No contexto pandêmico, com aumento das demandas por delivery, altas taxas de desemprego e com a gasolina a quase R$ 7, as motocicletas se tornam ainda mais atrativas do ponto de vista econômico. Seja pelo meio de transporte ou pela fonte de renda, o mercado de motos está aquecido. Só este ano, segundo dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares (Abraciclo), entre janeiro e julho, houve aumento de 44,83% na frota registrada no Distrito Federal, se comparado ao mesmo período do ano passado.
Nesses meses, foram vendidas 9.956 motos, contra 6.874, em 2020. A quantidade de condutores com habilitação A também cresceu, em 3,79%. A alta no número de motos nas ruas acende um sinal de alerta no trânsito da capital federal. O Correio ouviu especialistas para explicar tanto o aumento nas vendas quanto os possíveis riscos que o crescimento da frota pode causar nas vias do DF.
Paulo Takeuchi, diretor da Abraciclo, destaca que as motocicletas ganharam protagonismo durante a pandemia. “É uma opção de deslocamento para evitar a aglomeração do transporte público, passando a ser instrumento de trabalho e fonte de renda para parte da população que perdeu o emprego e começou a atuar nos serviços de entrega. Além disso, é um meio de transporte ágil, econômico e de baixo custo de manutenção, o que atende às demandas do consumidor”, explica.
A frota atual de motocicletas do DF é de 227.442, segundo o Departamento de Trânsito (Detran). Com esse número crescendo a cada mês, aumentam os riscos nas vias da capital federal. As chances de uma pessoa se envolver em um acidente de trânsito fatal de moto no DF é 2,5 vezes maior, se comparado aos condutores de outros veículos. De acordo com dados do Anuário Estatístico de Acidentes de Trânsito de 2019, do Detran-DF, dos 388 veículos envolvidos em acidentes fatais, 109 eram motociclistas. Especialistas apontam vários fatores para explicar as tragédias sobre duas rodas: processo de formação dos condutores; falta de habilitação, de equipamentos de segurança obrigatórios e de manutenção das motos, e conflito entre motociclistas e motoristas de outros tipos de veículos.
O coordenador do Centro Interdisciplinar em Estudos de Transporte da Universidade de Brasília (Ceftru/UnB), Pastor Willy Gonzales Taco, destaca que o veículo “requer diversos cuidados, principalmente em períodos de chuva, porque o trânsito fica mais intenso, e um pequeno descuido pode levar a um acidente”, salienta.
Para ele, o caminho é optar por campanhas de conscientização. “É preciso que todos saibam como se comportar no trânsito. Muitos ainda adotam práticas de direção arriscadas, por isso, todos os motoristas devem ficar atentos. Outro recurso é a fiscalização, com blitz para notificar os motoqueiros que dirigem embriagados ou não seguem as normas de segurança. Uma das boas práticas são os bolsões, nos semáforos, com espaços específicos para as motos pararem no sinal vermelho. Isso evita muitos acidentes”, avalia.
Diretor de Educação de Trânsito do Detran-DF, Marcelo Granja detalha que os cuidados com os equipamentos e manutenção são primordiais. “Não basta estar com o capacete, precisa que ele esteja firme na cabeça e afivelado, pois de nada adianta se ele sair durante o momento de impacto. Outros equipamentos de proteção, como calça e jaqueta específica, embora não obrigatórios, são altamente recomendados”, afirma.
Marcelo ressalta a importância da educação entre todos os veículos, pois existem os chamados pontos cegos. Por isso, cada condutor deve desempenhar o seu papel no respeito e na atenção no trânsito: “Os cuidados em relação à manutenção, como troca de óleo, função do tanque e número da quilometragem também são importantes. Outro fator é que parte das pessoas paradas em blitz não tem habilitação na categoria A e pensam que, por ter a categoria B, podem pilotar”.
