TRÂNSITO

Precariedade de passagens subterrâneas faz pedestres do DF se arriscarem nas vias

Com passagens subterrâneas inseguras e em situação precária, pedestres arriscam a vida atravessando o Eixão. População pede melhorias em túneis, como limpeza e policiamento

Renata Nagashima
postado em 25/10/2021 06:00
Para especialistas, descaso é fruto de uma política que privilegia as obras para o transporte automotivo -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Para especialistas, descaso é fruto de uma política que privilegia as obras para o transporte automotivo - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Passagens subterrâneas assumiram um papel fundamental no projeto de Lúcio Costa para trazer o então moderno conceito das populares autoestradas até o coração de Brasília. Pelos túneis, o pedestre percorreria os dois lados divididos pela pista sem interromper a fluidez do trânsito. Entretanto, mais de 60 anos após a inauguração do Eixão, as passagens subterrâneas que deveriam garantir acessibilidade e segurança para a população carecem de manutenção e afugentam usuários que, muitas vezes, preferem se arriscar na rodovia e nos eixos se expondo a acidentes de trânsito.

O professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em trânsito Paulo César Marques aponta o Eixão como uma barreira de ponta a ponta, com poucas travessias para quem anda a pé. “É um muro que se desloca a 80km/h.” Para ele, o problema só será solucionado quando a inversão de prioridades for resolvida. “A prioridade ali é a fluidez veicular, não o pedestre. O problema não é apenas iluminação ou falta de policiamento, é uma questão de inversão de prioridades, o pedestre deixou de ser prioridade”, aponta.

Ele acredita que, mesmo assim, muitos brasilienses que atravessam a via consideram menos arriscado disputar espaço entre os carros. “As pessoas preferem sofrer o risco de passar por um sinistro, um acidente ou atropelamento em um local que as pessoas possam ver e socorrê-la a se exporem a uma agressão em um lugar escuro onde não há movimento”, destaca.

Assaltos

A babá Jenny Rodrigues, 23 anos, trabalha em um bloco na 205 Norte. Todos os dias, ela atravessa o Eixão pela passagem subterrânea da quadra e fala sobre o medo que sente. “Eu tenho medo porque é escuro, não tem polícia. Mesmo durante o dia é perigoso. Toda vez eu passo com muito medo e torcendo para não acontecer nada”, afirma.

A jovem confessa que, em alguns momentos, se arriscou atravessando o Eixão com receio de atravessar pelo subterrâneo dos eixos sozinha, sobretudo depois de sofrer duas tentativas de assalto. “Teve uma vez que um homem estava me seguindo, com alguma coisa embaixo da camisa, parecendo ser um revólver. Aí, veio outro moço, e ele se assustou e saiu correndo. Em outra ocasião, um homem estava me seguindo e eu subi, com medo. Depois eu vi outra moça que ia passar, aí desci com ela.”

A aposentada Dalmina Moreira, 66, mora na 206 Norte há 40 anos e a passagem subterrânea sempre foi motivo de queixa. A idosa precisa passar pelo túnel com frequência e reclama do abandono. “Está horrível. Tenho medo de passar, sempre fico esperando outra pessoa que vá atravessar para ir junto. A gente olha, sempre com cautela. Nesse horário de meio dia é mais ou menos, tem muita gente indo e vindo almoçar então dá para ir mais tranquila”, relata.

Por morar próximo, ela afirma que testemunhou diversos casos de violência. “Tem muito assalto, eu mesma já presenciei. Assim que entrei no túnel vi uma mulher sendo assaltada, aí eu corri para a lateral e liguei para a polícia, mas nem vieram”, lamenta. Durante a noite, ela prefere atravessar o Eixão ou ir de carro. “Geralmente, eu me arrisco por cima mesmo. Quando é difícil, eu tenho que pegar um táxi para atravessar. A gente faz essa escolha difícil, do que é menos pior.”

Urina e lixo

As queixas dos pedestres vão de excesso de lixo ao odor de urina, além da presença de usuários de drogas. O piso e os bueiros estão quebrados e à noite relatam que um acidente é quase inevitável. No início do ano, o movimento Brasília para Pessoas divulgou os resultados de um estudo que avaliou todas as passagens subterrâneas do Plano Piloto. De acordo com o documento, elas estão em completo abandono: sujas, escuras, inacessíveis, com piso e revestimento comprometidos. O cenário insalubre contrasta com as grandes obras voltadas para o transporte motorizado. Azar de quem precisa pedalar ou caminhar até os pontos de ônibus.

Fundador do movimento, o servidor público Uirá Lourenço, 43 anos, afirma que diversas campanhas são feitas pela organização, mas o Governo do Distrito Federal (GDF) não caminha com as obras de revitalização. “Fizemos a campanha ‘pedestre pede passagem’, onde fizemos uma pressão virtual no GDF, diversas reclamações na ouvidoria e mais de 800 e-mails enviados, infelizmente não vi nenhuma providência. Enquanto isso, acidentes vão continuar acontecendo porque o Eixão é um muro para quem caminha e não há opção segura para atravessa-lo”, comenta.

A Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) diz que são realizados reparos pontuais nas passagens subterrâneas, conforme a demanda dos órgãos ou por pedidos via ouvidoria. Além disso, a pasta alega que tem uma ata de registro de preços contemplando os reparos nas 16 passagens. “Está em trâmite a movimentação orçamentária para disponibilizar o crédito suplementar para execução”, diz a nota enviada pela Novacap.

O Serviço de Limpeza Urbana do DF (SLU) afirma que faz a limpeza diária nas imediações da área central. Nas passagens próximas às entrequadras, o serviço é prestado três vezes por semana, no período noturno. A Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) alega que realiza o policiamento em todas as passarelas subterrâneas do Plano Piloto e que quase não há registros de ocorrências. “Vamos verificar as reclamações e tomar as medidas necessárias”, diz a corporação.

Atropelamentos

Dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) mostram que de janeiro a setembro de 2021 houve uma redução de 28,5% de mortes de pedestres por atropelamentos no DF em relação ao mesmo período de 2020. Em relação ao mesmo período, em 2019, a queda foi de 57%. Segundo a pasta, em 2021 foram registrados 30 óbitos por atropelamento. No ano passado, foram 42 vítimas e, em 2019, 70 mortes.

De acordo com o diretor de Educação de Trânsito, Marcelo Granja, apesar da redução do fluxo de veículos nas ruas em função da pandemia, a queda é fruto das campanhas de educação do Detran com pedestres e motoristas. “Buscamos na sociedade a consciência social de respeito ao outro. Queremos provocar um olhar diferenciado dos condutores em relação aos pedestres. Nosso foco é direcionado na percepção de risco, trabalhar essa questão de que andar mais 50 metros para atravessar de forma segura pode salvar a vida dele”, destaca.

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Perigo no Eixão

Mortes por atropelamentos no Eixão de janeiro a setembro

Ano 2019 - 70 óbitos

Ano 2020 - 42 óbitos

Ano 2021 - 30 óbitos

• De janeiro a setembro de 2021, DF teve 28,5% de redução de mortes de pedestres em relação ao mesmo período de 2020

• De janeiro a setembro de 2021, redução foi de 57% em relação a igual intervalo de 2019

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