Desde a formação até a consolidação como capital do país, o Distrito Federal sofre com problemas relacionados à grilagem e ao loteamento irregular. Apesar das iniciativas para coibir o problema, ele persiste e provoca danos, principalmente em regiões de conservação ambiental. Nessa quarta-feira (13/10), a Polícia Civil deu início a investigação para apurar supostas derrubadas ilegais na Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie) Granja do Ipê, no Riacho Fundo 2, perto da nascente do Córrego Capão Preto.
Até o início deste mês, a Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal (DF Legal) promoveu 466 operações de vistoria e desocupação de lotes irregulares. A maioria daquelas de fiscalização ocorreu em Brasília (47), seguida por Vicente Pires (45) e pelo Riacho Fundo 2 (35). Em relação à desobstrução, as regiões com mais áreas esvaziadas — em metros quadrados — são: Vicente Pires, Lago Norte e Gama.
O monitoramento das áreas verdes fica a cargo do Instituto Brasília Ambiental (Ibram), que, de janeiro até segunda-feira (11/10), promoveu 587 operações relacionadas à ocupação e ao uso do solo, bem como de recursos da flora do DF. Ao Correio, o governador Ibaneis Rocha (MDB) destacou que, no sábado (9/10), lançou um projeto voltado ao combate à grilagem. O programa Regulariza-DF prevê a legalização de 150 mil terrenos e a entrega de 25 mil unidades habitacionais até o fim de 2022.
“Estamos iniciando um programa para regularizar e conceder escrituras definitivas de 150 mil lotes, entre áreas urbanas e rurais. Também começamos um programa para ampliação das áreas habitáveis — com espaços para todos os tipos de renda — que prevê a construção de 100 mil unidades habitacionais em cinco anos. Não vamos mais admitir parcelamentos irregulares no DF”, destacou o titular do Palácio do Buriti.
Riqueza
Após uma denúncia de terraplanagem realizada na sexta-feira (8/10) na Arie da Granja do Ipê, a reportagem ouviu integrantes do Movimento Diálogos, que atua há quase 10 anos na região. O grupo promove atividades culturais e de conscientização com a comunidade local, como forma de alertar para a necessidade de preservação da área.
Além da fauna e da flora do espaço, há nascentes que deságuam no Córrego Riacho Fundo e, posteriormente, chegam ao Lago Paranoá, segundo o coletivo. “Desenvolvemos trabalhos com escolas para valorizar as águas do Cerrado e a conservação ambiental. Há todo um esforço para a educação das crianças. E a população é mobilizada para conservar e proteger a unidade (de preservação)”, ressaltaram.
A região abriga, ainda, um sítio arqueológico, com cerca de 4 mil anos de formação que teria sido visitado por povos nômades da etnia Uru. A Arie também abriga a Mesa JK, local em que o ex-presidente Juscelino Kubitschek promovia reuniões políticas e eventos de descontração.
O local passou por perícia policial, e a Superintendência de Fiscalização, Auditoria e Monitoramento (Sufam) do Ibram informou que uma equipe esteve no local, no domingo (10/10). “De posse das análises, a Sufam procederá à responsabilização administrativa por quaisquer infrações ambientais. Assim como à abertura de processo, a ser encaminhada à polícia judiciária para fins de investigação de possível crime”, comunicou o instituto, em nota.
Desafios
Professor de direito penal e processo penal da Universidade Católica de Brasília, Águimon Rocha explica que o parcelamento de terras públicas é um crime contra a administração pública. “A lei prevê que o parcelamento irregular do solo pode ter uma pena que varia de 1 a 4 anos, e se a intenção do agente for a venda, a norma coloca como um tipo penal qualificado e a pena aumenta para até 5 anos. Contudo, o que faz com que esse problema persista é a questão social, vinculada à pobreza. Há pessoas que na busca incessante por habitação, quando encontram uma forma de moradia mais barata e que possibilita parcelamento, por exemplo, acaba entrando para essa situação”, destaca.
Águimon avalia que falta mais fiscalização e estrutura para a Delegacia de Meio Ambiente. “A Dema possui profissionais qualificados, mas falta a administração pública permitir as condições e estrutura para uma fiscalização mais acentuada. O DF é muito grande e possui inúmeros parcelamentos irregulares, por isso, com a equipe que possuem, não conseguem fiscalizar todas as regiões. Seria necessário uma ampliação dos agentes que atuam na fiscalização”, pontua.
O professor alerta que o crime de grilagem está muitas vezes vinculado a outros delitos. “A grilagem não vem sozinha, ela vem com outros crimes, como corrupção, crime de falsificação, tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. É o que chamamos de macro delinquência. E vale lembrar que geralmente esse crime termina em lesão corporal ou homicídio, ou seja, se a administração pública não atua, essa situação acaba tendo esse fim”, analisa.
Secretário-geral da Comissão de Direito Urbanístico e Regularização Fundiária da Ordem de Advogados do DF (OAB-DF), Fernando Luiz Carvalho Dantas, ressalta que o problema não é enfrentado apenas pela capital do país. “A grilagem é um fenômeno que acontece em todas as capitais brasileiras e em todas as grandes cidades. É uma consequência da dificuldade da administração de ofertar moradia para a população. E existe uma cultura de parcelamento irregular do solo no DF, que está no DNA da capital”, declara.
Fernando frisa que a ocupação não planejada traz consequências para o equilíbrio urbano da infraestrutura e na ocupação dos serviços públicos. “É um crime que tem uma pena baixa, o que é um estímulo para que os grileiros continuem atuando. O MPDFT (Ministério Público do DF e Território) adaptou a estratégia de combate a isso imputando aos criminosos o crime de associação criminosa, o que faz com que as penas sejam aumentadas. Mas hoje já existem iniciativas da OAB Nacional para aumentar a pena máxima e assim conseguir desestimular esse crime”, finaliza.
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Grilagem
O termo surgiu de uma prática utilizada pelos grileiros para dar aspecto de envelhecimento falso aos documentos, inserindo-os em uma caixa com grilos, que os deixava amarelados e com buracos.
Prevenção
A orientação da Secretaria de Estado e Segurança de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) é conferir, antes da compra do lote, se a área é regularizada ou está em processo de regularização. A verificação pode ser feita pelo portal da pasta (http://www.portaldaregularizacao.seduh.df.gov.br). As informações do portal são atualizadas sobre todas as áreas passíveis de regularização ou em alguma etapa do processo.
Passo a passo:
- Selecione o ícone Regularização e escolha a região administrativa em que deseja buscar informações;
- Escolha o parcelamento ou ocupação desejada;
- Após a seleção, as informações do processo de regularização da ocupação serão exibidas.
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