Acidente fatal
Ainda é difícil para a administradora Daya Rodrigues, 38 anos, falar sobre a perda do marido, Washington Luis Santos, 44, em um acidente de moto há cinco anos. “Lidar com a morte nunca é fácil, e é mais difícil quando não esperamos. A morte é a única certeza que temos, mas nunca estamos preparados”, refletiu. A moradora de Planaltina recordou que Washington só usava a moto para trabalhar, e já era habilitado há 10 anos quando o acidente ocorreu.
O marido de Daya foi atropelado por um caminhão após se desequilibrar na moto e cair na pista, no sentido contrário. No momento da batida, ele voltava de um trabalho na Fercal, próximo à BR-020. “Ele morreu no momento do acidente, sendo que nunca tinha se envolvido em um”, relembra. Segundo ela, a perícia constatou que a moto e o caminhão estavam devagar, o que dificulta explicar a causa do desequilíbrio da moto de Washington. À época, o filho do casal tinha 5 anos.
Mais condutores
Apesar dos riscos, os benefícios, principalmente econômicos, atraem muitos adeptos das duas rodas. O técnico em informática William Florentino, 36, mora no Novo Gama (GO), a 50km do trabalho, e optou pela moto há seis anos, pois realiza serviços externos. “Usava mais a moto para fazer os atendimentos aos clientes, mas acabou aumentando a paixão e também a questão do trânsito e do valor do combustível”. Com o tanque de 14 litros cheio, William revela que a moto faz entre 35 e 38 quilômetros por litro. “A manutenção é barata. O custo mensal que eu tenho é com a troca de óleo; como minha moto é de baixa cilindrada, tenho que trocar. Mas, de resto, é tranquilo e barato para manutenção anual”, explica.
Gerente de vendas de uma concessionária de motos, Cláudio Leite conta que o valor da manutenção varia entre R$ 60 a R$ 500. “Isso vai depender das cilindradas e do que precisa em cada revisão. A manutenção costuma ser feita a cada 5 mil quilômetros rodados”, explica. Cláudio também destaca a economia de combustível como o principal atrativo do veículo. “Uma moto pode chegar a fazer entre 18 até 40km por litro. E o tamanho do tanque varia entre 12 e 20 litros”.
Apaixonada por motos desde criança, a produtora Jusciane Matos, 32, comprou a primeira dela em maio, após tirar a habilitação na categoria A, em 2018. Feliz com a conquista, a moradora de Samambaia usa a moto para ir a todos os lugares. “Ela se tornou meu meio de locomoção, diversão e prazer. Uso para trabalhar, para ir à academia, fazer consultas, visitar minha família que mora em Águas Lindas, absolutamente tudo”, destaca.
Jusciane colocou até nome na nova moto: Furiosa, que virou o xodó dela e do grupo de amigos. Motivada pela liberdade, adrenalina, mobilidade e economia proporcionadas pelo veículo de duas rodas, a produtora explicou que a moto facilita a locomoção, mas é preciso ter cuidado ao trafegar no trânsito do DF, devido à “briga” entre carros e motos. “É uma disputa de ego muito tensa. Ela pode resultar em acidentes se você não tiver cautela para pilotar por você e pelos outros. No entanto, meu sonho é que, cada vez mais, mulheres assumam as duas rodas e sintam como é bom ter o controle do próprio caminho.”
Devido aos riscos do trânsito e ao medo de sofrer acidentes, a moradora de Samambaia optou por fazer um curso de pilotagem defensiva. “O que tenho percebido é que, no geral, os motoristas não respeitam os motociclistas. Quando percebem que é mulher, a situação se complica ainda mais. Por isso, procurei uma escola de pilotagem defensiva, para desenvolver técnicas que me ajudassem”, explica.
Nas vias do DF
Frota total de veículos: 1.867.125
Motocicletas: 227.442
Habilitados por categoria
A: 9.533
AB: 328.756
AC: 5.596
AD: 79.003
AE: 13.438
B: 1.225.224
C: 14.492
D: 109.730
E: 9.363
fonte: Detran-DF