Conhecido como berço das águas do Brasil, o cerrado é o nascedouro das principais bacias hidrográficas do continente sul-americano e abriga abundância de espécies de flora e fauna. Uma riqueza que não impede as ameaças que o bioma enfrenta para garantir o futuro hídrico do país e a subsistência de comunidades tradicionais. No Dia Nacional do Cerrado, celebrado hoje, especialistas reforçam a importância do surgimento de iniciativas de preservação, que crescem em meio ao grito de socorro desse bioma.
Segundo o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, elaborado pelo MapBiomas, em 2020, o cerrado perdeu 432.183 hectares de vegetação nativa, 31% do total. Juntos, Amazônia e cerrado concentraram 92,1% das áreas desmatadas em todo o território nacional em 2020. No DF, o desmatamento equivale a 0,12%, o que corresponde a 362,09 quilômetros quadrados, o equivalente a mais de 50 campos de futebol. Os dados são do projeto Prodes Cerrado, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
De acordo com o biólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Ricardo Bomfim Machado, o cerrado é o bioma mais ameaçado, pois sofre constantemente com queimadas e desmatamentos. “ Hoje, o único instrumento que o cerrado tem para garantir sua proteção é o Código Florestal, que não é tão eficaz como deveria”, destaca.Para Ricardo, não basta aumentar a fiscalização e aplicar multas. “Acredito mais no envolvimento do cidadão como consumidor consciente. Isso significa ter informação suficiente para decidir na hora de comprar um produto, por exemplo. As pessoas precisam se envolver mais nas questões ambientais”, ressalta.
Guardiões das águas
Quem compreendeu a urgência do tema ambiental se reúne em grupos de voluntariado que procuram fazer a diferença para a manutenção do cerrado. O grupo Guardiões de Águas Emendadas (GAE) reúne pessoas com o objetivo de contribuir para a preservação da Estação Ecológica Águas Emendadas (Esecae), considerada uma das mais importantes reservas naturais do DF e do Brasil. Localizada no extremo nordeste do DF, a uma distância de 50km do centro de Brasília, a reserva é singular. Ela possui veredas — cursos d’água — que alimentam duas grandes bacias hidrográficas, como a do Rio Maranhão, que deságua no Rio Tocantins; e a do São Bartolomeu, que flui para a Bacia do Rio Paraná.
Idealizador e coordenador do projeto, Marcelo Benini, 51 anos, mora em uma chácara próxima da região e conta que desde 1983 incentiva a conservação do espaço. “A GAE é uma iniciativa para atuar em locais em que o poder público não alcança. Tentamos reunir pessoas que desejam trabalhar pela preservação dessa região, desse bioma. Não adianta cuidar só da estação, que é papel do governo, precisamos fazer nossa parte para que dê certo”, ressalta.
A GAE promoveu a iniciativa Mudas Silvestres Gratuitas, em parceria com o projeto Reflorestar, da Secretaria de Agricultura (Seagri). O programa conta com o apoio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), que visita propriedades, faz um levantamento de áreas de reserva que precisam ser recuperadas e inscreve o produtor no programa para receber mudas silvestres típicas da região.
Importância e beleza
Além de ser fonte de captação hídrica para o abastecimento público da região, operada e mantida pela Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb), Águas Emendadas é reconhecida por organismos internacionais. Em 1992, a Estação Ecológica passou a integrar a área-núcleo da Reserva da Biosfera do Cerrado, criada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Em 2018, a Esecae tornou-se o sexto lugar do mundo e o primeiro da América Latina a receber o Escudo de Água e Patrimônio do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos-Holanda).
Apesar do reconhecimento, ações de monitoramento e defesa são necessárias. Na última terça, o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) combateu um incêndio na unidade. As chamas começaram na segunda, às 14h30, e durou mais de 5h30. Para evitar novas ocorrências, mais de 10 hectares da Estação Ecológica de Águas Emendadas foram fiscalizados para evitar a reincidência e, mesmo assim, dias depois, a corporação precisou voltar ao local para um novo combate às chamas.
De acordo com os técnicos ambientais da estação, Alipio Pires Quintanilha e Webius Luiz da Silva, é preciso conscientização sobre a importância das reservas florestais. “Podemos cuidar, tratar e ministrar, mas, se os moradores e visitantes não fizerem a sua parte, fica difícil. O incêndio aqui foi criminoso, e já aconteceram outros”, diz Webius. De acordo com ele, queimadas dessa magnitude afetam a fauna e flora da região, além de impactar o sistema hídrico.
Para promover o debate quanto à importância do cerrado, o Instituto Federal de Brasília (IFB) realiza atividades de educação ambiental e projetos de ensino, pesquisa e extensão. Recentemente, foi lançado o livro Sistemas Silvipastoris com Árvores Nativas no Cerrado, resultado de uma parceria entre o instituto e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que aborda novos caminhos para a implantação de Sistemas Silvipastoris, que combinam silvicultura — métodos de reflorestamento — e pecuária, para gerar produção complementar e interação positiva entre árvores, capim e gado. “O livro é inovador, pois mostra a possibilidade de trazer a biodiversidade para dentro dos sistemas produtivos, áreas de agropecuária, beneficiando a própria atividade. Ele traz caminhos para conciliar produção com conservação”, afirma a autora do livro, professora do IFB e doutora em ciências florestais, Elisa Bruziguessi.
Ações do governo
A Secretaria do Meio Ambiente do Distrito Federal (Sema-DF) também possui medidas que convergem para a recuperação do cerrado. De acordo com o secretário da pasta, Sarney Filho, além da recuperação da vegetação nativa, sobretudo em áreas de preservação permanente e recarga de aquíferos, há projetos para recuperação de nascentes e áreas degradadas, implantação de sistemas agroflorestais e medidas como a capacitação de agricultores para produção mais sustentável de alimentos.
Dentre as iniciativas de preservação, a Sema-DF promove o combate às mudanças climáticas. A partir de um inventário atualizado das emissões de gases do efeito estufa, a pasta elaborou uma Contribuição Distritalmente Determinada (CDD). “Definimos planos distritais de mitigação do aquecimento global e adaptação aos seus efeitos adversos”, ressalta Sarney Filho.
Segundo o chefe da pasta, durante a Semana do Cerrado, que se inicia hoje, é possível dar destaque a essas iniciativas, o que ajuda na campanha de educação que trata da importância do bioma. “Durante o período, a Sema-DF, suas entidades vinculada organizam uma agenda intensa de atividades voltadas à conscientização da população, para a adoção permanente de práticas sustentáveis e para a necessidade de proteção do bioma. São eventos que geram grande engajamento social, nos permitindo informar, muitas vezes de forma lúdica, sobre a importância e os riscos do cerrado, bem como as políticas públicas desenvolvidas para sua proteção”, diz.
Você sabia?
11.627 espécies de plantas nativas estão catalogadas no cerrado
Mais de 220 espécies são de uso medicinal
416 espécies podem ser usadas na recuperação de solos degradados
Mais de 10 tipos de frutos comestíveis são regularmente consumidos e vendidos
20% das espécies nativas e endêmicas da flora estão em risco de extinção