Crônica da Cidade

São Cosme e São Damião

Todos os anos, no mês de setembro, eu atualizo uma célebre crônica de Rubem Braga sobre São Cosme e São Damião. A inspiração veio do dia em que a minha filha, professora da rede pública do DF, captou, em uma imagem tremida, uma festa em uma cidade da periferia. Como é fácil fazer uma criança feliz. É só juntá-la com outras, distribuir balinhas, colocar alguma música e deixar que se espalhem no pátio.

Que alegria gratuita! Em um átimo, transformaram o pátio em um parque de diversões. Misturavam-se em uma grande algazarra de crianças negras, brancas, loiras e pardas. Só depois é que aprendem a discriminar os outros pela cor, porque são pobres ou não usam um tênis de marca.

A partir da imagem do celular em face da onda de violência contra os brasileirinhos, resolvi fazer uma oração a São Cosme e São Damião, os santos protetores das crianças.

“São Cosme e São Damião, em primeiro lugar, protegei os meninos e as meninas dos que só querem dispensar atenção a eles no Dia das Crianças e viver com boa consciência no restante do ano, pois é sabido que precisam de cuidados todos os dias.

Protegei as crianças das violências que sofrem nas escolas e no seu entorno. Protegei as crianças que reviram os detritos nos lixões da Estrutural e da Ceilândia, disputando comida com os urubus, mas também os meninos dos bairros ricos, pois o dinheiro não compra tudo. Protegei os meninos pobres e os meninos ricos do lixo comercial, industrial, tecnológico e virtual.

Ó, São Cosme e São Damião, protegei as crianças do tráfico de drogas e do tráfico de asneiras da internet. Protegei as que não têm brinquedos e as que ganharam brinquedos importados e que brincam sozinhas sem precisar de crianças. Protegei as crianças dos pais separados e as dos pais que não se separam, mas dizem e fazem coisas piores do que as dos pais separados.

Protegei os meninos e as meninas da gripe suína, da febre amarela, da dengue, da catapora, do zika, do coronavírus, dos ministros da Saúde irresponsáveis, do funk carioca, do piseiro, do sertanejo universitário e do Big Brother Brasil. Velai pelos mirradinhos que não têm nada para comer e pelos que, tendo demais, ficam obesos.

Ó, São Cosme, ó, São Damião, livrai as crianças das balas perdidas e dos governantes que defendem balas perdidas. Protegei dos que destroem a Amazônia e rifam o futuro das novas gerações.

Livrai-os da ignorância, da mentira, da burrice e do cinismo da classe política.

Protegei os meninos e as meninas dos pais covardes, que bebem e ficam valentes. Velai pelos que são órfãos de fato ou são órfãos de pais vivos. Protegei-os dos presidentes que odeiam a democracia, dos ministros que estimulam o desmatamento e dos que envenenam os alimentos agrícolas. Velai os filhos dos pobres e os filhos dos pobres de espírito. Ó, São Cosme, ó, São Damião, protegei os meninos de Brasília e do Brasil.”