Eixo capital

A luta de quem procura ajudar os desassistidos

Nesse momento em que milhões de brasileiros se encontram em situação de vulnerabilidade social, um segmento da sociedade que poderia ajudá-los enfrenta dificuldade: a defensoria pública. Segundo dados da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos Federais (Anadef),
a atuação dos defensores públicos federais cobre apenas 29% do território nacional.

Auxílio emergencial
Em 2020, esses profissionais foram importantes, por exemplo, para socorrer pessoas que tentavam receber auxílio emergencial (foto), mas não tinham meios para contratar uma assistência jurídica. Foram 575 mil atendimentos, desde o primeiro contato até o esclarecimento se, afinal, o candidato tinha direito ao benefício concedido pelo governo federal.

PEC de 2014
Eduardo Kassuga, presidente da Anadef, lembra que a Emenda Constitucional nº 80, de 2014, determina a presença de defensores públicos federais em toda localidade onde há uma sede do Poder Judiciário. A PEC estabeleceu o prazo de oito anos para o cumprimento da norma. Passados sete anos, a situação está longe de refletir o que consta na lei.

Serviço assistencial
As travas orçamentárias impostas pela PEC do teto de gastos e a complexidade da reforma administrativa, em um momento de restrição de recursos, são outros obstáculos para ampliar o trabalho dos defensores federais. “O desafio da Defensoria Pública da União é demonstrar que presta um relevante serviço assistencial”, defende Eduardo Kassuga, eleito presidente da
associação em julho.

No Supremo
Há outras frentes: a Procuradoria Geral da República ingressou com 22 ações diretas de inconstitucionalidade contra as atividades da Defensoria Pública. Duas delas estão previstas para irem ao plenário do Supremo Tribunal Federal (STF).

Conselheiro
O promotor de Justiça em Brasília Moacyr Rey Filho (foto) toma posse amanhã no Conselho Nacional do Ministério Público. Integrante do Ministério Público do DF desde 2004, Rey Filho é chefe de gabinete da procuradora-geral de Justiça, Fabiana Costa. A indicação para o CNMP foi aprovada pelo plenário do Senado no final de agosto, após um ano e meio de espera. Na sessão, ele recebeu elogios do senador Izalci Lucas (PSDB-DF) e Soraya Thronicke (PSL-MS).

Olhos no Senado
O Senado deve votar, na próxima semana, a mudança na legislação eleitoral. A proposta traz de volta as coligações entre os partidos apenas para as eleições proporcionais de deputados e vereadores. A PEC enfrenta resistência entre senadores, mas as coisas mudam tanto no Brasil de hoje que tudo pode acontecer, inclusive nada.

Mandou bem
O Senado se prepara para devolver, na próxima semana, a medida provisória editada pelo Planalto que dificulta o combate à desinformação e à violência nas redes sociais. Um parecer jurídico vai embasar a resposta.

Mandou mal
A toque de caixa, a Câmara dos Deputados aprovou um calhamaço de 900 artigos sobre o Código Eleitoral, com clara finalidade casuística. Espera-se que o Senado adote a habitual cautela ao examinar a matéria.

Convergência brasiliense
A reforma das quadras 500 na W3 Sul, com reconstrução das calçadas e estacionamentos e nova iluminação pública, reúne uma rara convergência de esforços em favor de Brasília. Na entrega das obras da 507/508 Sul, na última quinta-feira, chamou a atenção a união entre representantes do Executivo, do Legislativo e do setor empresarial. Foi aos empresários locais, por sinal, que o governador Ibaneis Rocha dirigiu um especial agradecimento.

Sem materialidade
A pré-candidata à presidência da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB/DF), Thaís Riedel, perdeu uma representação na última quinta-feira, na qual acusava a subseção da OAB de Ceilândia por usar o laranja em publicações nas redes sociais, cor que representa o movimento antagonista OAB no Rumo Certo. No voto, o Conselho Federal da OAB entendeu que “não há prova da materialidade da infração” e negou o pedido da candidata.

Emblemático
Por sinal, comemoram-se hoje os 40 anos do Memorial JK. É uma boa ocasião para celebrar a trajetória do fundador de Brasília e admirar, mais uma vez, uma das imagens mais emblemáticas da capital: a estátua do fundador com acenos para os brasileiros (foto). Ou para a eternidade.

