Jornal Correio Braziliense

Arrecadação comprometida

Outro setor com decreto de regularização recém-assinado é a Expansão da Vila São José, em Brazlândia, onde moram cerca de 19,8 mil pessoas, em 5,9 mil lotes. A publicação do texto que trata da legalização da área de 168 hectares — correspondentes a 235 campos de futebol — saiu em junho de 2019. No entanto, os moradores só começaram a receber as escrituras dos imóveis em maio último.

A ocupação no setor começou a crescer em 1995, com famílias de Brazlândia e de municípios goianos do Entorno, como Padre Bernardo e Águas Lindas. Ao longo do demorado processo de regularização, que começou em 2007, a administração regional da cidade removeu diversas instalações. Deodato Nunes, 49 anos, mora nessa área desde 1980 e não está no grupo que recebeu a escritura na leva mais recente de entregas. Ele acredita que terá o documento em mãos no próximo mês. “(A regulamentação) era algo de que precisávamos e uma demanda que cobrávamos das autoridades. Fizeram algumas obras de infraestrutura, mas faltam outras. Não dá para conseguir tudo da noite para o dia, mas estamos muito satisfeitos”, comemora o comerciante.

A expansão da Vila São José ainda tem problemas, como a falta frequente de água e luz. Contudo, desde janeiro, conta com asfalto, sistema de águas pluviais, serviço de limpeza e de coleta seletiva diária. Para o professor de arquitetura e urbanismo da Universidade de Brasília (UnB) Frederico Flósculo, a regulamentação de lotes irregulares tem muitos aspectos positivos. “Obviamente, são extremamente importantes para as famílias, os negócios, a economia e a ordem urbana. Não se deve negar a regularização daquilo que, pela lei, pode ser concedido. É fundamental que o Estado garanta às pessoas a regularidade”, destaca o especialista.

Porém, o processo tem ocorrido de maneira “irresponsável” no DF, segundo Frederico. Ele calcula que, de 1988 a 2018, a renúncia fiscal que resultou da falta de planejamento ocupacional chegou a R$ 1,5 bilhão. “Cada regularização soma impactos ambientais, bem como sobre trânsito, transporte, energia elétrica, água, esgoto e saneamento, o que não tem sido computado. Em relação à parte fiscal, a renúncia fica em torno de R$ 300 mil por lote. Esse valor envolve o dinheiro que deveria ser pago: desde o projeto de regularização até os IPTUs que deixaram de ser recolhidos. O conjunto de dívidas cresce à medida que os locais começam a ser usados e a receber ligações elétricas, vias e asfaltamento. O investimento indireto aplicado para que essas habitações ilegais sejam viáveis é 10 vezes maior”, projeta o professor.