Entrevista Maria Alice Toledo, médica e psicogeriatra

Alerta para o Alzheimer 

Em entrevista ao CB. Saúde, especialista em geriatria e psiquiatria da UnB falou sobre a doença e seus impactos na pandemia

A médica especialista em geriatria e psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB) Maria Alice Toledo, entrevistada pela jornalista Carmen Souza, ontem, no CB.Saúde — uma parceria da TV Brasília com o Correio — alertou para a importância de se falar sobre o Alzheimer. “A estimativa é de que a gente tenha cerca de 50 milhões de pessoas no mundo com demência, e o Alzheimer é a mais prevalente. A projeção para 2050 é de 132 milhões”, destacou. A médica falou da relação entre a pandemia e o Alzheimer, sobre quais são os fatores de risco e como se prevenir, desde a infância, para que, caso exista a possibilidade de uma demência, ela seja tardia. Confira trechos da entrevista:


Por que precisamos falar sobre o Alzheimer?
Precisamos falar o ano todo, mas é importante ter o mês de conscientização (setembro), porque dá mais holofote. É um problema que vem aumentando muito. A estimativa é de que a gente tenha cerca de 50 milhões de pessoas no mundo com demência, e o Alzheimer é a que mais prevalece. A projeção para 2050 é de 132 milhões. Você pensa no peso que isso tem não só para os familiares, mas para os gastos públicos. Uma estimativa americana diz que, atualmente, se gasta cerca de
U$ 800 milhões relacionado aos cuidados desses pacientes. Temos que pensar e falar sobre estratégias, em nível pessoal e de saúde pública. Estudos de um grupo da Organização Mundial da Saúde (OMS) identificaram que existe uma porcentagem (60%) de fatores de risco para o Alzheimer que não são modificáveis. Dentre eles, estão os fatores genéticos. Esse comitê identificou que 40% desses fatores são modificáveis. O Brasil está muito ruim em relação à prevenção e é um dos países com maior prevalência da doença.

Quais são os fatores que podem ser evitados?
A gente começa a prevenir o Alzheimer desde a infância, dando educação formal para as crianças. Se as crianças estão na escola, você já está prevenindo a doença lá na frente. Os fatores modificáveis são dois grandes grupos: ou você aumenta a reserva do cérebro ou evita que o neurônio tenha lesão. Na faixa de adulto/jovem, a gente previne lesão vascular, tratando hipertensão. O indivíduo tem que ter acesso, inclusive, à medicação e à saúde. Prevenir obesidade, diabetes, atividade física, tabagismo, ingestão de álcool e prevenção de traumas.

Quais os impactos da pandemia em pacientes idosos e com demência?
Por ser a faixa etária de maior risco, o idoso ficou em isolamento mais restrito. Com isso, houve quadros de adoecimento mental, depressão e ansiedade. No isolamento, quanto menor a estimulação de pacientes com quadro de demência, mais se acelera a perda cognitiva. Então, uma das coisas que a gente indica é a estimulação cognitiva.

Uma das sequelas da covid é a perda da memória. Isso significa que, futuramente, a pessoa desenvolverá alguma demência ou Alzheimer?
Ninguém sabe, mas é verdade. Há uma tendência que se chama neurocovid. Aqui em Brasília, o Hospital Sarah e a UnB (Departamento de Psicologia) estão abrindo grupos de estimulação cognitiva pós-covid. Tive pacientes que tiveram algo (perda de memória) temporário, mas em alguns ainda persiste. E até pacientes um pouco mais jovens. Será que daqui a um tempo vai haver alguma reversão ou será que daqui a alguns anos vai contribuir para o Alzheimer? Ninguém sabe exatamente o que esse vírus está ocasionando no organismo.

Quais são os sinais a que o indivíduo e os familiares têm de ficar atento?
A gente tem dois grandes grupos de sintomas: o esquecimento, que na verdade existe um preconceito, no sentido de que o idoso começa a esquecer — “ah, mas também tá velhinho, né?” — e não ficam atentos para investigar isso. Porque quanto mais precoce esse diagnóstico, mais chance a gente tem de tentar diminuir a velocidade de progressão. Há, também, o sintoma comportamental, quando o idoso começa a mudar o jeito de ser, a personalidade, que nunca falou palavrão e começa a falar, começa a fazer alguns comentários inadequados. É importante estar atento.

Descoberto o Alzheimer, o que fazer, pensando na pessoa e nos familiares?
Modifica tudo, na verdade. O diagnóstico deve ser feito com certo grau de segurança. Infelizmente, hoje em dia, vemos pessoas que fazem o diagnóstico meio precipitado, mas é algo que tem impacto, inclusive jurídico. Pode ser passível, dependendo do contexto, de ser questionado judicialmente ou haver restrição de direito do próprio indivíduo. É uma coisa que você tem de fazer com muita cautela. A parte mais fácil de todo o processo é fazer o diagnóstico por meio do conhecimento, porque depois é a questão de você sentar e organizar a vida dessa família. Envolve um cuidado multidisciplinar. Infelizmente, não há um grande apoio governamental. É caro do ponto de vista privado, e envolve cuidado de terceiros. Se a família não tem dinheiro para contratar um cuidador, alguém para de trabalhar para cuidar desse paciente. Mais de 80% dos cuidadores vão desenvolver quadros depressivos. É uma situação muito sofrida.

* Estagiária sob a supervisão de Adson Boaventura