entrevista Adele Vasconcelos, médica intensivista do Hospital Santa Marta

Mortes entre idosos sobem 67%

Especialista reforça que a população deve manter os cuidados mesmo após a vacinação, para evitar a terceira onda da covid-19

» Samantha Rannya*
postado em 02/09/2021 22:42
 (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
(crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

Dados da Secretaria de Saúde mostram que, de 25 de agosto a 1º de setembro, morreram 62 pessoas com mais de 60 anos em função da covid-19 no Distrito Federal. Entre 28 de julho e 4 de agosto, foram 37 óbitos nessa faixa etária. Ou seja, um aumento de 67%, considerando os dois períodos analisados. Já o número de casos entre idosos teve alta de 32%. Em entrevista à jornalista Carmen Souza, no CB.Saúde — programa do Correio em parceria com a TV Brasília —, a médica intensivista do Hospital Santa Marta Adele Vasconcelos falou sobre o aumento da taxa de transmissão da covid-19, mesmo com 30% da população imunizada com a segunda dose da vacina, além da alta do contágio e da internação de idosos nos hospitais do DF. A médica reforçou a importância de imunizar os idosos com a terceira dose e destacou que a população deve manter os cuidados básicos após iniciar o ciclo vacinal, para evitar novas ondas da doença.

Nessa semana, atingimos a marca de 10 mil mortes por covid-19 no DF. Temos também uma taxa de transmissão aumentando desde a semana passada. A pandemia não está sob controle, é isso?
Não está sob controle e temos que manter os cuidados, principalmente o cuidado da comunidade. As pessoas, agora, estão se vacinando, e isso está levando muitos a viverem normalmente, o que pode aumentar a taxa de transmissão. A variante Delta está com um aumento progressivo no Brasil e no mundo, e existe a perspectiva de que ela venha ser a dominante pelos próximos três a seis meses. Então, é preciso manter os cuidados para que esse controle venha a acontecer. Estamos felizes com os avanços da vacinação, mas ainda está em 30% a taxa de vacinação da segunda dose, o que significa que não está sob controle.

Alguns médicos começam a dizer que, provavelmente pela variante Delta, os idosos estão voltando aos consultórios e aos hospitais. A senhora também tem percebido isso?
Por um período, passamos um tempo com uma quantidade maior de jovens internados do que de idosos, e agora está mais ou menos igual. A maioria das vezes conseguimos dar alta, em casos moderados, mas os mais graves estão começando a vir, e, geralmente são idosos com alguma comorbidade, alguma doença prévia que chega a ficar mais grave e, inclusive, ir a óbito mesmo vacinados. Esses casos são raros, mas têm aumentado ultimamente. Estamos vendo que mais idosos estão internados, mesmo com esse período da vacinação. Esse alerta já está vindo com a questão da terceira dose para os idosos e para quem tem comorbidade. É uma avaliação que está sendo percebida pelos órgãos competentes por conta desse alarme dos hospitais.

Temos um aumento de 67% de mortes de pessoas com mais de 60 anos no DF. Isso é preocupante?
É bem preocupante. Tem casos de todas as idades, pacientes entre 20 e 30 anos internados em estado grave da mesma forma que o idoso, que é mais frágil. O idoso que tem uma doença como fibrose ou diabetes descontrolada, se pegar a covid-19, ele vai ter um caso mais difícil de lidar e reverter. As famílias devem entender que o idoso não pode se reunir com muitas pessoas sem máscara porque pode correr risco. O idoso precisa se proteger mais. E, também, é preciso rever a política de vacinação em relação aos idosos, por conta desse período que acabou a efetividade da vacina. O que estamos presenciando agora são idosos, a maioria vacinados, voltando à internação.

Aplicar a terceira dose de reforço nos idosos é mais estratégico agora do que começar a vacinação dos mais jovens?
Nesse momento, o idoso é mais frágil do que o adolescente. A faixa etária de 12 a 14 anos — estamos felizes por estar chegando nela — não é de pessoas que morrem. O idoso vai lotar mais os hospitais, vai interferir em toda cadeia que temos na saúde pública. Então, o benefício será maior se vacinar essa faixa etária primeiro.

