Eu, Estudante

ADAPTAÇÃO

Ferramentas adotadas na pandemia chegaram para ficar nas salas de aula

No formato remoto ou presencial, tecnologias tornaram-se parte das salas de aula durante a crise sanitária. Apesar dos desafios, o ensino virtual deixou aprendizados para alunos e professores. Agora, educadores do DF buscam meios de manter os avanços alcançados

O distanciamento social provocado pela pandemia da covid-19 modificou a forma de as pessoas se relacionarem. Reuniões tornaram-se videoconferências, o trabalho deixou de ser presencial em diversos setores e as aulas migraram para o formato remoto. Para permitir esse novo modelo, as tecnologias tiveram papel primordial. Na área da educação, esses recursos ajudaram, por exemplo, a minimizar as perdas pedagógica sofridas pelos estudantes. No entanto, a dificuldade para garantir o acesso a todos apresentou obstáculos ao aprendizado. Agora, com a educação em formato híbrido em muitas instituições de ensino, profissionais da área avaliam que as ferramentas digitais vieram para ficar.

A discussão quanto ao uso das tecnologias em sala de aula precede a crise sanitária. Etel Monteiro, chefe da Unidade de Gestão Estratégica da Educação Básica da Secretaria de Educação do DF, destaca que o assunto é tema de debate entre especialistas há bastante tempo (leia Três perguntas para). No Distrito Federal, um dos colégios que apostou na inovação foi a Escola Classe 413 Sul, que recebe estudantes do 1º ao 5º ano do ensino fundamental. “O uso da tecnologia em nossa escola fez com que os alunos se sentissem mais empolgados para voltar ao modelo presencial. A mudança que fizemos foi na adoção de lousas digitais. Nela, o professor pode escrever, apagar o conteúdo e realizar diversas funções de conectividade”, explica a diretora Vera Lúcia Ribeiro.

Atualmente, a escola dispõe de seis lousas desse tipo e quatro salas com Smart TVs. O objetivo é comprar, até o fim do ano, mais quatro quadros digitais. “Percebemos que os alunos têm muito interesse nessa área. Eles pertencem a essa geração (hiperconectada). Com o ensino remoto, os professores tiveram de se aprimorar e usar mais aplicativos. Hoje, as aulas são planejadas para o uso das lousas, e os alunos estão encantados, mais participativos. O professor consegue montar imagens, vídeos, projetar todo esse conteúdo. Além disso, a turma que fica em casa assiste à aula em tempo real, por uma transmissão ao vivo”, destaca Vera Lúcia.

A professora da educação infantil Ana Maria Correia, 34 anos, foi pega de surpresa pela pandemia e precisou se adaptar ao meio digital. “Agora, uso principalmente vídeos, com ferramentas de edição, desenhos, imagens. Com isso, a aula fica mais criativa, e os alunos gostam bastante. No começo, tive de me esforçar muito, buscar conteúdos em sites, aprender como usar os aplicativos e, inclusive, trocar de celular, pois o meu não comportava as mídias”, relata a moradora de Santa Maria. Em casa, o espaço de trabalho também passou por mudanças. “O ambiente precisava de uma boa luz e suporte para a gravação. No começo, foi bem complicado, mas, depois que aprendi, acabei gostando. Mesmo com as aulas presenciais, continuo com esses recursos. Levo vídeos para os alunos, coloco músicas de fundo, tento enriquecer o conteúdo”, detalha Ana Maria.

Minervino Júnior/CB/D.A Press - Colégio Pueri Bilíngue Candanguinho apostou em aplicativos para enriquecer o ensino dos alunos

Desigualdades

Apesar de se tornarem praticamente onipresentes, as ferramentas digitais exigem planejamento antes da adoção delas em alguns tipos de ambientes. Professora da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), a especialista em mídia e tecnologia Andrea Versuti considera necessário avaliar, por exemplo, situações de vulnerabilidade. “No Brasil, temos um país com desigualdades sociais imensas, e elas atravessam o uso das tecnologias. Isso ficou muito claro na necessidade de políticas públicas para esse campo (da educação)”, observa.

Para Andrea, as ferramentas se transformam de acordo com o contato permitido a cada indivíduo. “Há diferença no repertório digital de cada um. A forma de usar esses recursos depende muito da familiaridade do sujeito. No caso da educação, o conhecimento tecnológico é mais refinado. Ele exige intencionalidade pedagógica e educativa. O papel do professor é auxiliar nesse processo. E, claro, precisamos lembrar que a pandemia não trouxe uma desigualdade social, ela apenas intensificou problemas que já existiam”, salienta a especialista.

