Educação

Pequenos escritores, grandes histórias. Conheça talentos mirins da capital

Crianças se aventuram publicando os próprios livros. Com enredos recheados de super-heróis e superação, os talentos mirins se dedicam à paixão literária

Edis Henrique Peres
postado em 03/10/2021 07:00 / atualizado em 03/10/2021 07:13
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Super-heróis, minhocas e dinossauros. Basta abrir um livro que a magia de mundos infinitos salta da página. Na leitura, não é difícil esquecer que são apenas palavras impressas e deixar a imaginação reter o leitor. É este amor e fascinação que une diversos pequenos escritores do Distrito Federal. Com menos de 11 anos de idade, talentos mirins viveram a experiência de escrever e publicar seu próprio livro. Apesar da pouca idade, as histórias que eles têm para contar falam de aventura, superação e também de medos.

Higor Vicente Viturino Teixeira, de 9 anos, gosta de ser identificado pelo nome completo e é um ávido leitor. Com o isolamento imposto pela covid-19, ele começou a escrever para driblar o tédio. “Ele chegou para mim e pediu para comprar um caderno de desenho. Falei que ele podia usar o que tinha em casa e, então, ele começou a escrever e desenhar uma história. Enquanto escrevia ele me falou que queria que fosse um livro de verdade”, narra a mãe de Higor, Amália Viturino, 35 anos, dona de casa e moradora do Santa Maria.

Pesquisando, Amália encontrou uma maneira de realizar o sonho do filho. “Demos a publicação do livro dele em 12 de outubro de 2020 como presente do Dia das Crianças. Acredito que isso é muito importante para ele, sempre conversamos sobre a importância dos hábitos de leitura, que ler é viajar sem sair de casa. Até montamos uma minibiblioteca e, a cada ano, renovamos os livros. Nos dias em que ele está cansado, lemos para ele antes de dormir”, pontua.

Diagnosticado no Transtorno do Espectro Autista (TEA) — caracterizado por um desenvolvimento neurológico atípico —, Higor colocou em seu livro um dos seus hiperfocos: os dinossauros. Na história, ele também homenageou o seu pai, Tobias, ao dar o nome de uma das personagens a ele. O Porco Tobias e o Dinossauro é o primeiro livro de muitos que ele pretende escrever. “Antes, eu queria ser ator, mas desisti. Agora, quero ser cientista, e acho que o sonho vai durar para sempre”, confessa, animado. A motivação em ser cientista faz com que ele se dedique ainda mais à leitura de livros. “Estou pensando em fazer a continuação ou escrever algum outro”, detalha.

Aos 10 anos, Ryan Maia é quase um veterano no universo das publicações autorais com seus dois livros. O primeiro, intitulado Uma heroína e um herói: a liga da tecnologia, foi escrito aos seis anos. Em 2020, Ryan lançou outro livro: A formiga fora do normal, que lhe garantiu a posição de membro mais novo da Academia de Letras do Brasil (ALB). Além da trajetória como autor, Ryan, que possui superdotação, também empreende e dá aulas em seu canal no youtube de educação financeira. Atualmente, a família conta com um projeto de incentivo à leitura. “Começamos a distribuir os livros gratuitamente para os alunos da escola dele, mas outras escolas foram pedindo os volumes, e, depois, ele foi chamado para dar palestras. Ele incentiva outras crianças, em diversas regiões do país, como na Bahia e no Paraná, há jovens escritores que se sentiram motivados por ele”, conta o pai de Ryan, Marcio Alan Maia, 49, aposentado e morador de Ceilândia.

Ryan revela que assuntos do dia a dia servem de inspiração para escrever. “O meu segundo livro aconteceu porque estávamos em uma viagem. É uma comparação com o Brasil, nele as formiguinhas são as pessoas e o tamanduá são as dívidas. É um problema real, e busco colocar alguma solução”, explica.

Mesmo com as precoces realizações, ele não pretende parar tão cedo e quer ver mais crianças imersas no universo da literatura. Mas ele e a família admitem que o caminho não é fácil. “Há uma falta de apoio do governo em diversos aspectos. Ele já foi reconhecido nacionalmente, mas o que tem hoje é vindo de empresários, que, por exemplo, custeiam um curso de inglês para ele. Nossa vontade é conseguir o apoio também de uma grande editora, para que os livros do Ryan ganhem uma projeção maior”, pontua o pai do menino.

