Brasília é como um grande rio. E como um rio caudaloso, a capital do Brasil nasceu e renasceu em cada afluente até desaguar em sua inauguração em 21 de abril de 1960. Brasília foi concebida nos sonhos geopolíticos do Marquês de Pombal, em 1755, que queria transferir a capital de Salvador, no litoral, para o interior do Brasil.
Nasceu nos ideais da Inconfidência Mineira, em 1789. Renasceu, em 1808, pelas mãos de Hipólito José da Costa no Armazém Literário — Correio Braziliense, em Londres, e logo depois, pelas mãos de José Bonifácio de Andrada e Silva, na primeira tentativa de Constituição do Império, em 1823. Nasceu na Constituição de 1891, primeira da República, que mandou reservar para a União, no Planalto Central, uma área de 14.400 km², que seria oportunamente demarcada para nela se estabelecer.
Renasceu com força telúrica e fervor cívico, em 1892, por ordem do presidente Floriano Peixoto, que determinou que uma comissão de cientistas (Missão Cruls) explorasse o Planalto Central e demarcasse a área para ser destinada ao futuro Distrito Federal.
Os renascimentos de Brasília não param de acontecer. Não com a pressa de que o projeto necessitava, mas com a firmeza de sempre dar um passo à frente. Brasília renasceu na Constituição de 1934, no artigo quarto das Disposições Transitórias, que deixou claro: “Será transferida a capital da União para um ponto central do Brasil”.
O mesmo sonho registrou a Constituição de 1946, quando Juscelino Kubitschek era também constituinte. A Carta Magna do pós-guerra, que espelhou a derrocada dos regimes totalitários na Europa, e o retorno, ainda que tênue, dos valores liberais no mundo, motivou a transferência da capital, apesar da resistência de parte da imprensa e de algumas lideranças políticas e empresariais. O artigo quarto das Disposições Transitórias voltou a sacramentar: “A capital da União será transferida para o Planalto Central do país”.
Mas antes mesmo das disposições constitucionais de 1934 e 1948, Brasília teve um renascimento histórico, solene e nacional determinante: em 7 de Setembro de 1922, Dia da Pátria. Foi para comemorar os 100 anos da Independência que o presidente Epitácio Pessôa mandou erguer um obelisco dentro do quadrilátero Cruls, justamente a Pedra Fundamental de Brasília. Uma História cheia de curiosidades e de muito civismo num tempo sem estradas e de comunicação precária.
Obelisco
Portanto, há 99 anos, duas histórias importantes, dois momentos distintos e duas celebrações de relevância nacional aconteceram em um só monumento construído a 35km do Palácio do Planalto, quando nem havia Brasília: nesse dia, foram comemorados os 100 Anos da Independência do Brasil e o lançamento da Pedra Fundamental de Brasília.
O Brasil era um imenso vazio no Centro-Oeste. Prova disso é que o decreto do presidente da República só chegou ao conhecimento do responsável, engenheiro Balduíno Ernesto de Almeida, diretor da Estrada de Ferro de Goyaz, em 27 de agosto de 1922. Ele ficava em Araguari-MG. Recebeu a comunicação do Inspetor Geral das Estradas de Ferro, Palhano de Jesus, transmitindo-lhe ordem do Ministro da Viação e Obras, José Pires do Rio, faltando apenas 10 dias para cumprir a missão.
A jornada de Balduíno começou em Araguari, em 1º de setembro de 1922. Foi organizada uma caravana composta por 22 membros, que se dirigiram para Mestre d’Armas em nove automóveis (Ford Bigode) e seis caminhões, que transportaram 40 pessoas e todo o material necessário para erguer o obelisco.
Seguiram pela ferrovia Mogiana, num trem especial, até o final da linha férrea localizada em Ipameri. No dia 02 de setembro, a caravana deixou Ipameri e seguiu por 302km com destino a Mestre d’Armas — Planaltina. Relatório da Missão: “Nas primeiras 7 horas, foram percorridos apenas 20km, com os caminhões estancando a cada momento, nas grandes rampas que tinham de vencer. No total, no primeiro dia de viagem, das 5h às 21h, foram vencidos apenas 76km. No segundo dia, três de setembro, a caravana avançou mais 84km até o cair do sol, quando chegou ao povoado de Cristalina”.
Balduíno, que vinha à retaguarda, decidiu, acossado pelo tempo, seguir à frente com os Ford Bigode, deixando os caminhões atrás da caravana.
Tarde da noite, chegou ao arraial de Mestre d’Armas, fixado como referência e base dos trabalhos. Os caminhões chegaram à manhã do dia 5, e, nessa mesma manhã, o engenheiro Balduíno escolheu um local bem mais próximo: um promontório sobre o vale do rio São Bartolomeu, a apenas 8km de Mestre d’Armas. Às 17h do dia 5, todo o material dos caminhões estava descarregado no morro do Centenário. No dia 7, às 10h, estava pronto o monumento”.
A importância do lançamento da Pedra Fundamental de Brasília em 7 de setembro de 1922 — Centenário da Independência — vai além do simbolismo de um ideal “mudancista”. Marcou, também, a reabertura da discussão sobre o sítio onde seria construída Brasília, cuja construção começou com JK, 34 anos depois.
Vale perguntar. E no ano que vem, como Brasília estará inserida nas comemorações dos 200 anos da Independência?
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