Às 8h46 de 11 de setembro de 2001 a cidade de Nova York foi atingida com um golpe que marcaria para sempre não apenas a história dos Estados Unidos, mas também a do mundo. Um avião comercial atingiu em cheio uma das torres gêmeas do Word Trade Center. Dezessete minutos depois, um segundo avião acabou com a vida de outras centenas de pessoas na segunda torre.
A partir daí, o mundo inteiro parou para entender o acidente, que em poucas horas foi descoberto como um atentado. A organização fundamentalista islâmica Al Qaeda estava por trás do sequestro dos aviões comerciais que colidiram intencionalmente com um dos maiores símbolos dos EUA. Outros dois aviões atingiram o Pentágono, a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos e um campo aberto em Pensilvânia. Era o início de uma grande guerra e de uma iminente luta de poderes que envolveria todo o globo.
Vinte anos depois, a memória do atentado ainda permanece vívida na humanidade. Em Brasília, há aqueles que lembram até mesmo das sensações físicas ao saber do atentado e de como o ataque terrorista mudou o dia de quem até mesmo não morava nos Estados Unidos. O Correio conversou com quatro personalidades do Distrito Federal para saber onde elas estavam e o que faziam no avassalador 11 de setembro. Confira:
Terceira Guerra Mundial?
Como professor de ciência política e história, Israel Batista, 39 anos, sempre teve nas escolas e salas de aula um local de conforto e segurança. Foi entre carteiras e alunos que ele viu o familiar cenário de concentração e conhecimento ser invadido por uma onda de apreensão e medo em 11 de setembro de 2001.
Aos 18 anos, a data da tragédia seria mais um dia em que o atual deputado federal (PV-DF) daria aula no cursinho popular que criou com amigos para auxiliar estudantes a passarem no vestibular, sem pagarem um valor caro por isso. Pontual e dedicado, a aula de história do professor Israel começou, mas não foi concluída.
Minutos depois das 9h46, horário de Brasília, primeiro ataque às Torres, a direção do cursinho interrompeu as aulas e reuniu professores e alunos. Na sala dos docentes estava uma televisão que foi dividida por dezenas de olhares curiosos para saber o que a imagem de um avião em uma torre em Nova York poderia significar não só para os estadunidenses, mas também para o mundo.
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“Enquanto a gente assistia aconteceu o segundo impacto. Acompanhamos ao vivo praticamente. Enquanto todos estavam em choque, eu lembro que uma das professoras de geografia estava com livros e papéis na mão e quando viu o ataque tudo caiu, enquanto ela falava ‘é a terceira guerra mundial’”, lembra Israel.
Apesar de estar, à época, há apenas pouco mais de um ano no curso de ciência política na Universidade de Brasília (UnB), o professor já entendia a gravidade que um ataque daquele iria proporcionar.
“Lembro que eu e a professora começamos a tentar entender se seria uma terceira guerra mesmo, pensava como isso ocorreria com um avião comercial, quem atacaria os EUA. Tava tudo muito confuso naquele momento, não tínhamos certeza de nada ainda”, conta.
Com o segundo ataque, alunos de Israel e colegas de classe do professor passaram a se preocupar também com amigos e familiares que estavam nos Estados Unidos. Ele afirma que todos achavam que qualquer morador do país estava em risco. O clima tenso causou a suspensão das aulas e todos foram aconselhados a irem para casa.
“Havia uma angústia muito presente, a dificuldade de comunicação com o EUA era muito forte. A gente não entendia muito bem, não havia esse mundo da internet que temos hoje, que as informações transitam velozmente. A gente tinha que esperar a religação das linhas telefônicas e os boletins na televisão. Foi um momento de muita angústia”, lembra.
No dia seguinte e nos outros, a UnB organizou debates sobre o atentado e encontros para que alunos e docentes entendessem o que seria um momento histórico da humanidade. Israel participou de quantos pôde e estudou cada vez mais sobre o assunto. Chegou a fazer debates com os próprios alunos do cursinho popular.
“Havia uma curiosidade geral sobre o tema. Começaram a surgir naquele momento, com mais força, alguns nomes que não eram tão difundidos, como Osama Bin Laden e Al Qaeda”, diz.
“Foi um momento que a gente entendeu que estava se estabelecendo uma nova ordem mundial pós Guerra Fria, que haveria uma disputa diferente da que estávamos acostumados, que era entre nações e países, e que, agora, as guerras poderiam se tornar guerras fragmentadas”, lembra.