No caso dos idosos vacinados, temos aquele processo do sistema de defesa mais enfraquecido? O Lar dos Velhinhos, bem conhecido aqui no DF, passa por um surto de covid-19, com a morte de idosos vacinados e com alguns internados. Como isso acontece?
É o sistema imunológico do idoso que é mais frágil. Até que a resposta para a vacina seja reduzida, a produção de anticorpos para a doença é bem menor. Vejamos um exemplo: as crianças têm vacinas obrigatórias porque o sistema imunológico é mais potente, e o do idoso não tem uma resposta tão boa. Sendo assim, a vacina não vai dar uma resposta para o idoso do mesmo jeito que no jovem, que tem menos efeito colateral. A maioria dos idosos tem comorbidades. Então, para os que convivem em ambientes fechados, como os lares para idosos, a transmissão do vírus é mais alta, e a variante Delta é muito mais perigosa, porque ela é mais transmissível. Então, qualquer idoso que pegue uma simples gripe, ela pode se transformar em uma doença fatal.

No balanço com dados deste mês, o número de idosos infectados subiu 32%. Ainda que eles não cheguem aos hospitais, é um número alto?
Isso é um reflexo da forma que a população está encarando a pandemia agora. Estão tomando a primeira dose da vacina e voltando a ter encontros com os amigos, e tudo isso aumenta a taxa de transmissão. Enquanto não tivermos 70% da população vacinada com a segunda dose, não teremos uma estabilidade.

Devemos voltar a fechar tudo novamente?
Acredito que não é o momento, até porque temos outros problemas sociais. Não sou a favor de fechar tudo. O que deve acontecer é intensificar a vacinação, e que haja uma preparação para o que pode vir, porque não se sabe sobre o comportamento dessas variantes. Uma das piores coisas que tivemos na segunda onda foi achar que não seria como no ano passado, e fecharam metade dos leitos e os hospitais de campanha. Quando veio, tivemos que recomeçar tudo do zero.

Sabe-se que o vírus é letal e que os sobreviventes carregam algumas marcas da doença. No caso dos idosos, quais são as principais sequelas?
A incapacidade de fazer algumas atividades básicas como tomar banho, comer e andar. O idoso que fica internado diminui sua massa muscular. Então, ele precisa fazer um trabalho de reabilitação nutricional e física, fica incapaz de engolir e falar. Há alguns casos de dificuldades de memória, e não só em idosos; em pessoas mais jovens também. Essa fadiga pós-covid é uma queixa de todos. Mas o idoso tem mais dificuldade para fazer o básico e precisa de ajuda. Há diversas queixas em relação à dificuldade visual, audição, dores crônicas e musculares, que têm aumentado a busca por atendimento na área de ortopedia. A covid-19 grave, a forma pulmonar, é severa em qualquer idade. Casos mais leves também deixam fadiga e falta de memória, o que perturba os jovens no dia a dia.

As vacinas avançaram, e a sensação que temos é de que, nos tratamentos, falta descobrir muita coisa...
Ainda precisa de muitos estudos, mas houve um avanço muito grande. O corticoide, por exemplo, ajuda bastante na fase inflamatória da doença. Tem a terapia da ventilação não invasiva, do caetano de alto fluxo, muito utilizado na pediatria, e progrediu para os adultos. Houve progressão em não precisar intubar o paciente porque há outras terapias disponíveis, que conseguem reverter alguns casos. A própria ECMO é uma terapia de última linha, que salva vidas. Ficamos com a impressão de que esse tratamento não funciona por causa dessa experiência com o Paulo Gustavo. Mas o paciente do Centro-Oeste que tratamos vive normalmente, teve sequelas porque ficou 70 dias internado, mas ele viveu por ECMO mais de uma semana. Então, conseguimos ver os benefícios e temos melhorado; a taxa de mortalidade tem diminuído devido aos tratamentos.

As vacinas funcionam?
Sim, funcionam. O paciente que tiver uma doença pulmonar grave pode pegar uma gripe que vai piorar e pode até morrer, mas é uma exceção. O paciente que tem uma doença pulmonar grave precisa se proteger e evitar o contato com pessoas doentes.

* Estagiária sob a supervisão de Adson Boaventura

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