Ryan Maia pretende continuar inspirando crianças a ler e a escrever
Ryan Maia pretende continuar inspirando crianças a ler e a escrever (foto: Arquivo Pessoal/Divulgação)

Superação

Professora aposentada da UnB do Departamento de Psicologia Escolar, Diva Albuquerque Maciel destaca a importância da leitura por prazer. “A leitura é muito importante de ser incentivada na escola. No entanto, quando pensamos em educação pública, temos alguns desafios, como parte da população com pouco envolvimento com a língua escrita, pois não teve oportunidades de estudo. Também temos poucas bibliotecas no país e nem todos compram livros. É impossível se tornar um leitor sem acesso ao livro”, avalia.

Para ela, a relação com a literatura deve ser de intimidade. “É importante falar da leitura não apenas como algo utilitário. Claro que quem lê aprende muitas coisas, mas ler também deve ser importante por prazer, pelo divertimento que só o livro oferece. Também é necessário um esforço para que a criança não perca a sua capacidade de fabulação”, destaca.

Foi por crescer em um ambiente em contato com a literatura que Guilherme Pullig, 11, despertou o interesse pela escrita. O pai do pequeno autor, André Pullig, 44 anos, militar da marinha e morador da Asa Norte, conta que ele próprio começou a escrever quando jovem. André lista os benefícios desse incentivo: “Além da expansão da visão do mundo e melhorar a percepção na vida, a literatura faz com que a criança possa desenvolver o seu imaginário, encontrar soluções para diversos problemas”, pondera.

Diagnosticado com Transtorno do Deficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), o processo de escrita de Guilherme foi fundamental também para enfrentar o bullyng. “Eu sofria muito bullying, e não tinha amigos. Ficava triste por isso, e perguntei ao meu pai se poderia escrever um livro. Quando terminei, fiquei muito ansioso para o livro ficar pronto logo”. O livro, chamado de A minhoquinha que fez amigos, é apenas o primeiro, porque Guilherme já trabalha em outro projeto, prestes a estrear. “Já fiz mais dois livros que estão em desenvolvimento. Um deles, As aventuras do Sapo Aventureiro, está para sair”. Hoje, Guilherme não sofre mais com a falta de amigos, e listou à reportagem, empolgado, o nome dos amigos que possui.

Para o estudante Pullig, 11,escrever é uma forma de expressão que o ajudou a fazer amigos
Para o estudante Pullig, 11,escrever é uma forma de expressão que o ajudou a fazer amigos (foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press )

Pandemia

Professor de português para alunos entre 11 e 14 anos, Paulo Roberto Nunes, 34 anos, morador de Sobradinho 2, destaca que a leitura é importante para a formação do ser humano. “Nessa idade dos alunos, é comum lerem HQs (Histórias em quadrinhos) e mangás, que costumam ser leituras rápidas e mais fáceis. Mas existem alguns que mergulham em leituras mais demoradas, como Harry Potter, A culpa é das Estrelas e Diário de um Banana, livros para a faixa etária deles”, conta.

Como recurso para chamar a atenção, o professor debate textos mais complexos, discutindo a época, linguagens, influências políticas e contexto da obra. “Quando colocamos a visão do autor ou sua influência na produção literária, creio que o aluno fica mais curisoso. Um poema que fale sobre temas da contestação social pode não ser reconhecido na primeira leitura, mas numa análise profunda isso irá aflorando aos poucos”, avalia.

Para Letícia Gomes, 14, moradora de Sobradinho 2, a escrita também foi um processo importante para lidar com a pandemia. “Eu escrevo, quase todos os dias, do ano retrasado para cá. Ainda não divulgo, mas já pensei em escrever um livro. Comecei principalmente devido a quarentena, a pressão de só ficar em casa foi muito grande, então comecei a escrever meus sentimentos, mas não falando diretamente sobre eles. Hoje escrevo no computador e também em cardenos”, conta. Letícia tem planos de se aprofundar na produção literária, mas, por enquanto, compartilha os seus textos apenas com os amigos e pais.

Incentivo escolar

Com o objetivo de incentivar os alunos, o Colégio Soma, do Cruzeiro Novo, realiza um projeto chamado Ler Para Ser. “A iniciativa existe desde 2003, com a Academinha de Letras que é formado por alunos que se interessam pela leitura e pela escrita. Em 2017 tivemos a oportunidade, em parceria com a Academia Cruzeirense de Letras, de publicar uma coletânea com as poesias dos alunos. Agora, uma vez por ano, publicamos a edição que se chama Cultivando Sonhos, com quatro poesias dos alunos Acadêmicos. Geralmente, escolhemos um estudante por sala”, detalha a Sandra Elisete, Coordenadora Geral do Colégio Soma.

