A divulgação de um bem ou serviço e seus efeitos em determinados públicos são questões de grande interesse social, principalmente em casos de publicidade abusiva. Desta forma, as questões acerca das campanhas publicitárias passaram a ser observadas não só pelo Código de Autorregulamentação Publicitária, mas também pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Por vezes, a publicidade abusiva pode se confundir com publicidade enganosa, mas características específicas diferenciam uma da outra. Segundo a advogada especializada em direito do consumidor e diretora da Comissão Permanente de Acesso à Justiça, do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Simone Magalhães, o Art. 37, § 2° do CDC traz os pontos-chave do que constitui abusividade na divulgação. "A abusividade é evidenciada em publicidades que promovem algum tipo de discriminação; estimule o consumidor a agir de maneira violenta; cultive medo ou superstição; se aproveite do fato de que a criança ainda está em fase de amadurecimento e se encontra mais suscetível aos apelos publicitários; e induz o consumidor a se comportar de forma a prejudicar sua saúde ou segurança", explica.
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O estudante de letras Éric Farias, de 21 anos, morador de Planaltina, teve contato com uma peça publicitária desse tipo quando tinha 10 anos. A propaganda de cerveja que o estudante viu contava com desenhos e outros objetos lúdicos que chamaram sua atenção. "Eu, como era criança, não tinha noção. Toda vez que via a propaganda, uma animação que tinha um caranguejo, achava muito legal e queria tomar aquilo (cerveja), e minha mãe sempre tinha que explicar que eu não poderia beber", relata. Segundo o jovem, a utilização desse tipo de recurso foi, de certa forma, abusiva, mas por falta de informação, seus responsáveis não denunciaram. "Na minha opinião, foi abusiva sim, porque utilizava recursos infantis para uma propaganda de cerveja. Na época, não tínhamos noção de que era possível denunciar, por isso não fizemos, pela falta de informação", explica.
Esse tipo de publicidade pode causar efeitos negativos a quem tem contato com ela. Alexandre Kieling, professor e pesquisador do mestrado de comunicação e economia da Universidade Católica de Brasília (UCB), aponta que as consequências à saúde mental do indivíduo podem ser graves. "Esse efeito é nocivo para o bem-estar e para a saúde mental, sobretudo do consumidor, pois pode incomodar, irritar e desassossegar; e isso não ajuda a saúde mental de ninguém. Além disso, efeitos naturais podem ocorrer, pois quando se faz uma promessa que não vai cumprir, falando de alguma coisa que não é verdadeira, defendendo uma circunstância que não é real, o efeito que se obtém é induzir a pessoa ao erro, induzir a pessoa a alguma atitude que seja prejudicial à própria integridade, física ou moral dela", alerta.
A advogada Simone Magalhães dá exemplos de efeitos que podem decorrer de publicidade abusiva. "Ela pode acarretar efeitos individuais ou coletivos não desejados. Por exemplo: fazer a pessoa se sentir diminuída por não ter o corpo, a cor, o cabelo ou o poder aquisitivo indicados como corretos na publicidade; estimular a pessoa a se automedicar ou a ingerir suplementos alimentares em excesso e sem a devida orientação profissional; sugestionar que um adolescente minta ou realize um furto para poder adquirir o produto anunciado", esclarece.
Denúncias
Alessandra Faria, advogada especialista em direito do consumidor, aponta que o primeiro passo é contatar a empresa pelo SAC e fazer reclamações em outros espaços. Mas em caso de frequentes insucessos na denúncia e permanência do incômodo, o consumidor também pode acionar a Justiça. "Se a tentativa de contato com o serviço de atendimento ao consumidor da empresa não surtir efeito, deve-se registrar uma ocorrência no Procon, para que o órgão tome as medidas necessárias capazes de coibir a sua exibição ou veiculação e aplique as sanções pelas infrações cometidas. Também pode-se fazer uma reclamação no site Reclame Aqui para que os administradores sirvam como ponte desta comunicação e a empresa possa dar uma resposta ao consumidor", recomenda. A advogada também aconselha que os consumidores utilizem plataformas de reclamação on-line para divulgar o ocorrido. Por fim, caso não haja solução, é possível ajuizar Ação Cível no Juizado Especial de Pequenas Causas, desde que a causa se limite a 40 salários mínimos.
O professor Alexandre Kieling também ressalta que entender o papel das instituições é fundamental para identificar quando uma peça publicitária é abusiva. "O que vai nos salvar nesse mar de poucas referências são as instituições e respeitar aqueles que têm responsabilidade para tal acompanhamento, comercialização, receita ou entrega". Kieling também recomenda, como medida preventiva, a avaliação do nível de invasão que tem a publicidade e o conteúdo veiculado. "É importante checagem de origem de qualquer produto, verificar nos sites de reclamação que indicam quem está trabalhando sério e quem não está, quem entrega e quem não entrega, quem tem produtos de qualidade e quem não tem. É essencial a checagem", reforça.
Crianças
No Brasil, a publicidade infantil suscita questionamentos sobre limites éticos, visto que, de acordo com o Art. 227 da Constituição Federal, a criança deve ser especialmente protegida e colocada "a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". A advogada Simone Magalhães explica que a inocência é o pilar central da proibição de publicidade veiculada ao público infantil. "A criança se encontra em estágios iniciais de formação, sendo mais vulnerável. O ponto principal da abusividade da publicidade dirigida à criança é o fato de que ela se aproveita da inocência para lhe vender produtos previstos no CDC", esclarece.
Porém, é possível regular o contato que crianças têm com conteúdo publicitário. A advogada Alessandra Faria dá dicas de como os pais devem se atentar ao que os filhos consomem e de como devem denunciar em caso de abusividade identificada. "Restringir o uso e o acesso das crianças frente ao excesso de publicidade, por meio de anúncios, TVs abertas e por assinatura e redes sociais, dentre elas, Instagram e Tick Tok, e em todas as formas de entretenimento para transmissão de mensagens comerciais. Acompanhar e monitorar o conteúdo que elas estão acessando e verificar se há ilegalidade ou abusividade nesses anúncios. Identificada a ilegalidade ou abusividade, deverão compartilhar entre si, no grupo familiar e de amigos, para que todos tenham conhecimento, reclamem, denunciem e exijam que a proteção da criança seja respeitada", orienta.
*Estagiário sob a supervisão de Adson Boaventura
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Dicas
» Atente-se a peças publicitárias que contenham sinais de discriminação; estimulo à ação de maneira violenta; cultivo de medo ou superstição; aproveitamento do fato de que a criança ainda está em fase de amadurecimento
» Caso tenha filhos ou crianças sob sua proteção, atente-se ao conteúdo consumido pelos infantes em diferentes meios, como TV, redes sociais entre outros
» Se identificar abusividade, entre em contato com o SAC da empresa anunciante. Caso não tenha sucesso, pode acionar o Procon, sites de reclamação e, por fim, a Justiça, por meio de Ação Cível
» A reclamação pode ser registrada imediatamente após o desconforto sentido, não tendo prazo para ser feita, já que a publicidade chega em diversos públicos em períodos diferentes