A calçada é o lugar mais seguro para o pedestre caminhar. Porém, em diferentes regiões do Distrito Federal, motoristas invadem esses locais para estacionar de forma irregular. Ao longo do meio-fio, em ruas sem saída ou bloqueando rampas e garagens: onde houver espaço, há veículos. Em Ceilândia, Taguatinga e no Plano Piloto, o Correio percorreu as quadras para conferir a situação e conversar com quem enfrenta problemas de acessibilidade devido à irresponsabilidade dos condutores.
Em Ceilândia e Taguatinga Centro, a reportagem encontrou calçadas tomadas por carros nas áreas comerciais e em frente a residências. Em três horas entre as duas cidades, a equipe flagrou quatro motoristas estacionarem em áreas irregulares.
Moradora de Taguatinga, Denise de Campos, 46 anos, passeava com o cachorro e precisou desviar várias vezes dos carros, concentrados em locais proibidos. “Desde que me mudei para cá, em 2017, vejo os motoristas agirem assim. Eles sempre atrapalham, principalmente na Avenida das Palmeiras. Às vezes, corremos até perigo, tendo de dividir a pista com os carros. E há pessoas que precisam de acesso e têm preferência, mas não podem passar por aqui. Isso é um problema antigo na região”, completa.
Multas
De janeiro a outubro, o Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), a Polícia Militar (PMDF) e o Departamento de Estradas de Rodagem (DER-DF) emitiram 97,8 mil multas por estacionamento de carros e motos em locais inapropriados (leia O que diz a lei). No mesmo período do ano passado, foram contabilizadas menos infrações: 72,7 mil.
Para pesquisadores da área, o desequilíbrio cada vez maior entre a quantidade de veículos em circulação e a consequente demanda por vagas é uma das principais causas do problema. Professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em psicologia do trânsito, Hartmut Günther sugere a privatização de estacionamentos como uma das soluções para amenizar o cenário crítico observado nas áreas centrais das cidades.
“Antes de tudo, cabe entrar na ‘modernidade’ e acabar com a gratuidade desses espaços. Depois, multar e, eventualmente, guinchar. Também vale incentivar o transporte alternativo, pois, se o preço da gasolina e do estacionamento é caro, provavelmente mais pessoas vão optar pelo modal público, desde que este seja conveniente e funcional, com diversos número de linhas, placas informativas e disponibilidade para as regiões”, destaca o professor.
Fiscalização
No Plano Piloto, a situação não é diferente. Moradora de Cocalzinho (GO), Fabiane Peixoto, 42, percorreu cerca de 40km de casa até a 710/910 Sul, onde não conseguiu vagas nem caminhar pelas calçadas, pois teve de andar por trechos sem a estrutura em concreto. “Desta vez, vim de carro e tive dificuldade para estacionar. Precisei pagar por isso”, reclama. “Agora, tenho de caminhar até o meu destino, desviando dos veículos.”
Diretor substituto de Policiamento e Fiscalização de Trânsito do Detran-DF, Luiz Souto destaca que nenhum centro metropolitano comporta o tamanho da frota que circula pelo Plano Piloto e que a demanda por vagas no Distrito Federal é maior do que a oferta. “É normal que isso ocorra em qualquer cidade grande. Em Brasília, não é diferente. Por isso, surge a necessidade de investimento em transportes públicos e de outras modalidades, como bicicleta, por aplicativo ou táxi. Incluindo o Entorno, a frota daqui está próxima a 2 milhões de veículos”, estima.
Luiz Souto lembra que a capital do país tem 33 regiões administrativas e que, mesmo com a falta de estacionamento, o fluxo no Plano Piloto é intenso, principalmente, porque parte considerável da população sai das cidades de origem para trabalhar na área central. “O centro de Brasília exerce uma atração econômica grande. Muita gente migra para lá todos os dias de carro. O transporte público é uma opção, mas há muitos que preferem se deslocar com o próprio veículo”, completa o diretor.
Esse, porém, não é o caso da aposentada Maria de Lourdes, 72. Sem veículo próprio, a moradora de Ceilândia costuma andar a pé e enfrenta riscos pela ocupação das calçadas por carros, não pedestres. “Tenho de prestar atenção, caminhar rápido e desviar dos veículos. É uma situação antiga, que todos estão acostumados a vivenciar. Digo que, se não é comigo, é com os outros. Nem sei o que podemos fazer para melhorar, pois desisti”, desabafa.
Marilene Carvalho, 42, mora na M Norte e passa por algo semelhante: “Às vezes, ainda temos de passar para o lado da pista, e acontece de tomarmos um banho com água da rua. Isso porque não podemos estar nas calçadas, que estão tomadas por carros ou motos. Crianças, jovens, adultos e idosos, todos correm riscos”.