A vice-diretora do Centro de Educação Infantil 203 de Santa Maria, Fernanda Freitas Prado, lembra que estudantes mais novos também enfrentaram dificuldades. O colégio onde ela atua recebe alunos de 4 e 5 anos. “No início, todos tivemos de reaprender, porque há muitas novidades tecnológicas. Mas, no ensino infantil, existe uma questão que trabalhamos nessa idade: o contato afetivo das crianças. Pensar no remoto para esses alunos foi um desafio”, conta. Para solucionar o problema, a escola disponibilizou vídeos produzidos pelas próprias professoras. “Buscamos a formação delas, o uso das mídias tecnológicas, além de programas que facilitassem esse processo e fossem condizentes com a realidade das crianças. No fim, embora o digital permita diversas ações, ele tem de ser usado com cuidado, para que não ocorra a perda da convivência e da experimentação, que são essenciais para essa fase do desenvolvimento”, acrescenta Fernanda.

Alunos que precisam de um acolhimento diferenciado também sofreram para se adaptar ao começo da pandemia e ao uso das tecnologias. Foi o caso de João Victor, 10, estudante do 4º ano. A mãe dele, a babá Ana Cláudia Carvalho, 28, conta que o filho é autista e demorou a se interessar pelas aulas on-line. “Era complicado ficar na frente da tela do computador o tempo todo. Ele é uma pessoa visual, então, interessava-se mais quando a professora aparecia no vídeo ou fazia alguma atividade diferente”, conta a moradora da Estrutural. Apesar dos desafios, Ana Cláudia considera que a adoção das ferramentas digitais tiveram pontos positivos: “Ele gosta muito de computador e informática. Esse tempo que ele ficou on-line ajudou, de certa forma, no aprendizado”.

Personalização

O Centro de Ensino Médio 3 do Gama é uma das unidades escolares do DF que apostou na introdução da tecnologia no dia a dia dos alunos. Professor de português, informática e robótica no colégio, Luiz Loiola, 56, detalha a experiência de levar isso para a sala de aula. “No início de 2020, quando o isolamento social começou, tínhamos uma condição bastante limitada, porque a experiência docente era pequena. Mas produzimos documentos, formulários, planilhas e apresentações por meio desses recursos e, a partir de meados do ano passado, percebemos que a educação com apoio das tecnologias passou a ter um avanço muito grande. Os professores evoluíram no uso delas, e os alunos se adaptaram à nova realidade”, avalia.

Com os resultados alcançados, a tendência, segundo Luiz, é colocar mais ferramentas à disposição dos estudantes e manter os benefícios adquiridos por meio da educação a distância. “Não há nem como comparar este fim de 2021 com antes de 2020. Os recursos melhoraram muito na área de ensino. Para quem acompanha a tecnologia e gosta, o avanço é claro. Hoje, temos esses recursos definitivamente implantados como parte do apoio à educação tradicional. Mas, claro, precisamos nos apoiar nos pilares deles associados às demais áreas de conhecimento”, pondera.

No colégio Pueri Bilíngue Candanguinho, a equipe apostou em aplicativos para enriquecer o ensino dos alunos. “Costumo falar que, em 2020, fizemos uma revolução tecnológica nas escolas, de forma geral, e usamos a tecnologia para manter o vínculo com os estudantes. Adotamos plataformas e jogos para deixar a situação mais dinâmica. Ampliamos o potencial de pesquisa dos alunos e melhoramos a condição de aprendizado com a facilidade no acesso a conteúdos importantes”, explica Áurea Bartoli, diretora da escola.

Ela comenta que as plataformas possibilitaram uma personalização do ensino e que os professores têm conseguido retorno sobre dificuldades particulares de cada estudante graças aos apps escolhidos pela escola. “Essas ferramentas trazem um mapeamento muito rápido das habilidades dos alunos. No ensino médio, usamos uma inteligência artificial que é capaz de mapear a qualidade de aprendizado de cada pessoa. No fim, são ferramentas que otimizam o trabalho do educador. Os mais velhos têm um aplicativo com um acervo de livros, inclusive didáticos. No fim, a cultura digital veio para ficar”, completa Áurea.

Acessibilidade

Além de auxiliar no ensino e na aprendizagem dos estudantes, equipamentos e programas de última geração têm contribuído com outro processo: o da acessibilidade. Professor de química do Instituto Federal de Brasília (IFB), Agrinaldo Nascimento Júnior faz parte do grupo de pesquisa Transdisciplinar Josué de Castro. Recentemente, os integrantes da equipe desenvolveram um módulo capaz de permitir acompanhar a umidade do solo. Agora, eles trabalham na criação de um modelo 3D do Sars-CoV-2, o novo coronavírus.

“O primeiro protótipo é para que alunos cegos consigam ter controle da umidade de solo das plantas que cultivam. Ele (o equipamento) tem um alto-falante e um sensor. Além do controlador de umidade, o grupo finaliza um modelo tridimensional, para o ensino de virologia. Com isso, buscamos promover o alfabetismo científico. O modelo 3D do Sars-CoV-2 tem botões acoplados e emite sons que descrevem a função dos principais componentes do vírus, além de contar com um visor para que um aluno surdo possa ler as mesmas informações. É um modelo inclusivo que pretendemos terminar até o fim do ano”, adianta. “Há os que sabem lidar muito bem com a tecnologia e os que têm dificuldade. Usar esses recursos não se resume a mexer na internet ou no computador. Por isso, o processo de ela ganhar novas aplicações é muito importante.”