Mobilidade urbana

A rotina difícil dos usuários de ônibus

Com o aumento do preço da gasolina, quem circula por Brasília passou a depender mais do transporte público. Porém as condições de veículos e atendimento são alvo de reclamações

Desde o início de 2021, o preço médio da gasolina no Distrito Federal subiu R$1,39 e, hoje, está em R$ 6,39. Com os combustíveis nas alturas e a crise provocada pela pandemia, a população passou a depender ainda mais do transporte público. Porém o serviço não é dos melhores, de acordo com os usuários. A maioria das reclamações se refere à lotação dos ônibus e a demora para o coletivo passar. Quem mora em municípios goianos que fazem divisa com a capital enfrenta problemas maiores com ônibus sucateados. Segundo levantamento feito pela Companhia de Planejamento do DF (Codeplan), das 425 linhas que operam entre regiões do Entorno e Brasília, 342 estão sob regime de autorização especial, que permite a circulação de veículos mais antigos, com até 10 anos de circulação. Enquanto no DF é de sete anos.

Para a vigilante Edna Maria Bezerra, 48 anos, o trajeto de mais de 50km entre Águas Lindas e o Plano Piloto compensa mais no transporte público. “Não estava dando conta de manter (o deslocamento até o trabalho) com o valor que está a gasolina”, destaca Edna, que há quatro meses utiliza o ônibus para se locomover. Mas reclama que o sistema precisa melhorar. “Os ônibus estão muito cheios, teria que colocar mais veículos nas linhas”, cobra.

Um desafio para o governo do DF, que, desde 8 de julho, administra as linhas do transporte rodoviário interestadual semiurbano entre as cidades do Entorno e o Distrito Federal. O termo de cooperação firmado pela Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem vigência de 15 anos. A pasta ficou responsável por administrar 396 linhas de sete operadoras que atendem 11 cidades de Goiás.

Durante a apresentação do estudo do Codeplan, na última quarta-feira, o secretário de Transporte e Mobilidade, Valter Casimiro, destacou que há estudos para implementar melhorias no sistema de transporte interestadual semiurbano, como bilhetagem eletrônica e integração entre as linhas do DF e cidades goianas próximas à capital. Casimiro informou que está avaliando a instalação de sistemas de monitoramento via GPS e câmeras de segurança nas linhas do Entorno, para poder aumentar a segurança. Também pretende estabelecer um prazo máximo de validade para os ônibus em circulação.

Economia
O secretário parlamentar Alexandre Monteiro, 42, conta que só utiliza o carro para sair aos fins de semana. No dia a dia, ele tem optado por utilizar o sistema de transporte público como o metrô e ônibus. Morador de Ceilândia, Alexandre comenta que o metrô é uma opção de deslocamento, pois é mais rápido, não enfrenta trânsito e ainda economiza o que gastaria com combustível. “Não está compensando andar de carro ultimamente”, diz Alexandre.

Mas a publicitária Graziele Ferreira Pinheiro, 36, não enxerga pontos positivos no transporte público do DF. “Ando de ônibus e metrô a minha vida inteira, e os problemas sempre são os mesmos. A superlotação e a falta de segurança, tanto em questão de assaltos e assédio, como até da forma que o motorista dirige”, acrescenta. De acordo com ela, nos horários de 6h40 e 7h, é impossível pegar ônibus em Ceilândia. “Vem muito cheio e, muitas vezes, o motorista não para no ponto. Deveriam aumentar a quantidade da frota em circulação, ter mais horários”, relata.

A lotação também causa desconforto quando se fala de pandemia, contaminação. Michel Dutra, 31, passa cerca de quatro horas dentro de ônibus todo dia para ir e vir ao trabalho. Morador de Samambaia Norte, ele trabalha no Lago Norte. “Eu me cuido, mas não me sinto 100% seguro. Os ônibus são lotados e demoram muito para passar”, diz. Rose Marinho, 40, também reclama da demora. “Passo 45 minutos em pé esperando, dependendo do horário”, afirma a secretária que trabalha na Asa Sul e mora no Núcleo Bandeirante.

