Uma investigação complexa da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) que durou 16 meses resultou na prisão do homem apontado como o maior traficante de cocaína da capital, Wesley do Espírito Santo, vulto Macarrão, de 42 anos. Além disso, rendeu também a desarticulação de uma quadrilha especializada em abastecer o DF com uma das drogas mais caras, a escama de peixe, variedade mais valiosa e refinada, em 2013. O Correio revelou, com exclusividade, como funcionava o esquema criminoso comandado pelo traficante, condenado à pena mais alta da história de Brasília e executado enquanto trabalhava, em Taguatinga. Na reportagem deste domingo (31/10), a reportagem detalha a atuação de cada um dos envolvidos.
Por mais de um ano, Wesley e a “equipe” articularam e prepararam o plano de como trariam as drogas para o DF em um caminhão que vinha de Ponta Porã (MS). No meio tempo, desde 2012, Macarrão trocou constantemente de número telefônico, na tentativa de despistar a polícia. Em alguns casos, Wesley utilizou determinados números por alguns meses, depois passava a usar outro e, mais à frente, voltava com o chip antigo, segundo consta nos autos do processo.
Para cada assunto a ser tratado, o traficante tinha o costume de ter linhas específicas cadastrado em nomes de pessoas diferentes. Investigações da Coordenação de Repressão às Drogas (Cord) revelaram que, para falar com os familiares, o criminoso tinha um ou dois números. Com os comparsas de Brasília, usava outra linha, assim como trocava de número para falar com os fornecedores de drogas de Ponta Porã, bem como os recebedores e para aqueles que forneciam os contatos dos compradores.
Antes de ser preso na operação da Cord, em 2013, Wesley viajou várias vezes à Ponta Porã para negociar a venda de drogas com fornecedores. Tudo era feito previamente planejado e ele retornava para Brasília tranquilamente, sem trazer qualquer ilícito. Segundo as investigações, depois que Macarrão desembarcava no DF, as drogas eram enviadas escondidas em fundos falsos de caminhões. Como detalha a investigação da PCDF, geralmente nas madrugadas, quando o veículo chegava com a carga, Wesley e os comparsas iam de encontro ao motorista, retiravam as drogas, as guardavam em um carro e partiam em comboio. “Wesley sempre à frente escoltando o grupo, até chegar no local do armazenamento”, detalhou a apuração policial.
Integração da quadrilha
Por duas vezes, antes de ser denunciado, Wesley conseguiu trazer cargas de drogas para abastecer o DF. A rota utilizada, os horários, pontos de encontro, telefones, carros e locais de esconderijo do entorpecentes foram os empecilhos para a polícia identificar a estratégia adotada pelo grupo.
Na denúncia, em 2012, recheada de detalhes, o declarante alegou que Wesley usava dois carros para distribuir os entorpecentes, um Hyundai e um Nissan, e fazia a entrega nas segundas e sextas-feiras na casa de uma mulher, conhecida como “Ana do pó”. O traficante tomou conhecimento da denúncia e decidiu ser mais “cauteloso”.
Em uma das ligações interceptadas pela PCDF, Wesley diz a uma conhecida que tem ficado mais em casa e evitado “rodar” na QR 311. Para não ser visto na quadra, ele pede que um comparsa vá buscá-lo na quadra ao lado. Apesar disso, o criminoso não se intimidou e deu continuidade aos negócios. Chegou, inclusive, a receber um depósito de R$ 140 mil.
As negociações para trazer o caminhão com cocaína de Ponta Porã (MS) ao DF começaram em março de 2012, e duraram até junho de 2013, data da prisão dos envolvidos. Wesley viajou para Ponta Porã para dar início às articulações com Marcelo Barrionuevo, morador do Mato Grosso do Sul. Os dois trocaram mensagens sobre a contratação de um motorista que ficaria responsável por dirigir o caminhão carregado de drogas. Wesley ordenou que o condutor não tivesse passagens criminais e nem problemas com a carteira de habilitação. Uma forma de despistar a polícia. Na troca de mensagens, em 29 de janeiro de 2013, Marcelo pergunta: “Quanto vai pagar o menino?''. Wesley responde: “Vinte e cinco por viagem”, referindo-se a R$ 25 mil. No dia seguinte, Marcelo diz que encontrou um “senhor da hora”, que já tinha feito um serviço do tipo antes. “Aí é firma de que?”, pergunta Wesley. Marcelo responde: “Grãos de soja e que vai mais para esse lado.”