Israel diz que foi o começo de um novo mundo e de entendimento de mundo. “Foi muito marcante e chocante. Mesmo à distância, havia um sentimento de preocupação imenso com o que podia acontecer com o futuro do mundo”, frisa.
De alunos até professores de Israel, o termo Terceira Guerra Mundial foi utilizado não só de maneira literal, mas mais como uma tradução do sentimento coletivo “para descrever a sensação de incerteza e insegurança que passamos a viver dali”.
O baque na nova fase de vida
A brasiliense Adriana Nunes, de 51 anos, é bastante conhecida por trazer humor e sarcasmo a fatos históricos recentes. Em 10 de agosto, ela viralizou nas redes sociais ao parodiar, no dia do Desfile dos Blindados na Esplanada dos Ministérios, um famoso vídeo de uma professora de ginástica do Myanmar que, sem querer, gravou o golpe militar do país enquanto performava em uma aula ao vivo em uma rede social.
Se voltarmos no tempo, uma edição atualizada do espetáculo Notícias Populares, criado em 2000, inclui o debate dos “homens bombas”, o quadro chamado Mohamed, que planejam um ataque aos EUA. Nele, Adriana é uma jornalista que introduz o contexto de que os EUA tem uma nova “história recente” após o atentado de 11 de setembro. Mais uma vez enquadrando a arte e o humor em um fato histórico. Apesar de ser uma das mais famosas esquetes do grupo, Adriana lembra bem quando viu pela primeira vez o que o radicalismo pode fazer.
Em setembro de 2001, ela e os outros cinco integrantes da Cia Os Melhores do Mundo estavam há pouco mais de um mês de volta a Brasília. O grupo tinha acabado de fazer uma temporada de seis meses no Rio de Janeiro, entre março e agosto, e estava começando a pensar na nova fase que viveriam na capital.
Era um momento de novos sonhos e planos, sobretudo para Adriana, que estava empolgada com a carreira dando certo e que, em outubro, descobriria que estava grávida. “Era um recomeço de vida em Brasília”, lembra.
No dia 11, a atriz deixou a residência, na 308 Sul, e atravessou toda a Asa Norte para ir até uma produtora, Som e Letras, para gravar uma locução para um trabalho institucional. As primeiras horas da manhã foram dedicadas para fazer a melhor entrega e o resultado foi que, por volta das 9h30, ela já havia terminado as gravações e estava conversando com a equipe da produtora.
“Tínhamos acabado de gravar e vimos a notícia na televisão, que tinha ali no meio da produtora. Fui embora porque o grupo ia se reunir lá em casa para discutirmos a nova fase e dentro do carro, por todo o Eixão, eu lembro de ouvir as notícias ainda desconexas sobre a colisão”, lembra.
No retorno para a casa, nos 17 minutos de intervalo entre o segundo choque, Adriana e nem os apresentadores das rádios brasilienses sabia que se tratava de um ataque. Ela estava curiosa, mas não imaginava a dimensão do fato. Tanto que antes de chegar em casa, passou na loja de uma amiga da mãe para saber se poderia utilizar o espaço de cima para abrir uma loja de fantasia, que viria ser a Traje Cômico.
Depois dos negócios, Adriana chegou em casa já nas repetições de imagens da segunda colisão. “A partir daí soubemos que era realmente um atentado. Logo depois os meninos do grupo chegaram para reestruturarmos o Hermanoteu na Terra de Godah, mas não conseguimos conversar sobre, porque a televisão estava ligada o tempo todo e nossa atenção voltada para as informações do atentado”, conta.
Em meio aos flashs das colisões e à tentativa de compreender o que ocorreu, a artista lembrava de quando esteve no local, em 1998. Ela fez questão de conhecer o ponto turístico símbolo de Nova York e subiu até os últimos andares, onde havia atrações para os turistas.
“É irônico que lá do alto da torre tinha um simulador em uma das salas, uma espécie de brinquedo, em que você pilotava um avião desgovernado, e aí você tinha a sensação do tremor, do vento e de todas as turbulências”, diz.
Ver a imponente dupla ruir fez com que Adriana sentisse uma onda de finitude. Não sabia se o mundo teria paz depois do atentado. “Era uma sensação de impotência, de não saber o que fazer. Quando bate o segundo avião, pronto, acabou. Eu lembro de pensar que era um recomeço e essa notícia traz um pessimismo horrível”, afirma.
“Pensei, quando descobri a gravidez e por muito tempo depois, em como iria colocar uma criança nesse mundo, como iríamos viver daqui para a frente, porque as pessoas simplesmente acabam com a vida uma das outras”, pontua.