Ações
A Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) afirma que, além de manter 100% da frota operando, adotou medidas para evitar a propagação da doença. “Uma das ações foi a determinação para que as operadoras façam a higienização dos veículos do Sistema de Transporte Público Coletivo do DF”, diz a pasta em nota. Segundo a secretaria, a higienização é feita a cada intervalo entre as viagens com uso de desinfetante de hipoclorito de sódio — cloro ativo, nas partes internas dos ônibus, corrimãos, barras de apoio de sustentação, roletas e apoios de porta. Durante as viagens, as janelas dos ônibus devem permanecer abertas. Os veículos são lavados quando retornam à garagem.

Outra determinação da Semob é que as operadoras forneçam álcool em gel e cobrem o uso da máscara nos ônibus. Os motoristas e cobradores devem usar o equipamento de proteção individual e somente permitir o embarque do passageiro que estiver usando a máscara. Caso o passageiro descumpra a regra, ou retire o equipamento durante o percurso, o motorista pode interromper a viagem e solicitar apoio policial. Os auditores da pasta realizam vistorias diárias para garantir o cumprimento das normas. Em relação à ampliação da frota, a Semob diz que estuda a possibilidade.

Minervino Júnior/CB/D.A Press - A aglomeração em plena pandemia é outro problema
Minervino Júnior/CB/D.A Press - Michel Dutra: "Os ônibus são lotados e demoram muito para passar"
Minervino Júnior/CB/D.A Press - Rose Marinho: "Passo 45 minutos em pé esperando, dependendo do horário"

Radiografia do setor

De acordo com levantamento feito pela Companhia de Planejamento (Codeplan), das 473 linhas de ônibus semiurbanos interestaduais autorizados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a circularem no país, 425 operam na chamada Área Metropolitana de Brasília (AMB) — composta por 12 municípios. Ou seja, 89,8% da frota de coletivos que fazem o itinerário em regiões urbanas e que ultrapassam perímetros estaduais circulam no Distrito Federal.

A Codeplan analisou, ainda, o comportamento de quem usa o transporte público interestadual. Segundo o estudo, 36,1% da população dos municípios do Entorno se deslocam para o DF para trabalhar, tendo o Plano Piloto como principal destino. E cerca de 25% da população de cidades vizinhas vêm ao DF para estudar. O horário de maior fluxo de pessoas rumo à capital federal é das 4h às 7h. Já os períodos de retorno com mais passageiros ocorrem das 14h05 às 17h e das 17h02 às 20h.

Palavra de especialista

Como solucionar?

“Primeiro, é importante que tenha um estudo. As operadoras e o GDF precisam saber qual o tamanho da demanda de passageiros, em cada horário e, assim, disponibilizar número de veículos suficientes para atender a demanda. Isso é o básico. Operar com 100% da frota o tempo todo não é necessário. Brasília, por exemplo, tem quatro realidades: a do Plano Piloto, a das regiões administrativas e a da região metropolitana. Cada uma é diferente, e todas devem ser consideradas na hora de se estabelecer um plano de mobilidade urbana.

Além disso, é importante ter uma integração. Sem isso, as pessoas ficam reféns de uma modalidade que fica sobrecarregada. Os usuários podem ter acesso à tecnologia já existente de saber qual o horário de cada ônibus e se programar. É importante integrar isso na realidade do dia a dia. Transporte público coletivo é para o cidadão não importa o perfil dele.”

Adriana Modesto, doutora em transportes

Denúncias

Caso o passageiro identifique alguma irregularidade na viagem, ele pode registrar a manifestação na Ouvidoria pelo telefone 162 ou pelo site www.ouvidoria.df.gov.br/. A equipe de fiscalização da Semob será acionada para apuração do ocorrido. Ouvidoria-Geral do Distrito Federal — www.ouvidoria.df.gov.br.