Trânsito

Família fica em choque após ataque de fúria de motorista contra condutora

Após colidir com o carro de Paula Paiva, Ênio Barcelos subiu no veículo dela, quebrou o para-brisa aos chutes e agrediu a família da personal trainer. O empresário pagou fiança de R$ 5 mil e foi liberado no mesmo dia do ocorrido

A família de Paula Paiva está em estado de choque após se envolver em um acidente de trânsito, no domingo (24/10), e ser agredida pelo motorista envolvido na colisão. “Minha mãe está abalada. A minha irmã está melhor, mas ficou bem assustada na hora. Eu estou bem chateada, porque a compra do carro é recente e por precisar dele pra trabalhar”, contou ao Correio a personal trainer de 25 anos.

Paula afirmou que pretende, futuramente, fazer com que o empresário Ênio César de Barcelos, 40 anos, arque também com as despesas que ela terá para se locomover nos próximos dias, enquanto o conserto do veículo não for concluído. “Ele acabou com meu carro, e meu braço está dolorido”, desabafou a vítima. Não bastasse todo o absurdo do caso, as agressões ocorreram às vésperas do aniversário da mãe de Paula, comemorado hoje.

Além de trincar com chutes o para-brisa do carro de Paula depois de subir no veículo, o agressor teria proferido ofensas racistas à família, de acordo com a personal trainer. “Ele xingou minha mãe e minha irmã de pretas safadas e noiadas”, relatou a vítima. A menina tem 9 anos, e a mãe de Paula, 46. Depois das agressões, Ênio César foi preso, e a vítima registrou boletim de ocorrência na 12ª Delegacia de Polícia (Taguatinga Centro). O caso é investigado como injúria racial, dano, acidente de trânsito sem vítima e lesão corporal. Ainda no domingo (24/10), porém, o agressor pagou fiança de R$ 5 mil e foi liberado.

O delegado responsável pelo caso, Josué Ribeiro, disse ao Correio que o homem não possui antecedentes criminais e alegou que não tinha tomado os remédios controlados no dia. Segundo o boletim de ocorrência, tanto a mulher quanto o agressor foram encaminhados ao Instituto de Medicina Legal (IML). O carro da vítima foi periciado ontem. Apesar de brigas no trânsito serem comuns, a Polícia Civil do Distrito Federal não possui o registro da quantidade de relatos desse tipo. “Não temos essa natureza criminal em nosso ordenamento jurídico, e a leitura de históricos se torna inviável diante do grande volume de ocorrências de trânsito”, respondeu a corporação, em nota.

O caso

O homem agrediu Paula física e verbalmente durante uma briga de trânsito em Taguatinga. Segundo relato da vítima, o condutor ficou enfurecido por ela ter arranhado o carro do homem ao dar ré em um posto de gasolina. Paula disse que desceu do automóvel, falou com a esposa de Ênio, passou seu contato para arcar com os prejuízos e saiu. De acordo com o motorista, ele tentou ligar para o número da mulher, que supostamente estaria errado. Foi, então, que ele fechou a moça na saída do posto e começou a segui-la. Após quatro minutos de perseguição, quando a mulher parou em um semáforo vermelho, Ênio desceu do veículo, subiu no carro de Paula e quebrou o para-brisa com chutes. De acordo com a vítima, o homem tentou agredir sua mãe, que estava no carro.

“Foi ontem, no posto de gasolina, por conta de um arranhão no carro dele. Ele desceu muito nervoso, xingando, mas passei o meu número para a esposa. Ele me fechou na frente da bomba de combustível, mas eu dei ré e saí do posto. Mesmo assim, ele me seguiu. Tudo aconteceu no sinal vermelho, ele tentou agredir minha mãe, me puxou muito pelo braço, chutou o retrovisor e subiu no meu carro (quebrando o para-brisa)”, relatou Paula.

Um vídeo feito no local mostra o momento em que o homem, alterado, sobe no carro da mulher. Em outra gravação, depois de quebrar o vidro, ele puxa o braço da vítima, sentada no banco do motorista, enquanto a irmã de Paula, no banco de trás do veículo, chora e grita de desespero. A mulher ficou com as mãos machucadas com as agressões de Ênio. A esposa do empresário tentou contê-lo. Até o fechamento desta edição, o motorista não havia retornado os pedidos de posicionamento nem sua defesa fora localizada.

Agressividade ao volante

“Estamos verificando no trânsito níveis elevados de agressividade. Sabemos que agressão e frustração são intimamente relacionadas: a pessoa deseja algo, quando não consegue, reage com irritação, emite desafios verbais, ameaças, dá sinal de dedo, pode agredir fisicamente.

