolar, porque esses adolescentes não conseguem conciliar os estudos e o trabalho. As ocupações conquistadas são, na maioria, empregos braçais, com menor valor agregado", destaca a professora.

A especialista alerta que as consequências de um ensino deficitário podem se apresentar no futuro. "Essa população terá maior índice de desemprego a partir dos 35 anos, quando será substituída por pessoas mais novas. Quem não tem qualificação não consegue se manter no trabalho formal. É uma questão histórica, ligada ao processo escravocrata, com predominância de trabalhos braçais e posições de subalternidade, com remunerações menores e, às vezes, até em condições análogas à escravidão", ressalta Kelly. A pesquisadora frisa que, infelizmente, esse cenário não é recente. "Nunca conseguimos interromper essa situação, que é um reflexo do racismo, que estrutura toda a base econômica brasileira e, por isso, é chamado de estrutural", resume.

Pandemia

Moradora de Valparaíso (GO), Jordânia Gonzaga, 43, trabalhava de maneira informal no setor de eventos, mas ficou sem renda em janeiro de 2021. A falta de ocupação foi causada pela pandemia da covid-19, que afetou severamente o segmento. "Desde então, estou parada. Parei de procurar (vaga de emprego). Acho que, agora, só ano que vem. Lá em casa, só meu esposo trabalha. Tem que fazer malabarismos para aguentar e pagar todas as contas. Não estou podendo escolher (emprego), vai ser o que aparecer", relata Jordânia.

A emergência sanitária complicou mais a situação laboral da população negra do DF e, mesmo a reabertura de vagas de emprego, com o arrefecimento das medidas de segurança, não gera, necessariamente, melhoria na qualidade de vida dessa parcela da sociedade. "O movimento da recuperação do mercado de trabalho tem acontecido por meio do aumento da ocupação da população de menor renda, majoritariamente formada por negros. Quem está conseguindo se recolocar no mercado são pessoas que aceitam receber menos", explica Clarissa Schlabitz, diretora de Estudos e Pesquisas Socioeconômicas da Codeplan. No primeiro semestre de 2020, a participação das pessoas negras no índice de desemprego do DF era maior do que aquela percebida no mesmo período de 2021 — 75,6%.

Outro elemento que corrobora os danos provocados pelo racismo estrutural é a remuneração recebida pelos negros, que, em média, equivale a 57,6% do salário dos não negros. "O movimento que tem acontecido é de recuperação, mas as pessoas negras ocupadas são as que recebem menos (em comparação com as não negras ocupadas). Ao mesmo tempo em que aumenta a oportunidade, mostra a desigualdade em que a recuperação se dá", observa a diretora.

Entre os trabalhadores autônomos, a diferença de ganhos é menor, sendo que pretos e pardos recebem 77,9% da quantia adquirida por não negros. "A proporção dos rendimentos é sempre desvantajosa. À medida que há intervenções importantes do ponto de vista legislativo, como é o caso do assalariamento, temos crescimento de rendimentos, mas uma seletividade que tira os negros dessa condição melhor. Em compensação, no segmento dos autônomos, onde os rendimentos são menores, há mais equilíbrio. Há uma certa perversidade. É como se a igualdade só fosse possível quando há baixo bem-estar e pouca qualidade de vida", reflete a economista do Dieese.

Início de obstáculos

Samuel Vitor Santos, 22, estuda direito pela manhã em uma faculdade particular e sociologia na Universidade de Brasília (UnB), à noite. Até o mês passado, o morador do Guará 2 estagiava no Poder Judiciário. Apesar da dupla qualificação, ainda que incompleta, ele denuncia tratamento diferente dispensado a ele em comparação aos outros estagiários. "Eu era o único negro (no estágio). Não recebia as mesmas tarefas, e os supervisores não passavam tanto tempo me ensinando como faziam com os colegas brancos. A gente percebe essa diferença", salienta.

Marcelo Ferreira/CB/D.A.Press - Para o estudante universitário Samuel Vitor, as dificuldades para se colocar no mercado de trabalho começaram no estágio

Samuel mora com a mãe, diarista, a quem ajuda com as contas de casa. "Os empregos que nós, negros, ocupamos são aqueles considerados descartáveis, então, somos os primeiros a ser mandados embora em momentos de dificuldade", avalia. Segundo o jovem, a faculdade onde estuda é preterida durante as seleções de estágio. "Passei pelo Prouni e não foi para uma grande instituição. Algumas empresas e órgãos públicos não aceitam a faculdade onde estudamos, é um limite imposto. É importante que, para além das atitudes antirracistas explícitas, essas barreiras, que também são raciais, sejam quebradas", defende.
Colaborou Edis Henrique Peres