Os pombos da minha rua estão revoltados. Eles perderam a comida que antes era deles. Aqueles restos de marmita aberta no meio da rua ou de dentro das lixeiras. Agora, algumas pessoas disputam essas sobras. Não há mais migalhas para eles. O líder do grupo pombal da área me deu uma entrevista com exclusividade. Fala, pombo: "Pru pru...".
Qual o seu nome?
Ué! Pombo? Já viu algum humano dar nome para nós?
Humm... Bem, dias atrás vi vocês se arriscando no trânsito, em meio aos carros. Sempre foi assim?
O caminhão de lixo tinha acabado de passar. É nossa única opção para comer, ultimamente. Isso quando sobra algo decente. Vocês, humanos, não têm deixado muita sobra. Até do lixo vocês estão comendo. Está difícil.
E como era antes?
A gente encontrava uns restos de comida mesmo fora das lixeiras. Tinha até pizza. Quando não, jogavam um pedacinho de alguma comida para nós. Somos engraçados para vocês. Os velhos e as crianças gostavam de dar umas guloseimas para a gente. Com a pandemia, ficou tudo mais difícil.
Difícil como?
O pessoal deixou de sair por um tempo. Quando voltou a frequentar a rua, mal comia. Não sobrava nada. A galera só bebia álcool. E nós não bebemos isso, só comemos. Assim, bebemos água que passarinho bebe — heh-heh. Sim, nós pombos somos divertidos.
Hum, interessante. E como vocês sobrevivem hoje?
Nos arriscamos muito no trânsito. Graças à falta de educação de alguns de vocês, que jogam uma coisa ou outra pela janela dos carros, conseguimos comer. Ainda bem que nunca encontrei vocês competindo conosco pela comida do asfalto, só nas lixeiras mesmo. Mas é muito arriscado. Vários amigos morreram esmagados pelos carros. Acho que eles até podem ter virado comida para vocês depois de um atropelamento pombal. Ouvi que a situação não está boa para os humanos. Covid-19, política, economia... Vão virar Cuba ou Venezuela? Pru, pru...
Direita ou esquerda?
Cago na cabeça de todos. Mas, agora sem ter o que comer, até cagar está difícil. E esse problema de direção é de vocês. Resolvam essa treta aí.
Vocês não têm medo da atual situação?
Pombo brasileiro é até aviãozinho, maluco. Entrega celular "pros" irmão preso. A gente não tem medo de ninguém. Vida loka. Mais fácil vocês morrerem primeiro, e a gente vai lá comer o que sobrar.
Um sonho?
Comer mais para cagar na cabeça de todos vocês. Que superem a pandemia. Saiam de casa, frequentem mais os parques e nos alimentem. Sabemos que a situação de vocês está pior que a nossa, mas, por favor, deixem de comer nossas sobras.
Mas se está ruim para você, pombo, por que não voa para outro país?
Já ouviu a piada do verme pai e do verme filho? Verme filho pergunta: "pai, por que continuamos a viver em um tolete de merda? Por que não não vamos embora?". Verme pai responde: "porque somos nacionalistas, filho". É mais ou menos isso. Gostamos do Brasil e de cagar em vocês, quando podemos.
Vocês são nacionalistas?
Gostamos de estátuas dos heróis nacionais.
Soube que vocês cagam
na estátua de Drummond, no Rio.
Geralmente é um pombo argentino, amante de Borges.
Brasil e Argentina lembra-me
futebol. Final da Libertadores, a segunda consecutiva entre brasileiros...
Vai dar porco. Não gosto de urubu. Se fosse contra argentino, torceria pelo brasileiro.
Música?
Claudinho e Buchecha: "Sabe? Pru, pru, pru pruuuu..." Mamonas Assassinas: "Daí vem a rajada de sua bazuca anal/Já tem pomba com mira a laser/O tiro sai sempre fatal".
Uma mensagem para
o leitor, por favor.
Votem direito nas próximas eleições, para que ninguém precise comer nossa comida. Precisamos sobreviver.
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