Quando publicado, os alunos têm a experiência de viver um dia de autográfos. “Distribuimos um livro para cada aluno do colégio como forma de despertar o interesse deles para a escrita e para a leitura. Antes da pandemia, os alunos também frequentavam bibliotecas, tinham oficinas, iam para feiras do livro e diversas outras atividades. A iniciativa da Academinha de Letras do Colégio Soma tem dado bons resultados porque vemos o desempenho deles, alguns já falaram que querem ser escritores e publicar livros”, narra.

Escritor e membro da Academia Cruzeirense de Letras, Mauro Rocha, 50 anos, é um dos padrinhos do projeto. “O fundamental dessa iniciativa é a promoção de cultura. Além disso, a gente conhece novos talentos e traz para essas crianças o contato com a arte, porque literatura, teatro, música e cinema estão todas ligadas. Esse incentivo é que faz a gente ter esperança de um mundo melhor, porque a arte é literalmente o que salva a gente. Percebemos muito isso no meio dessa pandemia”, destaca.

Uma das alunas que vivenciou a experiência de publicar seus poemas no Cultivando Sonhos foi Mariana Costa, 9 anos e estudante do 4º ano do Colégio Soma. Filha de Pietro Costa, 40 ano e escritor, a menina se inspira no fato do pai já ter publicado livros. “Comecei a fazer poesia com seis anos de idade. Me inspiro muito no meu pai, que é escritor e gosto de me inspirar na natureza. Gosto muito da forma que a poesia relata os nossos sentimentos e pretendo continuar escrevendo porque vai ser impossível largar a poesia, não que eu queira largá-la”, declara Mariana.

Para Pietro, a iniciativa do projeto é fundamental. “Na coletânea a gente ver escritores com grande potencial, apesar da tenra idade, são estudantes que tem interesse pela literatura, pela leitura, e que procuram descobrir cada vez mais. Vale lembrar que ler amplia os horizontes e dá suporte para conhecer a nossa herança cultural”, avalia.

Como se é feito um livro

O processo de tornar um livro real, no entanto, não acaba depois de escrita a primeira versão da história. Além das releituras e correções, é necessário projeto gráfico, diagramação, revisão e capa. Beth Cataldo, responsável pela Tema Editorial, compartilha as etapas necessárias para a produção de uma obra. “A medida que os autores já tem o texto alinhado, dentro de uma versão que consideram prontas, as editoras fazem uma leitura criteriosa. Um equívoco muito grande é pensar que o ponto final colocado pelo autor significa que o volume está pronto. Mas o livro é complexo, elaborado, e é envolve muito mais que simplesmente transpor um texto de word para uma página impressa”, comenta.

A preparação do texto envolve inúmeras revisões e correções. “Nesse momento se pode tirar trechos excessivos, acrescentar capítulos e conferir a coerência do enredo. Também tem a revisão gramatical. Tudo para evitar erros. Depois vem o projeto gráfico, que determina que tipo de fonte será usado, se vai ou não ter ilustração, como serão enquadradas imagens e como será feito a entrada dos capítulos”, pontua.

No caso de livros infantis, Daniel Deusdete, proprietário da Editora Os Semeadores, conta que os editores escutam o que os pais e as crianças esperam com o livro. “Essa parte é necessária para orientar o ilustrador a que tipo de imagens ele deve produzir, porque a ilustração deve envolver a história, dar fluidez ao texto”, explica. O processo de diagramação é o próximo passo, nele é verificado a formatação do texto, o projeto editorial, e as imagens no livro.

“A capa também é um recurso importante, de comunicação com o leitor. Ela traz um magnetismo para que a pessoa se sinta encatada com o livro e queira conhecer a obra. Depois disso, produzimos uma versão chamada boneca do livro, e fazemos os novos ajustes necessários, que são ajustes finos, da produção final. Quando o escritor aprova essa versão, o livro então pode ir para a gráfica e ser impresso”, finaliza.

 

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    Para o estudante Pullig, 11,escrever é uma forma de expressão que o ajudou a fazer amigos Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
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    Ryan Maia pretende continuar inspirando crianças a ler e a escrever Foto: Arquivo Pessoal/Divulgação
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