HISTÓRIA VIVA

Brasiliense de alma, Aldo Paviani é referência na pesquisa sobre a capital federal

Obras de Aldo Paviani são conhecidas por expor a realidade de Brasília. Professor, pesquisador e doutor, ele contribuiu em diversos núcleos acadêmicos da UnB e também atuou como diretor da Codeplan

De conversa fácil, atento aos mínimos detalhes, o professor e pesquisador Aldo Paviani, 87 anos, é uma personalidade que inspira. Com uma sede de aprender e compreender cada vez melhor a cidade onde escolheu morar, Paviani se tornou referência quando o assunto é Brasília. Natural de Erechim (RS), o docente chegou à capital do país em 1969, acompanhado da esposa, Therezinha Isaia Paviani. Os dois foram transferidos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para a Universidade de Brasília (UnB), que havia sofrido perda no quadro de funcionários devido à ditadura militar.

Ele foi designado para o departamento de geociências, e ela, para o de botânica. A intenção era ficar apenas um ano. No entanto, o contrato foi renovado pelo mesmo período. Quando passaram-se os dois anos previstos, a UFSM reclamou, em virtude da retenção das vagas no Rio Grande do Sul, e o casal, que estava bem-instalado, decidiu ficar na capital federal.

Nos primeiros anos, Aldo manteve dedicação exclusiva à UnB. “Tínhamos de ficar disponíveis 44 horas semanais, inclusive aos sábados. E, como não tínhamos filhos à época, íamos nos feriados e fins de semana para a universidade. Cada um preparava suas aulas, fazia suas pesquisas”, relembra Paviani.

Apaixonado por geografia urbana, o docente se encantou pela cidade planejada por Lucio Costa. “Fiquei fascinado pelas possibilidades de estudar Brasília. Pesquisei muito e publiquei várias obras; a primeira foi em 1985: Brasília, ideologia e realidade”, destaca. Ao todo, são cerca de 10 livros colaborativos sobre a capital do país, além de publicações acadêmicas e pesquisas. Outras duas obras estão aguardando publicação pela editora da UnB para 2024.

Para Ana Maria Nogales Vasconcelos, 63, professora do Departamento de Estatística da UnB, Aldo se tornou referência nas publicações sobre Brasília. “Os livros dele foram importantes para eu conhecer a cidade onde eu moro desde os 6 anos. Sempre vivi no universo do Plano Piloto e na universidade. Só descobri Brasília de verdade depois de ler os textos do Paviani”, afirma.

“Aldo Paviani é uma pessoa que estuda muito, que mostra as dificuldades da cidade, que compreende todo o território metropolitano de Brasília. Quando recebi a missão de criar o curso de demografia na UnB, em 1993, eu pensei logo em chamá-lo para me ajudar”, conta a docente, que trabalhou com Paviani em diversos projetos dentro da universidade, incluindo o Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais, e também dividiu a atuação em pesquisas na Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), onde Aldo foi diretor de Estudos Urbanos e Ambientais.

“Trabalhamos juntos até hoje, mesmo ele agora aposentado. É uma parceria fantástica, que se estende em grupos de estudos. Quando nos reunimos, sempre há muito aprendizado. O Aldo gosta de discutir novas ideias. É aquela pessoa que respeita muito a opinião do outro e que quer aprender. Só tenho grande admiração por ele”, destaca Ana Maria. Um dos pontos que ela ressalta sobre Paviani é a forma como ele incentiva e acolhe as pessoas. “É um privilégio ter encontrado o professor Aldo. O apoio dele foi essencial em minha trajetória. Sinto uma gratidão enorme pela disponibilidade e generosidade dele”, pontua.

Se, dentro da UnB, Aldo Paviani inspirava e se tornava referência pelas publicações e forma de encarar e discutir Brasília, fora do meio acadêmico, a influência do professor também alcançou longos voos. A coordenadora do movimento Guardiões de Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade, Leiliane Cristina Lopes Rebouças, 46, afirma que toda pessoa que tem interesse em conhecer melhor a capital do país deveria ler os livros de Paviani.

“O professor Aldo tem uma enorme contribuição como pesquisador. Foram anos e anos dedicados à pesquisa sobre os diversos problemas que afetam o espaço urbano do DF, como, por exemplo, o desemprego, a ocupação desordenada, entre outros de ordem social, político-social, ambiental e geográfico”, enumera. Para Leiliane Rebouças, o pesquisador deveria ser mais ouvido pelos governantes e autoridades públicas para traçar melhores estratégias para a cidade.

Estudos

O gosto pela escrita veio muito cedo para Aldo Paviani. Quando estava cursando o segundo grau (atual ensino médio), o jovem que sempre buscava por algo novo foi trabalhar no jornal local de Erechim, A Voz da Serra, onde atuou entre 1952 e 1955. “Eu estudava contabilidade, então fui para o escritório da Voz da Serra para ser ajudante de contabilidade. Mas aí, o chefe de redação precisava de alguém que ouvisse notícias pelo rádio e as transcrevesse para serem publicadas”, relata o pesquisador que, mesmo afastado das atividades acadêmicas, ainda segue escrevendo artigos e textos que são publicados tanto em pesquisas quanto em periódicos. No Correio, Aldo contribuiu com várias publicações sobre os mais variados temas. Recentemente, por exemplo, ele trouxe uma reflexão sobre a seca na capital e a expectativa pela chegada da chuva.