Há pessoas que são mais calmas por natureza, outras têm pavio curto. Ao mesmo tempo, há situações que não merecem nossa atenção, outras, que provocam mesmo uma pessoa calma. Assim, dependendo da situação, do tipo de pessoa, até um encontro e conflito banal podem escalar rapidamente.

Além do mais, o próprio trânsito constitui uma situação estressante, seja por causa do barulho, da densidade, da agitação, do equipamento que não funciona como esperado, do engarrafamento, do preço da gasolina e do calor. O motorista, quiçá está com pressa, teve um conflito em casa ou no trabalho, por exemplo. Assim, basta a faísca de encontrar um outro motorista, igualmente estressado, que pode provocar uma “explosão” verbal, de gesto ou agravo físico, ainda mais a medida em que o carro é uma arma.

Há situações onde, no final, não se sabe como e quem começou: um gritou, o outro reagiu, o primeiro replicou, o outro treplicou, podendo chegar eventualmente a uma gangorra violenta. O que fazer para reduzir a probabilidade disto acontecer? Sem dúvida, há várias coisas que podem e devem ser feitas para evitar tragédias. Educação doméstica: aprender desde pequeno que nem tudo se consegue, na vida, especialmente, não com birra, grito, agressão com os pais, irmãos, colegas. Educação do trânsito: aprender que comportamento tem consequências, quanto mais grave, mais séria as consequências — impreterivelmente.

Educação para a vida: planejar as atividades de tal maneira que não haja necessidade de correr destemperadamente. Tornar o trânsito mais calmo: reduzir a velocidade, incentivar alternativas ao uso do automóvel e moto. Educação para lidar com situação de estresse e possibilitar redução de conflitos para que uma situação desagradável não vire em tragédia. E, finalmente, aprender que a segurança no trânsito depende de todos nós; quanto mais a gente se respeita, melhor o trânsito flui.”

Professor de psicologia da Universidade de Brasília (UnB)

Brigas de trânsito que marcaram o DF

Agosto de 2021: A servidora pública Tatiana Thelecildes Fernandes Machado Matsunaga, 40 anos, saiu de casa para buscar o filho mais cedo na escola, pois o menino de 8 anos não passava bem. Na volta, o veículo dela teria sido “fechado” pelo carro do advogado Paulo Ricardo Moraes Milhomem, 37. Os dois tiveram uma discussão no trânsito e o advogado começou uma perseguição. Após 3km, na frente da casa da servidora, eles se desentenderam novamente. A servidora pública saiu do carro, foi em direção a Paulo Ricardo, mas voltou ao próprio veículo para buscar o celular e gravar a situação. Nesse momento, o advogado a atropelou (foto). O homem foi embora sem prestar socorro a Tatiana. Paulo Ricardo teve o registro da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) suspenso e está preso. A servidora recebeu alta da unidade de terapia intensiva (UTI) de um hospital particular de Brasília depois de um mês internada em estado grave no local. Agora, ela segue o tratamento em um quarto comum.

Outubro de 2020: Motorista de caminhão e condutor de carro são presos depois de uma briga de trânsito na BR-020, próximo a Sobradinho. Os homens, de 28 e de 30 anos, começaram a disputa após uma colisão entre os veículos. O condutor do caminhão pegou uma barra de ferro para atingir o outro motorista, sem sucesso. Ele foi, então, desarmado e atingido com a mesma barra pelo condutor do carro. A Polícia Rodoviária Federal chegou ao local quando o motorista do caminhão havia pegado uma faca de cozinha para ameaçar o outro condutor. Os agentes desarmaram os homens e deram voz de prisão por vias de fato.

Abril de 2019: Motorista de aplicativo, de 22 anos, é morto com três tiros depois de uma briga de trânsito na Avenida Comercial do Itapoã. A condenação, de 20 anos de prisão em regime fechado, foi em maio deste ano. Enquanto a vítima estacionava o veículo, o agressor, que passava pelo local, bateu na lateral do automóvel. Os dois desceram de seus carros e começaram a discutir. Quando o motorista por aplicativo estava de costas para entrar no carro, o assassino disparou três vezes contra ele. A vítima não resistiu aos ferimentos e morreu meia hora depois. Ele estava noivo e se casaria no mês seguinte ao episódio. Depois do crime, o autor fugiu e foi considerado foragido pela polícia. Ele só foi localizado em outubro do ano passado, mais de um ano depois do homicídio, ocasião em que foi preso preventivamente.

Março de 1999: Felipe Augusto é denunciado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) por ter esfaqueado a vítima depois de uma briga no trânsito, na Asa Norte. Mais de 22 anos depois do crime, ele foi condenado por tentativa de homicídio pelo Tribunal do Júri de Brasília, no mês passado.