Na pauta do STJ
A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça julga, na próxima terça-feira, recurso da Terracap em que pede a nulidade de decisão do Tribunal de Justiça do DF e Territórios que entendeu ser a companhia inadimplente, por não cumprimento de contrato, ao não instalar redes pluviais em um imóvel vendido em Ceilândia. Com esse juízo, o TJDFT assegurou ao comprador, uma indústria de beneficiamento, o direito de rescisão judicial do contrato. A Terracap pede no STJ a reforma do julgado para afastar o direito do adquirente à rescisão e à restituição dos valores.

PSL liberal
Com o ministro da Justiça, Anderson Torres (foto), entre os possíveis candidatos em 2022, o diretório regional do PSL pretende defender uma agenda econômica liberal nas eleições. A ideia é buscar soluções para a geração de empregos, particularmente no pós-pandemia. “Acredito na boa política, aquela que busca o bem comum, o desenvolvimento econômico, humano e social”, conclui Marcos Arruda, presidente do PSL-DF e colaborador de Torres quando o ministro atuou como secretário de Segurança do DF.

Referência
Brasília avança no atendimento à primeira infância. A Universidade de Brasília (UnB) vai receber uma creche com capacidade para atender 180 crianças e um Centro de Pesquisa em Primeira Infância, para dar apoio aos estudos dos alunos de pedagogia. O Hospital Universitário de Brasília (HUB) terá uma unidade destinada a crianças e adolescentes, que também servirá como aprendizado aos estudantes da saúde. Os investimentos totalizam R$ 14 milhões, em emendas da deputada federal Paula Belmonte (Cidadania-DF).

À QUEIMA-ROUPA
Jorio Dauster

No próximo dia 15, o embaixador Jorio Dauster participa do Foro Inteligência, onde será debatido o recall político, uma das possíveis soluções para conter os solavancos do regime presidencialista no Brasil. O diplomata aposentado conversou com a coluna sobre o tema.

Por que o recall político ajudaria a remediar a crise política?
O recall político é uma ferramenta da democracia participativa que permitiria ao próprio eleitorado cassar o mandato de um presidente que se revelasse desonesto, inoperante ou incompetente, perdendo, assim, a capacidade efetiva de governar. Representa um grande avanço em relação ao impeachment, que é um processo extremamente lento e complexo, só pode ser acionado monocraticamente pelo presidente da Câmara de Deputados, exige que o presidente haja cometido crime de responsabilidade e, no fim das contas, pode ser obstruído por um terço mais um dos componentes de cada casa do Congresso. E isso tudo com o povo assistindo, inerme, das arquibancadas.

O presidencialismo de coalizão
é um embuste?
O presidencialismo de coalizão não é um modelo doutrinário nem um sistema de governo, mas apenas um expediente político pelo qual o Poder Executivo busca apoio no Congresso, em geral distribuindo ministérios, cargos públicos e outras benesses (muitas delas pouco republicanas) aos partidos que lhe garantam alguma sustentação. Nesse sentido, ele é mais que um embuste, e sim a trágica consequência da fragmentação e descaracterização dos partidos políticos que se acentuou, a partir de 2006, quando o Supremo Tribunal Federal derrubou a lei ordinária que criava uma lei de barreira razoável. Daí termos hoje 34 partidos registrados no TSE e outros 76 (pasmem!) em processo de formalização, a grande maioria deles meros balcões de negócios. Alguma coalizão se faz em torno de princípios doutrinários, de metas programáticas? Ou tudo se resume a perguntar: “Quanto custa essa coalizão?”

O senhor critica regimes híbridos, como o semipresidencialismo. Por quê?
A razão fundamental está dada na resposta anterior. Não tenho dúvida de que o parlamentarismo é, em tese, um sistema superior ao presidencialismo pois está mais próximo da vontade do eleitor ao longo de todo o tempo (e não apenas no dia da eleição do primeiro mandatário), além de permitir mudanças na condução das coisas públicas caso as diretrizes em execução se revelem insatisfatórias. Com nossas enraizadas tradições políticas, seria mesmo possível acreditar que um presidente eleito com dezenas de milhões de votos iria dividir o poder com um primeiro-ministro pinçado naquele amontoado informe de partidos políticos? Se o presidencialismo de coalizão já é instável (e custoso), o que seria desse semipresidencialismo caboclo?