Os dias passaram, mas, mesmo assim, o peso da tragédia não passa. “Anos depois eu visitei o museu das Torres. Lá eles contam a história, mostram todas as fotos e trajetória das vítimas, o que faziam, quem eram”, diz.
“É muito triste, muito forte, e marca. Tanto que sempre lembro do 11 de setembro. Já peguei avião nesse dia e sempre lembro de quando descobri do atentado. Não tem como passar a data nem esquecer”, pontua Adriana.
Perdida em Londres em meio à tragédia que parou a cidade
Em 2001, a cantora radicada na capital federal Ana Lélia, 48 anos, não sabia que iria escrever e emplacar o hit Baby don’t cry na novela Malhação, em 2019, e consolidar de vez o sonho de ser artista. Na verdade, ela, que começou a compor e cantar em 1998, tinha deixado de lado esse objetivo.
Ela morava em Londres com o marido à época, um correspondente internacional, há um ano, e usava o tempo para absorver as referências e musicalidade da cidade enquanto dividia a rotina com dois empregos de professora em escolas públicas da cidade.
Em 11 de setembro do ano da tragédia, ela fez o mesmo caminho dos outros dias. Deixou a casa em que morava no norte de Londres e se deslocou até o sul da cidade, região onde ficava a escola em que dava aula. O turno londrino era das 9h às 15h, mas em 11 de setembro Ana terminou a aula mais cedo, por volta das 12h40, almoçou e começou a fazer o caminho de volta para casa.
“Eu andava de metrô e estava no vagão, ainda na parte de fora do subterrâneo. Quando percebi, todo mundo estava pegando os celulares e murmurando alguma coisa. Ainda era a época dos BlackBerrys”, lembra. Em Londres, o horário do acidente foi às 13h46 de 11 de setembro.
“É importante dizer que o inglês é um cidadão muito particular, cada um no seu espaço, ninguém se comunica ou se olha. Mas naquele dia tinha esse burburinho e todo mundo agitado começou a se falar em um acidente”, conta.
Ana estava sem entender direito o ocorrido quando o trem parou e as pessoas foram retiradas do vagão. Assustada, ela deixou o metrô e viu o trânsito parado, muitas pessoas na rua andando com pressa.
“Liguei para o meu marido. Ele estava na emissora já em movimento porque o instinto jornalístico já dizia que não era apenas um acidente. Quando ele me atendeu, ele disse ‘é um ataque terrorista, corre e vai para casa’”, lembra Ana.
O que o companheiro de Ana não sabia -- e nem ela -- era que a partir daquele momento, nenhum transporte público funcionaria até se saber o que ocorria nos EUA. Enquanto procurava uma solução, a artista se aterrorizava com a expressão de medo e terror no rosto de quem andava pelas ruas. “O jeito foi voltar caminhando. Gastei duas horas, com medo e tensão, atravessando a cidade para voltar para casa e me sentir segura”, revela.
Enquanto ela voltava, outras medidas foram tomadas. A escola em que dava aula, assim como as outras da cidade, foram fechadas, inclusive com a comunidade escolar dentro. A medida duraria dois dias até ter a certeza de que a cidade não sofreria um ataque.
“Quando cheguei em casa, fiquei grudada na televisão, incrédula, hipnotizada, olhando para as imagens do acidente e tentando entender. Lembro que meu marido ficou dias em uma rotina intensa de trabalho”, conta.
Mesmo depois do choque, os dias seguintes em Londres continuaram tensos, o que resultou em medidas permanentes. O metrô passou a ter um processo de checagem rígido, o policiamento nas ruas aumentou e também nas saídas dos locais de transporte público.
Na escola de Ana, nos dias seguintes e pelos meses subsequentes, reuniões gerais foram feitas para que crianças e funcionários falassem como se sentiam, o que estavam pensando; uma forma de digerir juntos o ocorrido e dissipar o terror de um possível ataque.
“Lembro de muitas pessoas que conheciam alguém em Nova York, outras que passaram por pesadelos; lembro de crianças mais novas que passaram a desenhar apenas aviões”, conta. A economia também foi bastante atingida. Ana lembra que estava em processo de venda de um apartamento, o que ocorria de maneira rápida na cidade, mas, após o acidente, demorou meses para conseguir um comprador. As passagens aéreas também caíram drasticamente de preço.
