Lucília Garcez era uma referência quando se tratava de leitura. Professora aposentada do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB), membro da Academia Brasiliense de Letras e da Associação Nacional dos Escritores (ANE), era, também, uma figura ativa na promoção da ideia de que o livro transforma vidas. Após lutar contra um câncer de pulmão, Lucília Helena do Carmo Garcez morreu, nessa quinta-feira (23/9), aos 71 anos. Ela estava internada no Hospital Daher há 14 dias, depois de complicações decorrentes da doença e da quimioterapia. Chegou a ser intubada e extubada, mas não resistiu.
O velório está marcado para as 14h desta sexta-feira (24/9), na Capela 5 do cemitério Campo da Esperança da Asa Sul. Casada com o cineasta Vladimir Carvalho, Lucília deixa três filhas Adriana, Fabiana e Cristina, de um casamento anterior, e cinco netos. Vladimir, 86 anos, descreve-a como carinhosa e cheia de alegria de viver. “Ela cuidava do jardim, da casa. Era uma liderança enorme dentro da família. Sempre tinha uma palavra de conforto, uma doçura imensa. Mantinha a harmonia e a amizade entre todos”, conta. “Era uma incansável batalhadora em várias frentes. Professora com muitos méritos, escritora e dedicada à educação. Não havia limites na disposição dela em atender as escolas da periferia ou do Plano Piloto. Apenas nos últimos 20 dias que ela piorou. Mas sempre tinha uma disposição física e mental enorme. Sua alegria de viver era sem igual”, diz Vladimir.
Nascida em Uberaba (MG), em 8 de julho de 1950, ela chegou a Brasília em 1966. Era doutora em linguística pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestre em teoria da literatura pela UnB. Foi professora de língua portuguesa do Instituto Rio Branco, responsável pela formação de diplomatas, por oito anos.
Conciliava o rigor acadêmico com a imaginação literária. Sabia traduzir conceitos complexos de uma maneira simples e clara na escrita. Autora de mais de 20 livros, boa parte infantis e sobre literatura, Lucília Garcez foi coordenadora do Programa de Ensino para Formação Continuada em Início de Escolarização do Ministério da Educação (Praler/MEC). Qualificação e capacitação de professores e incentivo à leitura eram as duas grandes batalhas da autora, que acreditava no poder transformador da leitura e da literatura. Ela também criou, há nove anos, o Clube de Leitura do Lago Norte, a cujas reuniões nunca deixou de comparecer.
Generosidade
Apesar do vasto conhecimento acadêmico, não vivia isolada em uma torre de marfim literária. Era uma pessoa afetuosa, inteligente, agregadora, construtiva e solidária. Coordenou inúmeros projetos para a implementação de políticas públicas para o livro. “Foi uma das melhores pessoas que conheci”, diz a historiadora Lucilia Neves. “Como professora do curso de letras da UnB, com sua competência, plantou sementes e contribuiu para formar pessoas de várias gerações. Seus ex-alunos a respeitam e têm enorme carinho por ela. Como escritora, não economizou sensibilidade e competência, nos inúmeros livros infantis e infanto-juvenis que deixou como legado.”
Lucília Garcez também era romancista, autora de Outono, sobre a ditadura militar. Para a escritora Margarida Patriota, a amiga era parte fundamental da cena cultural brasiliense. “Culta como poucos, era também generosa no passar adiante seu conhecimento. Tinha o dom de explicar conceitos difíceis com clareza e simplicidade. Era indissociável da cena cultural brasiliense. Presença marcante e indispensável onde quer que os livros estivessem em discussão. Pessoalmente, não conheço quem não gostasse dela”, destaca.
A jornalista e historiadora de arte Graça Ramos, também autora de livros infantis, lembra que o trabalho de Lucília ia além da academia. “Era teórica e romancista, mas, acima de tudo, uma ativista. Mulher de fala mansa, de posicionamentos firmes, estava sempre apoiando os movimentos culturais da cidade”, conta. Parte do lado teórico está em livros como A escrita e o outro.
A escritora Rosângela Vieira Rocha aponta a amiga como uma personalidade da vida cultural da capital do país. “Ela era uma educadora. Ligada à pedagogia, coordenou a prova do Enem, era um trator para trabalhar, tinha uma resistência enorme. Ia a todos os eventos para os quais era convidada, não perdia um lançamento, fazia uma sessão de quimioterapia e, no dia seguinte, estava lá. Poucas vezes conheci uma pessoa tão positiva”, garante Rosângela.
A amabilidade da professora era marca registrada. Entre os depoimentos de amigos, as homenagens têm um ponto em comum: elogios à sensibilidade da autora. “Lucília era um ser de muita energia. Uma vida voltada à leitura, ao aprendizado e à agregação. Ela era dona de uma sabedoria e uma inteligência invejáveis e formava, ao seu redor, uma constelação de amigos admiradores. Era nossa ligação com a boa literatura. Creio que Brasília ficou um pouco órfã dessa mulher, que transpirava cultura”, homenageia Ana Maria Lopes, jornalista e escritora. “Que perda, gente, que perda pra Brasília, que perda para a educação, que perda para a literatura, que perda para todos nós”, lamenta a professora Gina Vieira Ponte.
Colaborou Edis Henrique Peres
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