— Nelson, se você continuar assim, vai acabar agindo como o Senhor Volante, disse Marlene, preocupada com o comportamento do marido.
O matrimônio tornou-se o passo natural para o casal. Nelson e Marlene tinham muitos gostos em comum. Desde o início do relacionamento, compartilhavam hábitos interessantes: aos fins de semana, gostavam de explorar as muitas atrações naturais nos arredores de Brasília. Casados, compraram uma pequena propriedade no setor de chácaras do 26 de Setembro.
Nelson e Marlene dividiam todas as preferências. Fazia parte do repertório do casal algumas peculiaridades: ouvir sofrência; assistir à novela; ver e rever os gols da rodada. E foi assim, compartilhando as vontades, que Nelson e Marlene descobriram uma inclinação comum: o interesse por armas.
Nelson já tinha alguma familiaridade com tiros e munição. O apreço por armas começou naqueles campos de paintball espalhados por Brasília. Em 2019, Nelson participou do Ruas em Guerra 5, aquele evento de air soft ocorrido em Taguatinga. No jogo, havia até bonecos enrolados em sacos plásticos, simulando corpos pendurados na rua.
Em 2020, Nelson concluiu que havia chegado a hora. Comprou duas pistolas .40 em uma loja em Taguatinga Norte. Uma para ele, outra para Marlene. Gastou aproximadamente R$ 20 mil, incluindo na conta as autorizações necessárias para adquirir a arma e as munições.
Neste país violento, cidadãos de bem não podem ficar reféns de bandidos. A polícia tem seu valor, mas não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Os vagabundos estão sempre um passo à frente. É preciso se proteger, ter sensação de segurança.
Tudo ia bem até aquele fim de semana, quando os dois foram ao setor de chácaras do 26 de Setembro. Armados. Nelson, em particular, estava atento. Quando se tem uma arma, é preciso ficar alerta a qualquer movimento suspeito. Ao ouvir um barulho nos arredores da casa, não teve dúvida. Pegou a .40 e foi ao jardim. Deu três tiros para o alto.
— Mas o que é isso, Nelson??? O que houve??, perguntou uma assustada Marlene.
— Eu ouvi um barulho aqui fora, respondeu Nelson, ainda com a mão tremendo.
— Se você resolver dar tiro para cada barulho que ouvir em uma chácara, vai acabar com a sua munição em meia-hora, retrucou a mulher.
— Na dúvida, já ponho logo o malandro para correr, encerrou Nelson.
Ao retornar para casa em Vicente Pires, no domingo à noite, o casal conversava tranquilamente. Mas o trânsito de Brasília é traiçoeiro. No centro de Taguatinga, em meio àquela péssima sinalização montada por causa da obra do túnel, um motorista resolve mudar de faixa sem sinalizar. Nelson é obrigado a frear bruscamente. A reação é imediata: "Seu filho da...". E a mão começa a procurar, nervosamente, um objeto que estaria próximo. A pistola .40.
Marlene segura o braço do marido. E vem a frase.
— Se você continuar assim, vai acabar agindo como o Senhor Volante, diz a mulher, lembrando o personagem do Pateta.
Quando ainda eram namorados, antes de pensarem nessa história de armas, Nelson e Marlene se acabavam de rir com o clássico desenho de Walt Disney. Era a história do pacato cidadão que, ao entrar no carro, tornava-se um psicopata ao volante.