Literatura

Projetos democratizam o acesso a livros pelas ruas dos Distrito Federal

Projetos Compartilhar Livros e Biblioteca Popular disponibilizam publicações nas ruas da capital federal e buscam compartilhar conhecimento e cultura

Júlia Eleutério
postado em 24/10/2021 06:00
Os projetos Biblioteca Popular e Compartilhar Livros democratizam o acesso a publicações didáticas e literárias -  (crédito: Ed Alves/CB)
Os projetos Biblioteca Popular e Compartilhar Livros democratizam o acesso a publicações didáticas e literárias - (crédito: Ed Alves/CB)

Para quem caminha pela Vila Matias, na QSD 41, em Taguatinga Sul, não é difícil localizar um móvel com os mais diversos tipos de publicações disponíveis para qualquer um que se interesse, livremente. Ver as mãos e olhos curiosos correrem pelas páginas dos exemplares didáticos e literários é motivo de orgulho para o comerciante Espedito Bismark, 59 anos, responsável pela iniciativa, o projeto Compartilhar Livros.

A ideia de democratizar o acesso à leitura começou em 2014, quando Espedito, mais conhecido como Bismark, resgatou alguns livros, em bom estado, mas que seriam jogados no lixo, e os distribuiu. Aquele gesto despertou nele um propósito: promover o encontro entre livros e leitores. “Eu simplesmente tive a ideia e, hoje, o pessoal que vem ao projeto e pega o livro coloca novos e faz o que quiser. Queria um negócio bem democrático, bem à vontade mesmo”, afirma.

Dono de um pequeno comércio de suprimentos e materiais de escritório, ele conta que, durante a Copa do Mundo de 2014, um amigo pediu uma ajuda inusitada. “Um dia, ele me disse que estava precisando jogar uns livros no lixo, e eu perguntei: ‘Como assim jogar livro no lixo? São livros de quê?’ Aí ele disse que eram livros de Direito. Achei que ele estava doido. Então, eu fui lá, peguei os livros e saí distribuindo”, recorda Bismark que, sete anos depois, mantém a mesma premissa. “A ideia é essa: você pega o livro e pode fazer o que quiser, não precisa devolver para mim, pode repassar para outras pessoas”, explica sobre a dinâmica do Compartilhar Livros.

Em meio às entregas dos achados, uma das pessoas que pegou um dos livros perguntou para Bismark onde ele havia encontrado aquele exemplar, pois estava procurando há muito tempo. “Ele até achou estranho o fato de eu estar doando um livro caro para ele, mas eu tinha pegado praticamente do lixo. Peguei de graça e estava dando de graça”, ressalta. Foi, então, que o comerciante começou a juntar mais livros para distribuir para quem tivesse interesse.

A missão de compartilhar conhecimento e histórias não tem sido fácil. No início, os livros ficavam dentro da loja do Bismark. Depois, passaram a ocupar um balcão no lado de fora. Porém um belo dia, alguém roubou o móvel e deixou os livros no chão, foi quando surgiu a ideia da estante. “Eu mesmo fiz a prateleira para colocar os livros, com a ajuda de outro amigo. No início, o pessoal jogava saco de lixo e entulho”, lembra o idealizador do projeto, que não desistiu. Com o passar dos anos, outras prateleiras foram adicionadas, assim como mais livros e, aos poucos, ficaram maiores e ganharam divisórias, como uma estante de verdade. Além do espaço, ele instalou um toldo para abrigar os exemplares da chuva e do sol.

  • 22/10/2021. Crédito: Ed Alves/CB/D.A Press. Brasil. Brasília - DF. Cidades. Doação de Livros. Na foto Expedito Bismark.
    O comerciante Espedito Bismark instalou, em frente a sua loja, uma prateleira para compartilhar livros Ed Alves/CB
  • 2020. Crédito: T-Bone/Divulgação. Cultura. O que está ouvindo, lendo e assistindo durante a pandemia. Luiz Amorim do Açougue T-Bone.
    Pioneiro na difusão da leitura no DF, Luiz Amorim, do Açougue T-Bone, disponibiliza livros nos pontos de ônibus da W3 Norte T-Bone/Divulga??o

Incentivador

Nordestino com orgulho, Bismark é natural de Pombal, na Paraíba, mas veio para o Centro-Oeste ainda pequeno, morando em Goiás e no Distrito Federal. Casado, ele concluiu o ensino médio e confessa que não é um leitor assíduo, mas gosta de poesia, admira as obras de Cecília Meireles e afirma que sempre entendeu a importância da leitura, por isso, incentiva os dois filhos e as outras pessoas a estudarem. “Eu sou mais de incentivar os outros a lerem e a estudar. Acho importante que as pessoas tenham esse acesso”, destaca.

Segundo Bismark, a maioria dos livros deixados na estante são didáticos e já ajudaram muitas pessoas a passarem em vestibulares e em provas. Recentemente, um casal se desfez de alguns livros que eram dos filhos e ficaram para trás quando eles se formaram e saíram de casa. “Tem muitos pais que vêm trazer esses livros usados para doar, tem pessoas que já se formaram e não sabem o que fazer com o material, além das pessoas que estão de mudança e não têm como carregar todos os livros”, conta o criador do projeto. Em menor quantidade, há até quem deposite na estante roupas e brinquedos. “Eu doo para o pessoal que precisa quando deixam aqui”, ressalta.

Espedito gostaria de expandir o projeto e criar um espaço cultural apropriado, mas a falta de incentivo ainda não permite que a estante alcance mais leitores. “Eu queria que muita gente copiasse essa ideia aqui na rua e tivesse mais prateleiras, mas, infelizmente, as outras pessoas acabam gozando da minha cara e me chamando de bobo por acreditar nisso”, lamenta Bismark.

Biblioteca Popular

Há cerca de 27 anos, o comerciante Luiz Amorim, dono do Açougue T-Bone, na 312 da Asa Norte, iniciou o projeto de distribuição de livros nas paradas de ônibus da W3 Norte, que recebeu o nome de Biblioteca Popular. Assim como Espedito, o baiano chegou à capital ainda pequeno. “O projeto surgiu desde quando eu comprei o açougue, em 1994. Tive essa ideia de distribuir livros e achei que se colocasse nas paradas de ônibus mais pessoas teriam acesso”, conta o açougueiro. Além dos livros, o Açougue T-Bone também promove e valoriza a arte e a cultura de Brasília.

Mesmo com a pandemia, a chamada Biblioteca Popular segue firme e está em todos os pontos de ônibus da W3 Norte, funcionando segundo o mesmo princípio do Compartilhar Livros, qualquer pessoa pode pegar ou deixar um exemplar na estante. “O projeto continua e foi incorporado à cidade. As pessoas participam, levam o livro e deixam na parada, então, não para”, ressalta Luiz. Em anos anteriores à pandemia, estimava-se que mais de 200 mil livros passavam pelas prateleiras por ano.

De origem humilde, Luiz foi alfabetizado aos 16 anos, leu o primeiro livro aos 18, e se apaixonou pela literatura. “Comecei a ler muito tarde, então eu vi qual era a importância do livro e do estudo. Para mim, foi um encantamento muito grande, não existe uma forma melhor de pensar as coisas, se não for com um bom livro”, garante.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação