O mistério das plantas
Se a chuva ainda não veio, a culpa não é das cigarras, logo cedo ouço o canto rascante, metálico e contundente delas, como se fosse uma orquestra de música concreta, orquestra heavy metal dos sertões. Os jardins estão clamando por chuva a essa altura da estação desértica.
Com a pandemia, para manter a sanidade, muitas pessoas passaram a cultivar e a cuidar ainda mais das plantas. O contato com elas ensina, entretém e dá prazer. Elas são seres singulares, suscetíveis, sensíveis e caprichosos da mesma maneira que nós, os supostos humanos.
Se você coloca uma planta no sol quando gosta de sombra, ela logo emite um sinal de desagrado. De outra parte, quando aprecia o sol e é instalada no lugar adequado, ela viceja com toda felicidade. Cuidar das plantas é um aprendizado de vida completo, com as frustrações, os desafios, a fugacidade e as alegrias. Nos coloca em conexão direta com o mistério da vida.
As plantas têm mil e uma utilidades, influem secretamente em nossas vidas, intensificam o amor (quando ele existe) e curam as desilusões amorosas. Fomos até um viveiro cuidado por uma vendedora falante pelos cotovelos. Contou que um senhor havia se separado da mulher e passou a comprar muitas plantas. Adquiriu uma infinidade de mudas. Em seguida, voltou com fotos de uma verdadeira alameda de azáleas em esplendor. Curou a desilusão amorosa com as flores.
Mas se você ama e partilha o gosto das plantas, elas também amplificam a suprema felicidade de estar perto de quem a gente gosta. Sou de preferências fortes. As minhas plantas prediletas são a Onze Horas e a Caliandra. Considero a Onze Horas um pequeno milagre de delicadeza.
Quando não está exposta à luz solar, ela se fecha com recato feminino, mas, no sol a pino, esplende com um fulgor extraordinário, que transmite alegria. Se fico meio desalentado com os desmandos da pandemia, vou até o quintal contemplar os dois vasos de Onze Horas e me extasiar.
Durante a adolescência, caminhei muito pelo cerrado. E, de repente, eu me deparava com aquela flor estranha, solitária e altiva no meio do descampado, misturada à vegetação agreste. Ela fulgura com tamanha intensidade que transmite a impressão de ser uma flor-de-fogo.
Na minha insciência, eu achava que era uma planta selvagem, que não se adaptava aos jardins. Mas ela se aclimata plenamente aos ambientes domésticos. Plantamos uma caliandra vermelha e outra rosa no quintal. De vez em quando, observo os sinais de brotos repontando na caliandra rosa. E, ao acordar, levo um susto de beleza ao olhar pela porta de vidro, com as flores súbitas, pontiagudas e brilhantes, que se acendem nos galhos. Sempre lembro do poema de Rimbaud: “A estrela chorou rosa”.
Perguntei a uma amiga minha, moradora do Lago Sul, o que ela mais gostava no seu território e ela respondeu: “Os jardins, todos querem fazer um mais bonito do que o outro”. Mas, na verdade, quem gosta de plantas sempre encontra um espaço para cultivá-las. No Plano Piloto, vejo sacadas de kits derramadas de flores.
Fui até a casa do jardineiro que cuida do quintal uma vez por mês. Estava toda florida. É uma insanidade deste governo destruir as nossas matas. Que mundo legaremos a nossos filhos e nossos netos. Como bem disse Burle Marx: “Todas as plantas fazem parte de uma organização que os religiosos chamam de Deus”.