Um servidor público aposentado do Banco Central estaria sendo mantido em cárcere privado pela esposa, em Águas Claras. A denúncia parte dos próprios filhos da agressora e enteados do homem, de 49 anos. Na última quinta-feira, os três irmãos procuraram o Correio e relataram uma rotina de abusos a que o padastro estaria submetido. O caso é investigado pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), que abriu um inquérito baseado em vídeos, fotos e documentos. Ontem, o irmão do servidor concedeu entrevista exclusiva à reportagem e informou que a família desconhecia os maus-tratos. Ele também disse que a mãe entrou com pedido de guarda e contratou um advogado para acompanhar o caso.
A suspeita dos crimes é Maruzia das Garças Brum Rodrigues, 52, formada em economia e direito, mas que nunca exerceu as atividades. Em 2002, ela conheceu o servidor, que morava sozinho em um apartamento no Sudoeste. Os dois passaram a viver juntos, mas não demorou para que os filhos dela notassem que havia algo errado. “Meu padrasto sempre foi uma pessoa ativa, que corria no parque, nadava no clube, dirigia, namorava e vivia uma vida normal, feliz”, contou a filha mais velha, que trabalha como policial militar do DF.
Natural do Rio de Janeiro, o homem veio para Brasília em 1998, ano em que tomou posse no cargo de especialista do Banco Central. Solteiro e sem filhos, logo parou de ter contato com a família no Rio. Poucos anos depois, conheceu Maruzia, que notou algumas manias do companheiro. “Ele deixava os livros separados por ordem alfabética, tinha planilha de gastos e as roupas sempre bem organizadas. Minha mãe começou a dizer que ele tinha problemas psiquiátricos e o levou a diversos médicos. Foi quando ele começou a tomar remédios com alta dosagem”, detalhou a filha da acusada.
A situação teria piorado, até que os enteados perceberam que o padrasto passava a maior parte do dia dopado, deitado em uma cama, sem conseguir fazer as atividades básicas, como colocar comida no prato e tomar banho. “Ele ficou submisso a ela e repetia que minha mãe só estava cuidando dele e queria o bem. Mas vieram as agressões. Ela já fechou a mão dele na porta do carro por várias vezes. Quando chegávamos em casa, tinha panela quebrada, e ele sempre com marcas pelo corpo. No período em que morei com eles, tinha vezes que nem água ela queria comprar e começou a faltar tudo e não entendíamos o porquê”, afirma a enteada do aposentado.
A situação seria tão precária que o filho caçula de Maruzia, que morava com a mãe e o padrasto, decidiu sair de casa ainda em 2006 devido à falta de mantimentos. “Nós filhos, apanhamos muito dela, a ponto de termos que passar sal grosso para cicatrizar. Em relação ao meu padrasto, foi uma violência gradual, que piorou com os anos. Presenciei ela xingando-o de demente e pedindo para que ele repetisse que era um demente. Era uma situação constrangedora”, afirma o filho. Para ele, a principal motivação da violência é a questão financeira, já que a mãe nunca trabalhou.
Europa
O casal teve um filho, que hoje está com 21 anos e mora em Portugal. A reportagem entrou em contato com o jovem, mas não obteve resposta. Desde 2014, Maruzia também vivia no país para onde teria ido fazer mestrado. Nessa época, ela alugou uma quitinete na 402 Sul, próximo ao Banco Central, para que o companheiro pudesse ir ao trabalho a pé.
Os enteados chegaram a visitar o padrasto nessa época e o encontraram em condições deploráveis. “Nos espantamos, quando vimos a situação que ele se encontrava. Por semana, ela mandava R$ 100 para ele comprar o básico e deixava duas vasilhas de comida, uma de arroz e outra de carne moída, prontas para ele comer todos os dias. Chegou uma época em que ele comia lasanha congelada na parte da manhã, tarde e noite”, contou a filha mais velha.
Enquanto a mãe estava em Portugal, a filha do meio, recebeu uma ligação do Banco Central questionando o porquê o padrasto pedia R$ 10 na porta do banco para almoçar. “O pessoal da clínica de psiquiatria me telefonou também perguntando porque ele estava almoçando todos os dias lá. Acharam estranho. Durante todo esse tempo, fizemos várias denúncias anônimas, mas nunca deu em nada”, disse.
Retorno
Em julho deste ano, Maruzia retornou ao Brasil para se submeter a procedimentos estéticos cirúrgicos e decidiu alugar um apartamento em Águas Claras, onde ficaria com o marido até a recuperação. Enquanto estava internada no hospital, os filhos decidiram visitar o padrasto. Ao chegarem ao edifício, foram impedidos de ingressar no condomínio. A ordem teria partido da própria mãe. O Correio teve acesso ao depoimento da empregada que trabalhou para o casal. Nele, a funcionária admite que a patroa temia que os filhos levassem o marido à força. Em outro trecho do depoimento, ela afirma que o servidor tomava de oito a 10 comprimidos pela manhã e durante a noite.
Quando os filhos conseguiram entrar no apartamento, Maruzia fez uma chamada por vídeo ao marido. A cena foi gravada e, durante a conversa, a mulher, em tom ameaçador, orienta o servidor a não dar informações sobre sua situação. “Se está trabalhando, não responde. Cadê sua mãe? Não responde. Está tomando remédio? Não responde. Está trabalhando? Não responde. Entendeu? Para de dar conversa”, diz a economista.
A Justiça requereu ao Banco Central o encaminhamento dos eventuais relatórios médicos que atestem a incapacidade do servidor. Além disso, foi solicitado que a Polícia Federal impeça o homem de deixar o Brasil até a conclusão das investigações. A reportagem não localizou a defesa de Maruzia. O espaço segue aberto para o posicionamento.
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