Símbolo da vida, os baobás são árvores de origem africana que chegaram ao Brasil com os povos negros que foram escravizados. A espécie, que na pátria mãe era sagrada, se tornou testemunha dos horrores do regime escravocrata. Um passado que é lembrado, mas também é ressignificado com o resgate do elo ancestral entre os baobás e os filhos da diáspora do continente africano, sobretudo, por iniciativas de educação e cultura, como os projetos Baobá Brasil e o Cidade Cor: Educação Antirracista, que desenvolvem ações para valorização da espécie que evoca força e orgulho para os negros.
No mês da Consciência Negra, os dois projetos estabeleceram uma parceria para a sensibilização de professores da coordenação regional de ensino de Taguatinga sobre a árvore e para o plantio e preservação nas escolas, como forma de valorizar referências afrodescendentes.
Idealizador do Baobá Brasil, o professor André Lúcio Bento, que é especialista e pesquisador da cultura afro-brasileira e africana e doutor em linguística, conta que passou a catalogar os baobás do DF para reforçar as origens e a história dessas plantas para os povos africanos. "Na questão do combate antirracismo, eu tento frisar que o baobás são um símbolo de resistência. Admirar essas árvores é uma experiência que permite um outro olhar sobre culturas que foram marginalizadas na história", explica o educador.
Educação transformadora
Para Janaína Almeida, coordenadora do projeto Cidade Cor, o principal objetivo da ação é fazer com que a educação antirracista aconteça todos os dias, não só no ambiente escolar, mas em todos os espaços de convivência, onde houver a necessidade de ter posturas mais igualitárias. "A gente traz uma outra ótica e perspectiva para os estudantes que não é a que comumente é trabalhada nas datas comemorativas como da Consciência Negra que costuma-se usar figuras tradicionais como Pelé e fazer feijoada", destaca a idealizadora.
Ainda pouco conhecido, Janaína afirma que o baobá tem sido um objeto de estudo importante com os múltiplos significados que essa árvore tem e todo o simbolismo que foi para os povos escravizados, pois traziam as sementes escondidas nos navios negreiros."Fortalecendo a questão da negritude e da ascestralidade, nós vamos com certeza potencializar nossa luta contra o racismo e a educação antirracista tem essa perspectiva de trazer elementos para que cada ser desenvolva as competências e habilidades necessárias para identificar o racismo, combatê-lo e não praticá-lo", ressalta a coordenadora.
Participando do encontro, a orientadora educacional no Centro de Ensino Médio 3, em Taguatinga Sul, Maristela do Prado afirma que esse tipo de ação é valiosa para que os estudantes tenham uma proximidade com a cultura e a história. "Eu acho fundamental ensinar a lidar com a natureza e ter o contato dos alunos para saberem da existência dos baobás. Isso estimula o gosto pela história. Essa árvore tem um significado muito importante que precisa ter esse conhecimento para valorizar a cor da pele, a cultura e o antirracismo na nossa sociedade", ressalta a educadora.
Além da orientadora, o professor de história e coordenador pedagógico Emanuel Marques do Centro de Ensino Médio Asa Branca (Cemab), em Taguatinga Sul, foi ao encontro e se surpreendeu ao conhecer mais dessas árvores milenares e poder levar essa cultura para os estudantes. "A importância é a gente manter a história dessa árvore sendo responsável pela tradição e por respeito às matrizes africanas no Brasil. O baobá tem uma história bonita na África e o Brasil tem uma parte da África", destaca Emanuel. "É importante para que o aluno observe a simbologia da árvore para a cultura desse povo e a questão racial envolvida", conclui.
Até o momento, mais de 60 árvores já foram localizadas no DF. Os três baobás mais antigos de Brasília foram plantados entre 1996 e 1998 e estão próximos à Embrapa, na Asa Norte. Muitos deles estão em área privada e o maior do DF está localizado no Park Way. André conta que o dono do lote ganhou uma semente de um amigo há 20 anos e plantou no terreno de casa. No Jardim Botânico, as espécies foram plantadas há oito anos e seguem crescendo. Após concluir o mapeamento, o professor planeja solicitar para o Governo do Distrito Federal o tombamento dos baobás como patrimônio.
História
Na África, a sombra dos baobás era onde os mestres transmitiam os ensinamentos e tradição para as novas gerações. Alguns povos consideravam a espécie como árvore da vida. Para outros, ela era considerada verdadeira divindade que trazia memória, enraizamento, perseverança e longevidade, pois demoram cerca de 800 anos para atingir a idade adulta e podem viver até quatro mil anos.
Entretanto, para os colonizadores, o baobá foi batizado como a árvore do esquecimento. Antes de embarcarem nos navios negreiros, os exploradores obrigavam os escravizados a darem voltas na árvore, que pode ter até 15 metros de diâmetro e 30 metros de altura, como se fosse um processo de esquecimento da própria origem e não permitiam que levassem qualquer objeto da terra natal que remetesse a uma lembrança. "A escravidão não foi só uma questão comercial e de trabalho forçado, também teve uma tentativa de apagamento de uma cultura", ressalta o pesquisador André Lúcio Bento. O Brasil é o país com a maior comunidade negra fora do continente africano. André explica que, durante os quase quatro séculos de escravidão, cerca de 50% dos negros retirados a força da África pelo comércio de escravos veio para o país.
Mesmo sendo proibido trazer memórias dos países de origem, alguns escravos conseguiram esconder sementes dos baobás para plantarem no Brasil. "Os baobás mais antigos do Brasil estão nos estados de Pernambuco e do Rio Grande do Norte, que foi justamente onde começaram os engenhos de cana-de-açúcar. Lá, os negros conseguiam cuidar das árvores em meio ao trabalho escravo", explica o especialista.
Para ter mais informações sobre os projetos acesse: www.baobabrasil.com