Dos cerca de 3 milhões de habitantes do Distrito Federal, 138.356 possuem alguma deficiência, o número corresponde a 5,38% da população da capital federal. Pessoas que, além dos desafios impostos por suas limitações, lidam com as restrições impostas pelo mercado de trabalho para garantirem um emprego. Um estudo recente da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) — A Empregabilidade e pessoa com deficiência — aponta que apenas 2% dos brasilienses que estão inseridos no trabalho formal são pessoas com deficiência (PCD). Realidade coerente considerando que 95,8% das empresas do DF não cumprem a determinação legal de manter em seus quadros de funcionários de 2% a 5% de vagas para a inclusão desses trabalhadores, conforme revelou o mesmo estudo da companhia. Para especialistas, a falta de chances é causada pelo binômio que abrange a falta de qualificação dos candidatos e o despreparo dos recrutadores e empresas.
José de Araújo Oliveira, 45 anos, é um exemplo dessa equação desfavorável. Pintor há mais de 20 anos, Zé, como é chamado pelos amigos, recebeu uma descarga elétrica por meio de um corrimão de ferro, que acidentalmente tocou em cabos de energia, e precisou amputar os dois braços. A tragédia, ocorrida em 16 de julho, rendeu 12 dias em coma, cirurgias e um mês de internação. A volta para casa representa uma nova vida, como deficiente físico, em que José não pode atuar com a profissão que sempre exerceu. Agora, ele se preocupa com o futuro e não sabe como poderá se manter.
“Por enquanto, não pensei em um novo trabalho, mas quero me virar sozinho e arrumar alguma coisa para fazer. Tenho clientes fiéis, posso tentar administrar algo relacionado ao que eu fazia”, cogita. Ele afirma estar disposto a encarar os novos desafios e a família fez adaptações na casa para atender às suas necessidades. O telefone, agora, é utilizado com uma caneta na boca, a irmã providenciou o dispositivo. O cunhado, que entende de marcenaria, fez uma mesa sob medida com rodinhas para que Zé possa movê-la com os pés e usá-la para apoio. “Ainda estou inseguro. Fico com medo de cair pois os braços que dão equilíbrio para o corpo”, reflete Zé, que sonha em conseguir próteses para ter mais autonomia, mobilidade e independência, e, assim, quem sabe, voltar para a profissão de pintor.
Muito esforço
O estudo da Codeplan, realizado com base em dados de 2018, também aponta que pessoas com deficiência (PCD) possuem 33% menos chances de serem empregadas do que as sem deficiência. Segundo a gerente de pesquisa da diretoria de estudos e políticas sociais da companhia, Tatiana Lemos, a maior barreira é o preconceito. “Conversamos com empregadores e percebemos que, a maioria dos que não cumprem a cota prevista em lei, acreditam que é trabalhoso ter um PCD na equipe. Acham que será preciso fazer muitas alterações ou não têm paciência para isso”, diz. Ela espera que, com a pesquisa, as empresas vejam que há muita gente capacitada e que é necessário dar chances a elas. “Ano que vem esperamos atualizar esses dados. As empresas, na verdade, não conhecem o potencial que os PCDs têm”, completa.
Daniela Rosaes, 41, já percebeu a falta de disposição das empresas em integrarem PCDs. Desempregada desde 2013, ela nasceu com hidrocefalia e espinha bífida, o que faz com que precise de muletas ou cadeira de rodas para locomoção. De 2008 a 2013, ela chegou a trabalhar como servidora terceirizada no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. Porém, com a troca de governos, ela foi demitida. “Desde então, cheguei a ter outros empregos, mas sempre era demitida, não me firmavam nas empresas”, diz.
Formada em secretariado executivo, atualmente ela atua como atendente em eventos, de maneira freelancer. “Como não tivemos nenhum evento nos últimos anos, por causa da pandemia, não trabalhei”, comenta a moradora da Asa Sul. Ela considera que faltam oportunidades e adequação para a população com deficiência se inserir no mercado de trabalho. “Cada caso é um caso, mas falta empatia. Não tem acessibilidade para nós, e muitas pessoas no mercado profissional não têm paciência”, lamenta. As dificuldades e frustrações fizerem com que familiares pedissem para que ela não trabalhasse, proposta que Daniela recusou. “Não entendiam que eu sou e posso ser independente. Foi difícil para eles, mas nós nos entendemos”, relata.
A dificuldade de permanência no mercado também foi sentida por Érika Ferreira, 30, nascida com o pé torto congênito. Ela constatou em suas experiências profissionais que é difícil encontrar oportunidades que possibilitem pensar em um plano de carreira ou futuro a médio ou longo prazo. “Quando é para cortar gastos, somos os primeiros a ir. No início do ano, recebi uma proposta de emprego, disseram que eu receberia treinamento e que estavam superinteressados no meu perfil. Três meses depois, me demitiram porque precisavam cortar os gastos. Na Justiça, alegaram que a demissão foi motivada porque eu era incompetente”, conta indignada.
Mudança necessária
Para a Secretaria da Pessoa com Deficiência (SEPD) a existência da previsão de “vaga PCD” nas empresas não é suficiente, é necessário que os contrantes ofereçam mecanismos de permanência. “Esse posto de trabalho deve oferecer acessibilidade e condições para que o trabalhador possa desempenhar suas funções da melhor forma possível, em um ambiente que ofereça a verdadeira inclusão principalmente atitudinal”, diz a pasta por meio de nota.
A secretaria afirma que atua para propiciar uma inclusão no mercado de trabalho. “Temos a nossa Diretoria de Emprego e Renda, que funciona na 112 Sul diariamente. Ela é responsável por captar, junto às empresas, vagas específicas para a pessoa com deficiência”. O GDF desenvolve parcerias com outros entes, com o Ministério Público do Trabalho (MPT), que vai auxiliar no cumprimento da chamada “Lei de Cotas” e com o Instituto Federal de Brasília (IFB), para a qualificação de pessoas com deficiência.
O que diz a Lei?
Norma federal
A fim de reduzir as barreiras de acesso a postos de trabalho, no Brasil foi instituída a Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991. A lei de cotas, como ficou conhecida, estabelece que empresas com mais de 100 funcionários devem ter entre 2% e 5% de pessoas com deficiência contratadas em condições iguais aos demais, como forma de oportunizar o acesso ao mercado de trabalho para essa parte da população.