Apesar dos desafios diários, as mulheres, aos poucos, conquistam mais espaço no mercado de trabalho e provam que são qualificadas para assumir qualquer cargo e profissão que desejam. No entanto, muitos lugares foram conquistados ao longo dos últimos anos. Entre 2018 e 2019, de acordo com dados do Painel da Indústria do Distrito Federal, houve um crescimento de 18% da presença feminina no mercado de construção civil. O rendimento mensal médio desse público, de acordo com o levantamento, é de R$ 2.035,91.
Para a vice-presidente do Sindicato da Industria da Construção Civil do Distrito Federal, Mirelle Corrêa, a tendência é que a participação feminina aumente no mercado. “Temos um convênio com a Secretaria da Mulher para conseguirmos inserir mais mulheres, principalmente, pela importância da autonomia financeira. Oferecemos cursos no canteiro de obras, de iniciação financeira, gerenciamento, curso de almoxarifado e de pintura. Os cursos também são destinados aos homens para trazer uma sensibilização sobre diversos temas, inclusive sobre violência dentro de casa. O homem precisa entender que a mulher está para acrescentar no local de trabalho, e que em casa, ambos devem dividir as suas tarefas”, avalia.
"As mulheres se destacam muito na parte de acabamento, de pintura, orçamento e rejunte. Isso porque são mais meticulosas. E no canteiro de obras elas são muito bem aceitas. Além disso, o sindicato trabalha com a implantação de um canteiro padrão, para que haja tanto banheiro masculino quanto feminino”, pontua.
Denise Duarte, 45 anos, engenheira civil e de segurança do trabalho da Brasal Incorporações, afirma que o tabu da sociedade precisa ser vencido. “A mentalidade das pessoas precisa mudar para novas conquistas surgirem. A construção civil é vista como um ambiente muito machista, mas em 21 anos de formada eu não enfrentei esse tipo de situação. Principalmente aqui na Brasal, onde atuo há mais de 10 anos, temos uma quantidade muito grande de mulheres ingressando, especialmente, na engenharia e técnicas de segurança em trabalho”, conta.
De acordo com Denise, um dos recentes empreendimentos da empresa contou com um quadro de comando formado apenas por mulheres. “O Reserva Catedral, na 114 Norte, tem a sua gestão liderada por uma engenheira mulher, que tem na sua equipe uma técnica em segurança do trabalho e uma auxiliar conferente”. A profissional destaca que o público feminino costuma ser reconhecido pelo cuidado e perfeccionismo. “Damos mais atenção aos detalhes, isso é muito bem-vindo e colabora na contratação de mulheres”, comenta.
Desafios
Apesar das diversas qualidades femininas, a engenheira civil Luana Rangel, 29 anos e moradora de ,Santa Maria, conta que perdeu vagas por ser mulher. “A gente vê de tudo, já trabalhei em uma empresa muito acolhedora, com banheiro reservado para as mulheres. Mas também já participei de processos que não fui selecionada, mesmo tendo os requisitos, porque questionei o dono da obra sobre onde ficaria o banheiro feminino, por exemplo. Imagino que ele pensou que eu geraria muitos gastos para a empresa. Também já tive colegas no mesmo cargo que ganhavam mais que eu”, lembra.
As dificuldades são somadas ao desafio de adentrar no mercado de trabalho. “Não se trata só do fato de ser mulher, mas ser alguém que está iniciando na carreira. Quando você chega com novas ideias, há uma resistência, mas aos poucos, com jeitinho, mostramos que entendemos do que estamos falando e a equipe costuma nos aceitar. Esse período de conquista da equipe costuma ser bem complicado”, destaca.
Foi para vencer paradigmas que Agda Óliver, 41 anos, montou a oficina Meu Mecânico, especializada no atendimento à mulher. “Em 2008 comprei meu primeiro carro e eu não entendia nada, não sabia que precisava de manutenção periódica nem o que fazer. Tive muitas frustrações e cheguei a descobrir que pagava por peças que nem existiam no meu carro. Desde então, comecei a ler o manual, ir para a internet, pesquisar sobre o assunto, conversar com outras pessoas. Fui gostando do tema e tive vontade de empreender. Em uma procura rápida, percebi que não havia oficinas que atendessem mulheres, a partir daí, tive a ideia de ter esse diferencial”, narra.
O primeiro desafio vivenciado por Agda foi não ter em quem se espelhar. “Não tinha nenhum empreendimento parecido nessa época. Por isso, procurei o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que foi meu aliado. Fiz o curso de mecânica, de empreendedorismo, e fui me especializando. Em 2010, montei minha oficina. A ideia inicial era que só houvesse mulheres trabalhando, só que não encontrava esse público para contratar, por isso, tive que especializar minha própria equipe mista. Hoje, 70% do nosso público é feminino. Vejo muitas mulheres querendo entrar em diversas áreas do mercado de trabalho, mas não têm oportunidade”, completa.
