Além dos efeitos em níveis de saúde e economia, a pandemia da covid-19 intensificou problemas de caráter social que impactaram, também, crianças e adolescentes. A quantidade de casos relacionados ao armazenamento ou à divulgação de material com pornografia infanto-juvenil, por exemplo, cresceu no Distrito Federal. O resultado, segundo a Polícia Civil, tem relação com o tempo que esse público passou na internet — muitas vezes, sem monitoramento de adultos e exposto ao ataque de criminosos no mundo virtual — desde o início da crise sanitária.
Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) revelam que a quantidade de ocorrências desse tipo registradas entre janeiro e setembro — mês mais recente do balanço — superaram o total verificado em todo 2019 e, ainda, em 2020. Nesse período, antes e depois do início da pandemia, os registros aumentaram 45% (leia Levantamento). Recentemente, na última sexta-feira, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) deflagrou uma operação de combate à pornografia infantil e prendeu um homem por armazenar 2,5 mil imagens e 515 horas de vídeos íntimos com crianças de 4 a 10 anos (leia Memória).
Das 52 ocorrências registradas neste ano, 63% envolviam oferta, troca, disponibilização, transmissão, distribuição, publicação ou divulgação de cenas de sexo explícito ou pornografia com crianças e adolescentes. As faixas etárias com mais vítimas eram de 6 a 11 anos e de 12 a 15 anos, com 21 casos cada.
Delegado da Delegacia de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC), Dário Freitas orienta que os responsáveis por pessoas com menos de 18 anos devem se manter atentos. "Elas podem ser aliciadas e acabar, por algum motivo, gravando um vídeo por conta própria em casa. Há casos em que alguém conversa com a vítima e pede para ela colocar a câmera de uma determinada forma. O vídeo posteriormente é compartilhado na internet", alerta.
Em relação à pedofilia, os números da PCDF mostram que cerca de 18% dos casos verificados entre 2018 e 2021 aconteceram pela internet. Contudo, as notificações desse tipo estão em queda desde 2019. Neste ano, de janeiro a 17 de maio, o total foi de 25. Sem tipificação desse tipo de prática no Código Penal (leia O que diz a lei), a Polícia Civil considera, para efeito de classificação, qualquer ocorrência que envolva crimes como estupro de vulnerável ou divulgação de pornografia infantil.
Fragilidade
Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança, Adolescente e Juventude na seccional distrital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Charles Bicca detalha o que está previsto na legislação. “A pedofilia não é tipificada como crime porque não existe uma definição exata. Trata-se de uma perversão sexual. O delito, em si, é o abuso sexual, que pode ser praticado presencialmente ou por meios eletrônicos — muito comum, hoje em dia", ressalta.
O advogado acrescenta que uma pessoa pedófila não é, necessariamente, uma abusadora sexual: "Na maioria dos casos (de violência sexual), o criminoso se aproveita da fragilidade da vítima. Na pedofilia, o adulto sente atração por crianças e adolescentes, mas a maioria deles não chega a cometer crimes, porque sabe que as penas são graves", comenta Charles.
Um estudo divulgado neste ano pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) revela que 43,3% das vítimas de algum tipo de violência em 2019 eram crianças e adolescentes — sendo 37,3% das notificações relacionadas a crimes sexuais. A psicóloga clínica Raquel Manzini destaca que, nesses casos, é necessário denunciar o crime junto aos órgãos competentes — como Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) ou Conselho Tutelar —, além de garantir acompanhamento psicológico para as vítimas e aos responsáveis por elas.
Raquel lembra que, geralmente, a criança acredita ser responsável pelo abuso ou pela exposição da imagem íntima dela. Por isso, pode apresentar dificuldades para contar a pessoas de confiança sobre o que aconteceu, bem como para interagir com outras pessoas da mesma faixa etária. “Na pandemia, elas ficaram mais expostas ao uso de eletrônicos. Com pouco tempo de supervisão dos filhos, muitos pais acham que, na internet, eles estão se distraindo ou se divertindo. Mas, muitas vezes, isso é uma porta para a pedofilia. Portanto, é fundamental que a família mantenha um diálogo claro com meninos e meninas, como forma de protegê-los”, recomenda.
Dicas
Saiba como acompanhar crianças e adolescentes na internet
- Deve-se fiscalizar o horário de uso das redes, inclusive dos conteúdos acessados. Fique atento, pois nem sempre os filtros de segurança podem blindar alguns sites para adultos;
- Converse francamente com eles, adaptando o discurso à faixa etária. Explique que ninguém pode tocar ou pedir para ver as partes íntimas de crianças e adolescentes nem vê-los sem roupa, a não ser a mãe, o pai ou o responsável — ou desde que tenham autorização deles;
- Preste atenção a mudanças de comportamento. Não é adequado, por exemplo, que uma criança peça para beijar a boca de outra ou para ficar nua com outro adulto. Os responsáveis têm de ficar atentos à sexualização fora da faixa etária;
- É importante estar presente nas escolas, creches e instituições em geral para observar quem são os cuidadores e se os adultos têm comportamento suspeito. Retirar crianças ou adolescentes do convívio dos outros para levar ao banheiro, mesmo tendo idade para ficarem sozinhos, não é adequado. O mesmo vale para quem demonstra predileção especial ou exagerada, fazendo convite para passar mais tempo ou pedindo fotos e vídeos pessoais;
- Observe se as crianças ou adolescentes precisam, de fato, ter um telefone celular com aplicativos de troca de mensagens. Caso a família considere uma necessidade, deve acompanhar, com a frequência adequada para cada faixa etária, o conteúdo enviado e recebido
Fonte: Raquel Manzini, psicóloga clínica
O que diz a lei
Penas
Adquirir, ter ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo pessoas com menos de 18 anos prevê de um a quatro anos de prisão, além de multa, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente. O tempo de reclusão pode variar de quatro a oito anos se houver produção, reprodução, direção ou registro desse tipo de conteúdo. O mesmo vale para casos de venda ou exposição para compra. Nos casos de simulação da participação desse público em cenas íntimas, por meio de montagens ou modificações em mídias, pode resultar em pena de reclusão de um a três anos.
Onde pedir ajuda
Disque 100 ou Disque Direitos Humanos
Telefones: 100 ou 180
Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA)
Telefone: 61 3207-4523
Delegacia Especial de Repressão aos Crimes Cibernéticos (DRCC)
Telefone: 61 3207-4892
Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF)
Telefone: 190
Site: pcdf.df.gov.br
Conselho Tutelar
Site: conselhotutelar.sejus.df.gov.br
Colaborou Ana Isabel Mansur
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