Comboio do Cão

Polícia prende lideranças

Dois dos detidos coordenavam a facção e um terceiro geria as finanças do grupo

Os três líderes que comandavam o Comboio do Cão, a maior facção do Distrito Federal, foram presos pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) em uma megaoperação realizada ontem. Dois deles eram responsáveis por coordenar o grupo, e um terceiro cuidava das finanças. Eles atuavam no lugar de Wilian Peres Rodrigues, conhecido como "Wilinha", preso em abril deste ano em outra operação. A PCDF emitiu outros 16 mandados de prisão, sendo que quatro pessoas estão foragidas. O Correio apurou que um dos detidos é da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Identificado como Nilton Barbosa Lima, o PM é suspeito de fornecer armas para a facção. O servidor ingressou na corporação em 1993, mas se aposentou como soldado por questões de saúde.

Na operação, cerca de 10 mil munições foram apreendidas, pistolas com seletor de rajadas e extensores de cartucho. O Comboio do Cão é investigado em, pelo menos, 500 ocorrências e 30 homicídios, e é conhecido pelas ações violentas e com requintes de crueldade. Leonardo de Castro Cardoso, delegado do Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado, explica que o foco da Operação Cáfila — em referência às caravanas de mercadores transportados por camelos nas regiões asiáticas e africanas — foi desarticular "a estrutura de liderança da facção criminosa do DF". "É a quarta operação que fazemos contra a facção, que é relativamente recente se comparada a outras facções brasileiras. O grupo é responsável por crimes de tráfico de drogas, homicídios e roubos. A investigação também buscou atacar a estrutura financeira da organização", explica.

Leonardo pontua que a Comboio do Cão cresceu no Distrito Federal porque o líder, o Wilinha, conseguiu ficar "muito tempo foragido e se articulou em outros locais, de onde comandava a facção". "Ele tinha relação, por exemplo, com os traficantes do Paraguai, país onde chegou a se abrigar", lembra Leonardo. Wilinha foi preso em 30 de abril, em Paranhos (MS), na divisa com o Paraguai.

Operação

Adriano Valente, chefe da Delegacia de Repressão ao Crime Organizado da PCDF (Draco/PCDF), ressalta que a megaoperação contou com mais de 220 policiais civis, incluindo agentes, escrivães e delegados. "Acreditamos que com essa operação a gente tenha conseguido desestruturar quase que definitivamente essa organização criminosa", avalia. "Ao todo, quase 70 membros foram presos ou estão sendo indiciados. Os detidos nos mandados de prisão de hoje (ontem), vão responder por tráfico de drogas, organização criminosa, posse e porte ilegal de arma de fogo, além de comércio de arma de fogo e uma série de pelo menos 30 homicídios imputados ao Comboio do Cão", enumera Adriano.

O delegado responsável pelo caso, Jean Felipe Mendes, explica que os assassinatos cometidos pelo grupo orientaram as investigações da polícia. Dois imóveis do Comboio foram bloqueados. "Um deles, no Recanto das Emas, e outro, no Riacho Fundo II. Um tem o valor estimado de R$ 1 milhão e o outro de R$ 500 mil. O que impressiona é o alto teor de luxo dos apartamentos, com, inclusive, piscina no terraço", salienta Jean.

Thiago Turbay, advogado criminalista sócio do Boaventura Turbay Advogados, afirma que as facções afetam a sociedade à medida que adotam “práticas de terror e violência”. “O trabalho de inteligência e prevenção de delitos é relevante no combate ao crime organizado e na pacificação de pontos de conflito. O trabalho de inteligência policial e demais órgãos de segurança pública devem utilizar as melhores técnicas de investigação e promover ações de policiamento concentradas, visando impedir a operacionalidade e a capitalização das organizações criminosas com alto poder de concentração e estruturação”, finaliza.

Guerra perdida

Welliton Caixeta Maciel, professor de antropologia do direito e pesquisador do Grupo Candango de Criminologia da UnB

O surgimento e o fortalecimento da facção Comboio do Cão se deve ao fato, sobretudo, da existência de uma economia do crime no DF, no Entorno e nas regiões próximas cujas mercadorias ilegais visam ao atendimento do consumo de um público seleto, quase sempre socialmente bem abastado, e não apenas ao atendimento dos vícios e aos desejos de pequenos usuários. Brasília nunca foi alvo de pequenos traficantes em termos de uma economia de mercado de drogas. A origem das drogas e das armas que, por aqui passam e/ou permanecem, provam o "calibre" do público ao qual elas se destinam, tendo se tornado local estratégico de escoamento dessas mercadorias ilícitas, geralmente, oriundas do Paraguai e de regiões fronteiras. A repressão e a discursividade da "guerra às drogas" produz mais estragos do que imaginamos. É de extrema importância que as forças de segurança continuem cumprindo seu papel na preservação da lei e da ordem. Assim como é necessário que o Sistema de Justiça Criminal atue, por meio de cada uma de suas instituições, na garantia da lei e no alcance da justiça. Porém, é pouco provável que o crime não encontre novos formatos ou persista no modelo já existente e que, como temos visto, se expandiu para todo o país. No DF, o Comboio do Cão é o sintoma e a evidência concreta de um problema que deve ser visto enquanto um fenômeno não apenas como tráfico local. Enquanto o Estado não atacar a política de drogas, pensar na questão da seletividade penal e nos filtros da entrada do sistema prisional, no problema do encarceramento em massa, na questão dos presos provisórios e não priorização às penas e medidas alternativas, dificilmente a economia do crime e as facções perderão força. Até lá, continuaremos observando a disputa por hegemonia de território e poder entre fluxos e circulação de mercadorias ilícitas entre agentes do Estado e faccionados presos e não presos.