O Governo do Distrito Federal (GDF) tenta trazer para a capital os projetos de Lucio Costa que foram vencedores do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil — disputa que elegeu o arquiteto e urbanista que iria desenhar a área central do viria a ser o DF. Os documentos foram doados à Casa De Arquitectura, em Portugal, junto a outros projetos, rascunhos e documentos pessoais do arquiteto. O projeto de Brasília, de acordo com o edital do concurso realizado em 1956, deveria ser de posse pública, e não particular. Entretanto, o material sempre esteve com a família e foi enviado para a Europa com as cartas e outros documentos pessoais de Lucio. A família confirma que há tratativas, mas ressalta que haverá cooperação para disponibilização dos arquivos de forma digital.
Procurada, a Novacap informou que nunca teve posse dos arquivos, mas confirmou que o edital do concurso previa que a propriedade deveria ser da companhia. O Arquivo Público do Distrito Federal, por sua vez, reafirmou que os documentos nunca estiveram em posse do Poder Público e que não se sabia que os desenhos estavam no Rio de Janeiro. Segundo o órgão, após a doação, houve a manifestação de interesse de trazer os desenhos do Plano Piloto para a capital. Para isso, o Arquivo Público conversa com a família de Lucio Costa e com a Casa De Arquitectura, museu português que recebeu o acervo para ter os arquivos de forma física ou digital.
Nesse sentido, em 22 de outubro, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do DF enviou um ofício ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) questionando se há registro de tombamento dos bens doados pela família de Lucio Costa à Portugal. "Ainda, mesmo que não haja registro de tombamento dos bens, questiona-se se este órgão tem conhecimento da listagem dos bens doados, em especial no que tange à documentação referente ao concurso nacional que consagrou como vencedor o projeto de Lucio Costa para construção de Brasília", diz o ofício a que o Correio teve acesso.
Professor de história da arquitetura e do urbanismo do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Francisco Leitão explica que, no edital da Novacap, na época, não havia dúvidas quanto à propriedade do material inscrito pelos participantes do concurso. "Neste caso, não questiono a decisão da família de doar cartas, fotos e coisas pessoais de Lucio. No entanto, os desenhos e projetos de Brasília deveriam estar aqui", comenta. Para ele, a capital federal tem condições e locais adequados para manter os projetos da cidade. "Temos o próprio Arquivo Público, museus, o Espaço Lucio Costa. Vários locais aptos para manter esses arquivos", completa.
Definições
Neta de Lucio Costa, Julieta Sobral confirma que há tratativas para disponibilização dos arquivos referentes a Brasília, mas ressalta que serão no formato digital. "Nosso foco sempre foi cooperar e difundir a história. Por isso, ajudei o Arquivo Público a entrar em contato com a Casa de Arquitectura, para que haja essa troca entre eles", diz Julieta. Segundo ela, ainda não há um acordo assinado, mas as conversas estão encaminhadas. "O que está sendo definido é que o Arquivo Público cederia alguns documentos relativos à Brasília e a Casa De Arquitectura cederia outros também relativos ao Plano Piloto. Tudo digitalizado em alta resolução", explica.
Sobre a doação, Julieta trata essa questão como resolvida. "Nenhum desenho foi tombado pelo Iphan. O acervo é privado, e o destino dele já foi definido", diz. Mas ela afirma que a colaboração entre as entidades será positiva. "Teremos um grande acervo sobre Brasília e disponível para as pessoas. Esse sempre foi o nosso foco", completa.
Manutenção
Para o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, a doação dos materiais de Lucio Costa foi inevitável, e a forma de se tratar a cultura no DF e no Brasil precisa passar por revisões. "Lucio Costa era um cara genial, cuja memória é importante, e as pessoas não têm essa dimensão. Não sabem o quanto ele foi grande. Isso porque o governo não coloca para as pessoas essa importância", diz.
Segundo ele, é preciso trabalhar nos níveis primários da cultura a fim de fomentar o interesse. "É necessário ter equipamentos públicos de cultura. Cultura é feita pensando na população e para a população. Temos que ter museus públicos, bibliotecas, teatros públicos", afirma. Flósculo completa que a manutenção dos espaços é importante para não deixar os arquivos e documentos malcuidados. "Há países em que as coleções pessoais de artistas são doadas para órgãos públicos. Aqui não temos um local para doar livros para a população de Brasília. Isso é grave", comenta.