“Quatro meses depois, em janeiro, meu marido e eu conseguimos ir para o Japão com uma passagem de 100 dólares. Foi uma economia de 700 dólares, porque ninguém queria andar de avião”, diz.
Em Londres, o medo era que a cidade também sofresse ataques, devido as questões políticas que a cidade é envolvida, o que ocorreu anos depois. Nos 13 anos que morou na cidade, Ana vivenciou dois ataques terroristas em metrôs e ônibus. “O 11 de setembro mudou tudo, foi o começo de tudo. Mudou a segurança, o olhar de desconfiança, de pressão e ansiedade. Logo depois começou a guerra no Afeganistão”, lembra.
“Antes do 11 de setembro quais eram as grandes preocupações do mundo? A humanidade estava navegando em céu de brigadeiro, em uma calmaria e uma paz, até ser atingido pelo atentado”, conclui.
Um dia de negação até o estarrecimento total
Há 20 anos, Gina Vieira Ponte estava ainda distante da idealização e execução do projeto Mulheres Inspiradoras, que hoje é reconhecido com os prêmios Nacional de Educação em Direitos Humanos; Professores do Brasil; e o Ibero-Americano de Educação em Direitos Humanos.
Naquele distinto 2001 ela já era professora há exatos 10 anos, mas ainda se encontrava no que queria deixar de legado neste mundo. Por este motivo, vivia os dias imersas na coordenação pedagógica no Centro de Ensino Fundamental 10 de Ceilândia, onde trabalhava pela manhã e pela noite, e nos estudos na graduação Letras-Português, que fazia durantes as tardes. “Eu vivia imersa no meu trabalho, tinha sede de conhecer mais e mais o que eu estava fazendo”.
Foi nesse ritmo que ela viveu o 11 de setembro. Ela saiu de casa e às 8h já estava no CEF 10. Entre o preenchimento dos currículos de aula e a revisão de demandas dos professores, passou pela sala de coordenação e viu na televisão jornalistas falarem sobre um ataque nos Estados Unidos. “Dava para perceber que era algo muito inusitado, mas eu não estava prestando atenção. Não vi a imagem do acidente, então só passei e continuei meu trabalho”, lembra.
Quando cruzava com algum colega, ela via os comentários, mas não se aprofundava, alguns até perguntaram a Gina se ela viu o ataque, mas ela não sabia o que estava acontecendo.
“Depois do turno da noite, eu fui para a casa. Minha mãe estava em frente à televisão e eu vi a imagem da colisão pela primeira vez. Ali eu fiquei aterrecida e sem chão. Fui tomada por perplexidade total. Não consigo explicar, passei dias para elaborar como isso era possível”, afirma. Gina passou a noite em frente à televisão e chega a lembrar que mal falava nada com a mãe, só estava em um transe, algo que chamou de “hipnose” pelas imagens.
“À medida que fui sabendo que era um ataque terrorista, ia piorando. Eu vou ser sincera, eu não tinha repertório para entender. Eu não estava por dentro do que era Al Qaeda, não sabia o que era fundamentalismo religioso, simplesmente não sabia como alguém pegava um avião e o chocava com um prédio”, diz.
Os dias seguintes foram de dificuldade de entendimento. Gina afirma que repetia para todos que era ficção, um truque cinematográfico porque “não achava possível uma coisa tão absurda ter acontecido”. Na escola, todos falavam sobre o ocorrido e a insegurança tomou conta do ambiente de trabalho.
“Eu só pensava que derrubaram um símbolo da maior potência econômica do mundo. E aí? Essa potência vai reagir? Vamos ser engolidos por uma guerra? O que vai acontecer com todos nós?”, lembra.
Gina diz que nunca mais tinha sentido a sensação de impotência, perplexidade e terror que sentiu no 11 de setembro, mas que lembrou do sentimento quando soube que uma amiga e os dois filhos morreram pela covid-19.
“Foi a mesma sensação. Eu não tenho como conceber uma tragédia do tipo. É tão absurdo. Eu não consigo entender essa perda. É algo que não aconteceu nunca e você não tem repertório emocional e afetivo. É tão estarrecedor que você não tem experiência de vida para entender”, diz.
Anos depois, em 2014, ao montar a grade do curso Mulheres Inspiradoras, Gina conta que entendeu a complexidade e a profundidade do ataque ao se deparar com o relato de Malala Yousafzai, que foi baleada por talibãs ao sair da escola, em 2012. “Foi aí que lembrei do 11 de setembro e consegui compreender como os muçulmanos entendem do Alcorão e como funciona o fundamentalismo”, conta.