Representatividade
Além do empreendedorismo e do mercado civil, as mulheres conquistam seu lugar na condução de veículos. Segundo dados da Elaboração da Confederação Nacional do Transporte (CNT), com informações da Relação Anual de Informações Sociais, em 2019, 22 mulheres se dedicavam à profissão de motorista de caminhão em rotas regionais na capital do país. Apesar do avanço, o número nem chega perto dos homens que trabalhavam no setor, de 1.998 trabalhadores. O cenário é parecido no caso dos motoristas de ônibus urbanos. De acordo com a pesquisa 36 mulheres atuam no DF, contra 4.512 profissionais do sexo masculino.
Aneclea Barbosa Caetano, 39 anos, moradora de Ceilândia Norte, é uma das mulheres que dirigem ônibus na capital Federal. “Enfrento, inclusive, o preconceito da mulherada. Embora esperássemos sofrer mais com os homens, muitas mulheres viram a cara. Dirijo há sete anos e acho que o caminho para mudar isso é a educação, para que a população entenda que somos capazes”, ressalta.
A condutora de um BRT articulado, Cheila Felix de Sousa, 42 anos, há 19 anos motorista, enfrenta o mesmo desafio e conseguiu uma vaga na empresa com muito esforço. “Era cobradora e ficava olhando os motoristas dirigindo, mas nem tinha habilitação. Um dia um motorista falou comigo por que eu não tirava carteira, para ser a primeira motorista de Santa Maria. A partir daí, decidi correr atrás. Tirei primeiro a categoria B, depois fui avançado. Cheguei a ouvir muito não da chefia, por ser jovem, também. Mas no fim, consegui a vaga de manobreira e depois fui classificada como motorista”, revela.
Cheila narra que ouve diversos comentários machistas no dia a dia. “Principalmente no começo, as pessoas ficavam assustadas, os homens falavam que iam conferir se eu sabia dirigir mesmo. Mas no fim, eles davam parabéns, felicitaram-me pela viagem. Acho que o mais importante é que as mulheres se sentem representadas. Faço o meu trabalho com paixão, porque cada passageiro é uma família que a gente leva. E meus filhos se orgulham muito de mim, eles falam que eu sou top, ficam maravilhados por ter uma mulher dirigindo um veículo tão grande”, conta.
Inspiração
As mulheres que conseguem vencer as barreiras do preconceito destacam o papel de inspirar outras profissionais. Uma das empresas que abriu as portas para o público feminino foi a Braspress, com oportunidade para mulheres desde 1998. Atualmente, uma das funcionárias é Karine Calábria, 44 anos, motorista carreteira, que realiza entregas de Uberlândia para Brasília. O percurso é feito pela profissional em aproximadamente 7h de viagem. “Minha trajetória começou com alguns bicos de motoristas, trabalhando com van e ônibus. Depois, decidi entregar meu currículo em uma empresa para trabalhar com caminhões urbanos pequenos. Decidi correr atrás do que queria, me profissionalizar e tirar carteira, até conseguir essa oportunidade. Estou na Braspress desde 2014”, narra.
Para ela, parte da falta de mulheres na direção de grandes veículos é social. “Os homens acham que não temos a mesma capacidade que eles. E quando somos crianças, os pais incentivam o filho a ser motorista, se eles moram em fazenda o filho vai dirigir o trator, o carro da família, enquanto a filha vai ajudar na limpeza da casa. Mesmo assim, com o nosso jeito feminino e nosso carisma, passamos por cima desse preconceito”, afirma. Karine avalia que o foco principal é inspirar outras mulheres. “O fundamental é mostrar que podemos ocupar esses empregos. Chamar a atenção da mulherada, para que se elas tenham vontade de trabalhar na área e não deixem ninguém impedi-las”, finaliza.
Palavra de especialista
“As mulheres entraram no mercado de trabalho a partir da década de 1950, com todas as forças,
mas paulatinamente. Ainda temos desigualdades salariais, mesmo quando as mulheres desempenham o mesmo cargo dos homens, por exemplo. Mas, aos poucos, a ocupação dos cargos majoritariamente masculinos vem ocorrendo, por uma demanda social e de mercado, e porque as mulheres decidiram que é isso que querem. No entanto, é necessário ressaltar as dificuldades para as mulheres conciliarem as triplas jornadas de trabalho, como mães, cuidadores e profissionais. E, claro, tem o estigma social, das pessoas falando: você não pode ser caminhoneira, não pode ser isso ou aquilo. A mulher precisa comprovar a sua competência todos os dias. Além do desafio de gênero, se soma a isso o preconceito racial. O homem branco receberá um determinado salário, que será menor para a mulher branca e menor ainda para a mulher negra. Por isso, a equidade de gênero é uma demanda urgente. E isso só será alcançado com investimento em políticas públicas, conscientização e abordagem desses temas desde o primário, nas salas de aula. Vale destacar o quanto as mulheres são aguerridas, porque mesmo com esses desafios, elas conseguem transformar suas realidades”.
Tânia Fontenele, professora da Universidade de Brasília (UnB), autora do livro Trabalho de Mulher
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