O recall político não resolve a profusão de partidos no país. Como solucionar isso?
Como vimos, o pecado original vem de longe, tendo permitido, em 15 anos, a criação dessa geleia partidária que tende a aumentar. Somente o Congresso pode solucionar o problema, mas aí temos um caso típico de atribuir às raposas a segurança do galinheiro. Em 2017, foi aprovada uma reforma da Constituição que recriou a cláusula de barreira para os partidos políticos terem representação na Câmara dos Deputados (embora seu propósito fundamental fosse restringir o acesso de agremiações menores aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV na propaganda eleitoral). Mas se trata de um mecanismo anêmico, com exigências modestas e aplicação gradativa até 2030. Segundo os analistas, na melhor das hipóteses isso ainda deixaria vivas mais de 15 legendas...
O recall político é amplamente usado nos EUA, mas jamais foi aplicado para um cargo da magnitude de um presidente da República. As eleições não são suficientes para sacramentar a vontade popular?
O recall político tem longa história e se reveste de características diferentes em cada país onde é ou foi adotado. Nos Estados Unidos, não está constitucionalmente prevista sua aplicação em nível federal, mas hoje é utilizado na maioria dos estados e já serviu para destituir dois governadores e inúmeros senadores, prefeitos e outros funcionários eleitos pelo voto direito. O princípio do recall político é que é sempre o mesmo, independentemente das peculiaridades locais: quem com o voto elege, com o voto pode destituir.

Criar outras maneiras de interromper o mandato presidencial, afora o impeachment, não provocaria mais instabilidade?
Certamente isso poderia ocorrer caso não se estabelecessem rígidas disciplinas para o acionamento do mecanismo. Mas, na prática, o problema está muito bem resolvido na PEC sobre o recall político aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado em 2017. Ali se estabelece que a proposta deve ser submetida por eleitores em número não inferior a um décimo dos que compareceram à última eleição presidencial, distribuídos por pelo menos catorze estados, cada um deles com não menos de cinco por cento dos eleitores que votaram no referido pleito. Ademais, é vedada qualquer proposta de recall durante o primeiro e último anos do mandato presidencial, bem como a apreciação de mais de uma proposta por mandato.

Mas há um problema na PEC
que tramita no Senado.
Infelizmente, na PEC aprovada pela CCJ, esse instrumento de democracia popular é conspurcado pela necessidade de que a proposta de recall seja apreciada pela Câmara de Deputados e pelo Senado Federal, sucessiva e separadamente, e considerada aprovada apenas se obtiver o voto favorável da maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas. Ou seja, cria-se um filtro ilegítimo antes da realização do plebiscito, podendo 257 deputados ou 41 senadores contrariar a vontade de mais de 10 milhões de eleitores distribuídos por mais da metade dos estados brasileiros. Faria melhor o Senado propondo uma dupla iniciativa para o recall: a do pedido popular e a originada no Congresso por maioria de seus membros.

Na América Latina, o recall político favoreceu Chávez e Morales, que se perpetuaram no poder. Maduro conteve a iniciativa para se manter presidente. Esse instrumento é eficiente contra o populismo?
A natureza democrática do recall significa que ele pode permitir também que o presidente ganhe o plebiscito e, reafirmada sua autoridade, até mesmo supere as dificuldades que geraram dúvidas em boa parte da população acerca de sua capacidade de governar. Chávez e Morales, para o bem ou para o mal, foram confirmados por seus eleitores, e não há como questionar a vontade reiterada do povo. Já a luta exitosa de Maduro para impedir que o mecanismo fosse acionado é prova de que esperava ser derrotado — e prova de que, na Venezuela, não existe um regime democrático. Mas o recall não é uma panaceia, e, sim, mais uma opção na caixa de ferramentas de que cada país dispõe para evitar crises institucionais como a que estamos vivendo no Brasil.

E quanto ao populismo?
O populismo só pode ser combatido pela crescente conscientização do eleitorado, fruto de um processo civilizatório que passa pela redução das desigualdades sociais e, sobretudo, pela educação. No entanto, como estamos vendo em todo o mundo, mesmo em sociedades mais maduras o populismo ganha força através das redes sociais graças à divulgação de fake news, à exploração dos sentimentos preconceituosos, à exacerbação nacionalista. E ainda não há vacinas de efeito reconhecido contra essa grave pandemia.