A transição para a vida adulta pode vir carregada de frustrações e dos mais diversos desafios. Para muitos jovens, a conclusão do ensino médio marca o início de uma fase com novas responsabilidades e autocobranças. “O padrão, na verdade, é muito idealizado. A vida real não é construída na tela do celular, do computador ou da televisão. Quando você sai disso e vai vivê-la, se frustra por não conseguir realizar as coisas”, observa o professor e antropólogo do Centro Universitário de Brasília (UniCeub), Rodrigo Augusto.
Na avaliação dele, os padrões sociais atuais, muito influenciados a partir das interações pelas redes sociais e pela internet, pressionam os jovens a buscarem um futuro de realizações que, na prática, depende de diferentes fatores, como tempo, investimento, além das conjunturas econômica e social do lugar onde vivem. “Por exemplo, hoje, o contexto econômico e político brasileiro está saindo desse processo pandêmico com um nível de desemprego muito grande. Então, você tem uma sociedade deprimida, no sentido econômico, e com extrema polarização política. Um país em total convulsão e desequilíbrio”, pontua.
Uma realidade distante do modelo de felicidade apontado como ideal e que, de acordo com o especialista, gera mais ansiedade entre os jovens. “Olhar para o próprio país e ver que não há projetos e que as condições necessárias para construir algo são escassas, pode afetar a expectativa de futuro e de presente daqueles que ainda estão em busca de um lugar no mundo”, explica.
Vida real
A jovem Laiane Paiva, 23, se reconhece nesses dilemas. O excesso de cobranças e urgência para conquistar metas e objetivos, fez com que ela passasse por um processo de desgaste até se encontrar profissionalmente. “Eu queria sair da escola e ir direto para faculdade, depois arrumar um emprego na área, ter aquela realização do sonho planejado. Mas, quando você sai do ensino médio, tem um verdadeiro choque. Porque é jogado na vida real de uma vez”, avalia. Ao sair da escola, a jovem afirma que precisou conciliar emprego e faculdade, pois ela queria ter a satisfação de bancar a própria faculdade. A rotina era puxada, e ela adicionava à sua sobrecarga cobranças internas e expectativas de pessoas próximas. Com tanta pressão, os problemas de saúde mental não tardaram. Estudos e trabalho não deixavam tempo para que ela estivesse com a família e amigos.
Entretanto, ao observar que antigos colegas de escola seguiam no mesmo frenesi, ela não via os excessos como um sinal de alerta, até que buscou terapia. O acompanhamento foi um grande divisor de águas, um processo de construção diária. “As pessoas pensam que terapia é mágica, só que não é. É um processo que dói, é sofrido e dura anos. Sou muito privilegiada por ter conseguido fazer terapia, ao contrário de muitas pessoas por aí”, reflete.
Sonhos próprios
Por muito tempo, a vida e os sonhos de Ediadany Vieira, 20, eram norteados pela expectativa da família. “Isso de ter que ser suficiente e ter que fazer alguma coisa que não gosta só para colocar dinheiro na mesa é difícil. É muito cansativo tentar ser bom no que, na real, você nem é”, desabafa.
Após passar por muitos caminhos e tentar escrever histórias que não eram compatíveis com suas paixões, Ediá, como é chamada, resolveu assumir as próprias escolhas. Segundo ela, as ancestralidades e muito de sua família ainda a acompanham, mas ela acredita que é preciso gostar verdadeiramente do que se pretende seguir profissionalmente.
A mudança e virada de chave vieram assim que a jovem passou a investir mais em seus talentos. Dançarina, cantora e compositora, ela decidiu buscar caminhos que lhe garantissem realização. “Demasiadas vezes me cobrei muito, aí, minha própria arte vem e me acalma. Diversas vezes escrevi coisas atemporais que, quando li, vi que eram para mim”, relata. Para ela, tudo é uma construção, e, apesar de driblar obstáculos, é uma caminhada contínua e encontrou, nas manifestações artísticas, uma maneira de lidar melhor com a autocobrança.
Processo
Terapeuta familiar e médica hebiatra, Mônica Mulatinho ressalta que a transição enfrentada nessa fase também pode decorrer de processos de maturação que só se concluirão quando o jovem completar 24 anos. “O cérebro amadurece de trás para a frente, a última parte que amadurece é o lóbulo pré-frontal, que os adolescentes têm imaturo e só ficará pronto aos 24 anos”, afirma.
De acordo com a especialista, esse período não concluído pode causar dificuldades relacionadas a aspectos como planejamento, empatia, concentração, antecipação de consequência e controle de impulsos. Essas habilidades são alguns dos pontos fracos dos adolescentes durante o ciclo de maturação. A médica ainda alerta que, além da imaturidade, a puberdade e a mudança do corpo são mais difíceis para alguns adolescentes.
Formado em gestão pública, Gusttavo Almeida, 21, carrega desde pequeno o sonho de integrar a Polícia Civil do Distrito Federal. Entre a difícil rotina de quase cinco horas de estudos, a autocobrança surge como um obstáculo a mais na vida do jovem concurseiro. Desde criança, ele leva em seu coração a ideia de que somente os estudos poderão levá-lo ao lugar que tanto almeja, embora reconheça que no dia a dia, a busca não é fácil.
“As cobranças e as dificuldades aumentam com o passar do tempo, e a solidão acaba fazendo parte da rotina de quem se dedica inteiramente para um sonho, seja ele qual for. No meio da autocobrança, esqueço das pequenas conquistas e das características que tanto admiro, por isso sempre tento me lembrar que sou muito mais que meus erros e defeitos”, diz.
Contudo, ele reconhece que precisa enfrentar seus receios sobre o futuro enquanto não consegue a sonhada aprovação. Para seguir motivado, ele sonha em ajudar sua família e se considera um vencedor. Para ele, não deixa de ser uma vitória perseverar. “Quando vejo meu desempenho aumentar a cada dia que passa, tenho certeza que com dedicação e disciplina podemos chegar em qualquer lugar. Antes, eu queria apenas um cargo de agente na PCDF, acabei ficando de fora desse concurso, mas o maior aprendizado que tive foi saber que sou capaz. Agora que eu sei aonde posso chegar, minha meta é ser delegado”, finaliza.
Identidade
A busca por autoafirmação e para o sentido da vida, além das incertezas causadas ao se depararem com o mundo adulto, são questões clássicas feitas pelos jovens. O psicólogo Emerson Almeida alerta que, neste período, onde a parte cognitiva e psicossocial está em desenvolvimento, essas reflexões existenciais aparecem para muitos como se fosse um ‘soco’, mas pode ser normal dependendo do nível das cobranças.
“Uma autocobrança excessiva pode gerar inseguranças, ansiedade, solidão, depressão e, em casos mais graves, sintomas psicóticos”, destaca. O enfrentamento não saudável, para essas pautas relacionadas aos jovens e seu crescimento, pode ser enfrentado com procura especializada na área psicológica. A ajuda profissional é de extrema necessidade, caso os sintomas se agravem e os quadros evoluam sem acompanhamento.
*Estagiário sob a supervisão de Juliana Oliveira