Crônica da Cidade

Celebração brasiliana

A mineira Lucília Garcez, que nos deixou no início da semana passada, escreveu mais de 20 livros dirigidos ao público infantojuvenil, a maioria deles em parceria com o artista gráfico pernambucano Jô Oliveira. O meu preferido é o dedicado a Ariano Suassuna. Esse encontro de uma mineira com um pernambucano para celebrar um paraibano é muito característico de Brasília. Mais Brasília, mais Brasil. Em homenagem a Lucília, republico, a seguir, crônica escrita em 2019.


“Ariano Suassuna era um personagem em busca de um autor ou de autores que o apresentassem às crianças. Não é mais. Encontrou a escritora Lucília Garcez e o ilustrador Jô Oliveira, uma mineira e um pernambucano que se rebrasileirizaram em Brasília. Eles escreveram uma encantadora biografia de Ariano para as crianças (Editora Imeph), mas, que, como toda obra de qualidade, pode ser lida por pessoas de qualquer idade.


A narrativa de Lucília e Jô evolui como um cortejo de maracatu, numa sintonia perfeita entre palavra e imagem. Nos joga, de maneira sensorial, no mundo de Ariano, com sensibilidade e delicadeza: o cotidiano em Taperoá, cidadezinha do sertão da Paraíba; as feiras, as festas populares, os teatrinhos, as cantorias, a chegada do circo. Na precariedade, era possível garimpar um universo cultural riquíssimo. Ariano puxou o fio da tradição medieval transplantada para o nordeste brasileiro.
Como bem diz Flávia Suassuna na apresentação, a biografia revela não apenas os elementos que fizeram Ariano ser Ariano, mas, também, as formas, os sons e as cores. É, ao mesmo tempo, uma biografia e uma fábula. Ele parece um personagem saído diretamente de um folheto de cordel para a realidade.


Quando era garoto, quis fugir com o circo e só não conseguiu porque levou uma tremenda bronca da mãe. Ficou a frustração de ser palhaço, mas, na fase final da vida, Ariano realizou a vocação plenamente com as suas aulas-espetáculos, em que mistura a erudição de professor de estética com a verve popular de João Grilo paraibano. Ao arrancar o riso das plateias ele ficava com o brilho nos olhos de menino encantado, comemorava cada gargalhada como se fosse um gol.


Antonio Candido disse que os grandes homens desapareceram, pois eles dependem das utopias. E Ariano é dessa linhagem, é um Quixote paraibano de múltiplos talentos, mas, antes de tudo, poeta. O Quixote é um herói moral, tem um ideal tão alto que as derrotas não o desmerecem; as derrotas o engrandecem.


A biografia escrita por Lucília e ilustrada por Jô nos revela que a história de Ariano se entrelaça de maneira indivisível com a história brasileira e com a história da cultura popular nordestina. Ele é um personagem épico. E, neste momento, nós estamos precisando, dramaticamente, de brasileiros que nos engrandeçam.


Imagino que, onde estiver, ao folhear o precioso livro magro de Lucília e Jô, Ariano deve estar chorando as lágrimas de esguicho de que fala Nelson Rodrigues, lágrimas da mais pura alegria.”