Para a Justiça, ficou claro a participação dos envolvidos: Leandro Rodrigues dos Santos, Leonardo Magno de Jesus, Alexandre Costa de Souza, Landstaynner Barros Gusmão, Ana Cláudia do Espírito Santo de Jesus (irmã de Wesley), Gisele Vasconcelos Gomes, Paulo Sérgio Gonçalves, Marcelo Barrionuevo da Costa, Rosane Ferreira, Vidal Cueto, Hudson de Castro.
Na sentença de condenação, o juiz detalhou como atuava cada um dos integrantes do grupo. Leandro Rodrigues adquiria a droga de Wesley para revenda; Leonardo teve uma arma de fogo encontrada em casa; Alexandre atuava como cobrador de dívidas e na distribuição dos entorpecentes que chegavam, além de realizar depósitos; Landstaynner foi recrutado por Vidal para trabalhar como motorista do caminhão que trazia a carga de droga; Ana Cláudia, irã de Wesley, o auxiliava a administrar e investir os recursos do tráfico; Gisele foi encarregada de arrecadar dinheiro para Wesley, disponibilizando conta bancária; Paulo Sérgio aliciava pessoas para o tráfico e ajudava na distribuição; Marcelo foi o responsável por intermediar contatos com fornecedores de drogas; Rosane prestava auxílio para viabilizar o transporte da droga; Vidal foi o motorista contratado para conduzir o caminhão; e Hudson auxiliava na distribuição.
“Foi uma grande operação na época e a maior entre vários anos. Ele era o cabeça. A gente conseguiu sequestrar vários bens dele. Inclusive, na casa dele encontramos um colar avaliado em R$ 65 mil”, detalhou o delegado que coordenou as investigações na época, Alexandre Gratão.
No mesmo dia da prisão, os policiais civis cumpriram mandados de busca e apreensão na casa dos presos. Na residência de Wesley, foram apreendidos três carros, incluindo uma caminhonete, R$ 149 mil, oito relógios de marca de luxo, um cordão de ouro avaliado em mais de R$ 65 mil, uma espingarda calibre 5.5 e um revólver calibre .38.
Quem era Macarrão?
De estatura alta, Wesley praticou basquete durante a adolescência e juventude. Depois, foi morar no Rio de Janeiro, onde lá conheceu o mundo do crime, segundo relata uma conhecida do traficante. “Na volta ao DF, chegou a dizer que iria montar uma barraca na feira para vender roupas, mas entrou para o tráfico”, contou.
Na região onde morava, esbanjava cordões de ouro, relógios e bonés de marca. “Sempre vi ele muito bem vestido. Era respeitado”, disse um comerciante.
Macarrão foi condenado a 45 anos e 9 meses em regime inicial fechado. No Complexo Penitenciário da Papuda ele chegou a ficar alocado no Pavilhão de Segurança Máxima (PSM) na Penitenciária do DF 1 (PDF 1), uma das alas mais perigosas da cadeia, que abriga integrantes de facção, como o Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) — organização da qual ele chegou a se associar em Ponta Porã e Paraguai.
No entanto, ele não ficou nessa ala por ser considerado o mais perigoso, mas por ter sido ameaçado por outros presos na ala comum. “Ele puxou (cadeia) muito tempo nessa ala, para preservar a integridade física”, revelou a fonte policial. Dentro da cadeia, Wesley era considerado um detento com bom comportamento, sem registros de desobediências. “Típico de quem queria cumprir a pena e voltar logo para a rua”, completou.
Wesley recebeu a progressão de regime semiaberto antes mesmo de ficar 10 anos no fechado e foi para o Centro de Progressão Penitenciária (CPP), no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA), onde era respeitado pelos outros presos. Como prevê a determinação da Justiça, internos do CPP têm direito à “saidinha” de 15 em 15 dias.
Só este ano, o traficante conseguiu uma carta de emprego, o que lhe permitiu sair todos os dias para trabalhar no conserto e instalação de som automotivo em uma loja de Taguatinga. Segundo relatou a fonte, Wesley tinha evitado sair antes para trabalhar por medo, até que decidiu pôr os pés na rua. Com uma semana trabalhando, Macarrão foi surpreendido por um homem que, armado com uma pistola com seletor de rajadas, efetuou, ao menos, 15 dias, segundo contou uma testemunha ao Correio. Os envolvidos no homicídio de Macarrão permanecem foragidos. As investigações seguem à cargo da 12ª Delegacia de Polícia.
O especialista e advogado criminalista Bruno Oliveira explica que, a partir do falecimento de Wesley, atestada pela certidão de óbito, tem-se a extinção da punibilidade. "Eventualmente, os herdeiros poderão suportar os efeitos extrapenais da pena, como a reparação do dano, nos limites do patrimônio do falecido. Os efeitos penais, por sua vez, como a condenação à pena privativa de liberdade, jamais poderão ser suportados pelos herdeiros", opinou.
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