Em 1957 e 1958, Aldo Paviani concluiu o bacharelado e a licenciatura em geografia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre. Inicialmente, ele entrou para o Departamento de Filosofia, Ciências e Letras, mas foi na geografia que se encontrou. Inclusive, um dos professores da PUCRS é o responsável por incentivar Aldo a estudar geografia urbana.

Enquanto estudava, ele trabalhava como contabilista no Tesouro do Estado do Rio Grande do Sul. “Era pago de acordo com a inflação. Entrava um salário altíssimo, deu até para eu comprar apartamento. Bom, quando eu desejei ser professor, chutei esse emprego rentável para longe”, pontua o docente. “Na época do governador Leonel Brizola (1959-1963), ele (Brizola) precisava de professores na rede de escola que se disseminou em todo o Rio Grande. Então, ele me deu dois contratos em Santa Maria e eu fui. Foram contratos estaduais, que me rendiam razoavelmente bem. Nessa época, eu já namorava a minha esposa. Então, juntou as duas coisas: a profissão com o namoro, que começava, até o casamento, em 1962”, explicou. Entre 1964 e 1969, fez parte do quadro de docentes da Universidade Federal de Santa Maria.

Carlos Vieira/CB/D.A Press - No Correio, o professor e pesquisador contribuiu com publicações sobre inúmeros temas

Vida e família: de Erechim para a capital do país

Aldo Paviani nasceu em 10 de janeiro de 1934. Caçula de Narcisio Paviani e Adelaide Paviani, ele se habituou a mudar de casa sempre. Três irmãs dele morreram, e o irmão tem 91 anos. Sempre mantém contato com a família que está espalhada pelo país. “Os laços familiares são uma coisa importante na vida das pessoas. Sempre me perguntam por que eu não volto para o Sul, principalmente depois que minha esposa faleceu, há sete anos, pela doença de Parkinson. A resposta é simples: eu criei raízes aqui em Brasília. Adotamos três irmãs mineiras, uma mora no Rio e é professora da PUC do Rio de Janeiro, e as outras duas moram comigo. A mais velha se aposentou como professora da Secretaria de Educação; a mais nova não quis seguir a carreira e, hoje, cuida de mim”, relata.

A relação com as filhas Maria Lúcia Nunes Rodrigues, 56, Cilene Nunes Rodrigues, 50, e Maria Silvia Nunes Rodrigues, 46, é de carinho, união e gratidão. As três vieram de uma infância sofrida, de uma família de sete irmãos. Tiveram de trabalhar para ter condições de comprar o material escolar para estudar. “Comecei a trabalhar na casa dos outros quando eu tinha 7 anos. Quando completei 9, minha irmã Lúcia foi para Brasília trabalhar como doméstica, na casa de uma família no Setor O, em Ceilândia. Eles tiveram mais um filho e queriam contratar outra pessoa para ser babá das crianças. Eu vim para Brasília com 9 anos”, conta Cilene.

No entanto, quando Maria Lúcia completou 15 anos, a família decidiu dispensá-la e ficar só com Cilene, que cuidava da casa e dos filhos dos patrões. Sem renda para se sustentar, Maria Lúcia viu um anúncio no jornal para trabalhar na casa de Aldo Paviani e Therezinha Isaia Paviani. A partir daí, a vida dela mudou. Os dois professores universitários, apaixonados pelo que faziam, incentivaram-na no campo dos estudos.

Depois, o casal conheceu Cilene, viu o potencial da jovem e também a adotou, a fim de garantir a ela o acesso à educação. “Comecei outra vida, em outra dimensão. Eu nunca tinha pisado em uma universidade quando fui a evento no laboratório de minha mãe, na UnB. Eu me encantei e tive a certeza de que queria entrar na universidade. Meus pais falaram: ‘Mas você tem de se matar de estudar’. E eu respondi: ‘Mas eu quero ir para lá amanhã’”, relata Cilene.

Inspirada pela figura de Aldo e Therezinha, ela estudou. Entrou para a UnB, fez mestrado e, anos depois, passou para um doutorado nos Estados Unidos. No entanto, precisou lidar com uma difícil decisão: “No dia em que fui para o aeroporto (para embarcar para os EUA), eu não quis ir mais. Não queria deixar o pai e a mãe. Ela estava muito doente. Como poderia deixá-los sozinhos?”, recorda-se.

Pouco depois, Maria Silvia — irmã mais nova de Maria Lúcia e Cilene — entrou na vida do casal, para cuidar de Therezinha, que estava bastante debilitada pelo Parkinson. A caçula também ingressou na universidade, no curso de geografia, e, atualmente, cuida de Aldo.

Recentemente, as três irmãs entraram com um pedido na Justiça para ter os sobrenomes Isaia e Paviani nos documentos de identificação delas. O pedido foi aceito e, agora, elas aguardam os trâmites legais para oficializar os registros.

Algumas obras de Paviani

Brasília, ideologia e realidade (1985)

Urbanização e metropolização — A gestão dos conflitos em Brasília (1987)

Brasília: a metrópole em crise (1989)

Brasília: a conquista da cidade (1991)

Brasília: moradia e exclusão (1996)

Brasília — Gestão urbana: Conflitos e cidadania (1999)

Coletânea Brasília controvérsias ambientais (2003)

Brasília: Dimensões da violência urbana (2005)

Brasília 50 anos: da capital à metrópole (2010)