Os gramados sem vida e amarronzados, que marcaram os últimos meses na capital federal, começam a ficar para trás. Chegou a hora dos brasilienses se despedirem do calor e da seca e darem boas-vindas a dias mais amenos, afinal, a primavera chegou. Entretanto, o conforto térmico da estação não será sentido tão cedo, ontem, a estação meteorológica de Águas Emendadas, em Planaltina, registrou a temperatura máxima de 37,1ºC, o maior índice térmico do ano e a maior média para o mês de setembro desde o início da série histórica, em 1961. A boa notícia é que especialistas acreditam que, a partir de agora, os termômetros devem dar uma trégua e as chuvas, inicialmente pontuais, trarão alívio para a população e para flora e fauna do cerrado, que, no último mês, enfrentaram 1.235 focos de incêndio.
Metereologistas acreditam que as primeiras pancadas de chuva da primavera acontecerão amanhã e no fim de semana. Ontem, a umidade mínima relativa do ar ficou em 12%, o recorde mínimo do ano foi 10%, em 19 de setembro, no Gama e em Águas Emendadas. Com as precipitações de água, o índice tende a ficar entre 20 e 25%. Entretanto, as chuvas ocorrerão em pontos isolados, somente em outubro as chuvas ficam frequentes.
Antes dos 37,1ºC, a maior temperatura de 2021 tinha sido de 35,9ºC, em 6 e 20 de setembro. Para hoje não haverá oscilações bruscas, pela manhã, a temperatura fica em 16º C e, à tarde, pode chegar a 37ºC. A umidade vai se manter baixa, com mínima em 12% e máxima por volta de 60%, conforme informações do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
A primavera promove uma mudança no regime de chuvas e temperaturas na maior parte do Brasil. No DF, não é diferente, as chuvas passam a ser mais intensas e frequentes e começam as precipitações no fim da tarde ou início da noite. No começo, a chuva ocorre de forma irregular e intercalada com períodos secos, mas aumenta a frequência até que os temporais efetivamente lavem a cidade e se tornem companhia constante dos brasilienses.
De acordo com a meteorologista do Inmet Andrea Ramos, a previsão é que caia um volume de chuva de 160mm em outubro. Segundo ela, levará de uma a duas semanas para a climatologia entrar num estágio de normalidade. “Ainda veremos dias quentes e secos no início, mas já com previsão de chuva, gerada pelo aumento gradativo da umidade relativa do ar”, explica. A especialista afirma que há um bloqueio atmosférico que atua durante o inverno, mas enfraquece com a nova época. “Esse bloqueio perde a força e permite que os sistemas atuem. Combinada com o calor e a umidade que vem da Amazônia, gera nuvens e possibilita as chuvas”, esclarece.
Cores do cerrado
Moradora da quadra 308 Sul, a servidora pública Lívia Maria Lages Pedrosa Portela, 39 anos, conta que é natural do Piauí e, desde que se mudou para Brasília, encantou-se pelo Plano Piloto. Isso porque o espaço ilustra as mudanças da primavera, já que possui muitas árvores e espécies que explodem em cores nesse período do ano. “Aqui, a gente encontra a natureza a qualquer momento, porque ela se faz presente por onde andamos. Meu cobogó fica em frente a algumas árvores, e posso viver pertinho desse ambiente calmo e relaxante”, diz.
Casada, mãe de dois filhos, ela conta que a chegada da estação instiga, ainda mais, a família a sair de casa para caminhar e passear a pé. Tudo isso para aproveitar a vista. “É bom demais sair, ter contato com a natureza, ouvir o canto dos passarinhos. Isso pode ser um detalhe pequeno, mas cria lembranças para minha família”, garante. Além da paisagem, o alívio para os dias de calor é outro atrativo, motivo de festa: “A gente sofre muito, porque viemos de um lugar muito úmido. Mas nos acostumamos e aproveitamos a vida, a seca, o calor. Afinal, somos do Piauí, e quem é de lá não pode reclamar muito”, brinca.
Segundo o biólogo e professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub) Stefano Aires, a estação chuvosa e a umidade são o que possibilitam a floração característica do período. “A umidade dá mais disponibilidade de água para as plantas, dando mais facilidade para que elas puxem os nutrientes do solo. Com o fluxo maior de água, elas conseguem aproveitar os nutrientes e usar essa energia para a reprodução de flores e, posteriormente, frutos e sementes”, explica. Dentre as flores mais comuns estão: fúcsia, sapucaia, flamboyant e o cambuí. “Dentre as frutíferas, terá início a estação do cajuzinho do cerrado, que é uma delícia e vale a pena provar”, recomenda Stefano.
Ele também destaca que a mudança de paisagem vai além das flores, insetos que andaram sumidos voltam durante a primavera. “Começamos a ter as cigarras, com o início das chuvas e, um pouco mais para frente, vamos ter os besouros. Aumenta, também, a quantidade de mosquitos, porque o calor vai continuar”, diz. O sumiço dos insetos se justifica pelo pouco recurso durante a seca.
De acordo com as moradoras da Octogonal, a advogada Camila Pitanga Barreto, 31, e a mãe dela, a aposentada Cláudia Pitanga Barreto, 60, a chegada da primavera traz o que o brasiliense mais deseja no momento: chuva! “Você sente a alma em festa”, afirma Camila. Ela conta que sai todos os dias para caminhar com a filha. Naturais da Bahia, elas sentem falta de admirar o mar e, desde que se mudaram para Brasília, as flores têm substituído as ondas com maestria. “Moramos aqui há 21 anos, e lá nossa casa fica próxima à praia, que é o meu lugar favorito. Ver, sentir, e ouvir o aroma da maresia. Aqui, sinto a mesma paz de espírito ao caminhar quando vejo as flores colorindo o ambiente”, diz Cláudia.
Enquanto caminham, elas apreciam os primeiros tons do colorido primaveril. As árvores frutíferas no caminho garantem degustações descompromissadas. “Tem manga, jabuticaba, jambo, são várias. Aproveitamos durante a caminhada para dar uma comidinha, unimos o útil ao agradável, e nos alimentamos bem ainda”, diz. A advogada ressalta, ainda, a importância de zelar por esses pomares urbanos. “Em meio a tudo isso, sempre cuidando e preservando o que temos à nossa volta, para que essa riqueza cuide da gente também”, diz.