A fim de evitar a disseminação da covid-19 na capital do país e cuidar da população que vive em situação de rua no Distrito Federal, a Secretaria de Saúde, desde junho, ampliou a vacinação. De acordo com a pasta, 2.967 habitantes do DF que estão em situação de rua e de vulnerabilidade — na Secretaria de Desenvolvimento Social, há 2,2 mil pessoas sem moradia cadastradas — foram imunizados, a maioria com a dose única da Janssen. O Correio percorreu as vias de Brasília e conversou com esse grupo, que conta que, apesar da campanha dos órgãos de saúde, há dificuldade de atendimento, no caso de infecções, e falta testagem. Especialista alerta que, apesar de vacinadas, as pessoas podem contrair o vírus e se tornarem vetores da doença, mesmo que a carga viral seja mais baixa.
Vivendo na rua desde pequeno, Wanderson Carlos, 30 anos, foi vacinado contra o novo coronavírus. Mas, onde tem dormido ultimamente, nas proximidades da Quadra 903 Sul, ele afirma que não observa nenhum outro tipo de ação para prevenir a disseminação da doença nessa parcela da sociedade. “Nunca vi nada disso. Recebemos máscaras só quando vamos entrar em algum centro de atendimento, mas a distribuição nas ruas não há”, lamenta. “Acho que nunca peguei covid-19, mas não testam a gente, muitas vezes não temos como saber”, completa.
Também pela Asa Sul, Maicon Moreira, 30, sentiu a dificuldade de conseguir um diagnóstico da covid-19. “Ano passado, eu comecei a sentir sintomas. Como estávamos no auge e ainda não tinha vacina, fui atrás de fazer um teste. Primeiro, fui em uma unidade básica de saúde (UBS), e me mandaram para outra. Fiquei sendo jogado de um lado para o outro”, descreve. Cansado, o rapaz juntou o dinheiro que tinha guardado e pagou um teste em uma clínica particular. “Foram R$ 140. Era tudo que eu tinha conseguido guardar na época”, lembra. Ele tomou a primeira dose dos imunizantes.
O teste de Maicon deu negativo. “Graças a Deus. Conheço outros quatro meninos que testaram positivo, e precisamos brigar para que eles fossem atendidos e tratados. Hoje, estão curados”, diz, aliviado. Ele ressalta que sente falta de remédios para tratamento de outras doenças. “É difícil conseguir tratamento para dores e coisas simples. Além disso, os albergues e alguns banheiros comunitários têm péssimas condições de higiene”, protesta.
Subnotificações
A Secretaria de Saúde informou, por meio de nota, que a vacinação das pessoas em situação de rua e das populações vulneráveis é feito por meio de equipes volantes e de saúde familiar. O defensor público do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do DF, Ronan Figueiredo afirma que a medida é válida, mas que há muitos problemas a serem resolvidos. “A população em situação de rua vive de forma crítica, e a pandemia piorou essa realidade. As nossas políticas públicas ainda não são eficientes”, defende. O advogado crê que há subnotificação nos levantamentos oficiais. “O GDF tem os dados de quem passou pela abordagem social, mas, com certeza, esse número não condiz com a realidade. E as políticas públicas são baseadas nos dados que temos”, pondera.
A falta de ações para além da vacinação é percebida por Mariana Camargo, 27. Ela dorme em uma barraca próxima à Biblioteca Nacional, no centro de Brasília. Apesar de vacinada, Mariana comenta que não vê abordagens de conscientização sobre cuidados e uso de máscaras. “Nunca vi nada parecido, pelo menos por aqui”, diz. Ao lado da cachorra Cristal, ela conta que não costuma passar muito tempo em um lugar e se cuida como pode. “Aqui, no DF, as pessoas ajudam bastante em relação à doações de materiais e comida, mas não tem nada voltado para o combate à pandemia”, observa.
Coordenadora do Movimento Nacional População de Rua (MNPR), Mairla Feitosa ressalta que a vacinação desse grupo é uma vitória, mas que ainda há necessidades a serem atendidas até alcançarmos a segurança sanitária de quem não tem uma moradia. “Difícil listar, falta tanta coisa”, diz. Ela considera que, apesar de o DF parecer ter uma boa cobertura vacinal dessa população, é necessário testagem e demais cuidados, como oferecer máscaras e acesso a medicamentos.
A Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) informou que todas os centros públicos de assistência social do DF, como todas as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) parcerias da pasta, realizam anualmente, pelo menos, quatro ações de dedetização e sanitização em suas instalações. Já nas unidades de acolhimento, esse serviço é feito a cada dois meses ou sempre que necessário, em casos emergenciais. “Destacamos também que sempre que é identificado foco de percevejos, itens como colchões e roupas de camas são descartados”, afirmou, em nota.
Busca ativa
Durante coletiva realizada na quarta-feira, o secretário de Vigilância à Saúde, Divino Valero, afirmou que a Secretaria de Saúde não tem um recorte específico sobre casos e mortes por covid-19 de pessoas em situação de rua. No entanto, ele ressaltou que a pasta segue atenta às necessidades desse público. “Fazemos testes para detecção do novo coronavírus todas as vezes que identificamos uma característica ou um sintoma de covid-19 e quando somos procurados para isso”, explicou. “É difícil encontrar esses indivíduos, uma vez que eles não têm um endereço definido, mas continuamos atentos à observação e vigilância para os casos”, completou Divino.
Em nota oficial, a Secretaria de Saúde detalha que os testes podem ser realizados nas UBSs, a pasta faz, ainda, uma busca ativa. “As equipes de consultório na rua, que são uma tipo de equipe de saúde da família, também podem fazer, quando avaliam ser necessária essa testagem”, destaca o texto.