No momento em que os pais de Tatiana Thelecildes Fernandes Machado Matsunaga clamavam por Justiça devido ao atropelamento da filha, que deixou a mulher de 40 anos internada em estado grave, Paulo Ricardo Moraes Milhomem, 37, passava pela audiência de custódia, que decidiu converter a prisão dele de flagrante para preventiva. O advogado, indiciado por tentativa de homicídio qualificado, foi transferido, nessa quinta-feira (26/8), para o 19º Batalhão, conhecido como o presídio da Papudinha pela condição da profissão.
Revoltados com a situação, os pais da servidora da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento do DF (Adasa), Maria Celeste Machado e Luiz Sérgio Machado, conversaram com a reportagem, na quinta-feira (26/8). O pai de Tatiana contou que a filha passou por duas cirurgias e se recupera na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Brasília. “Os médicos fizeram uma cirurgia na cabeça, outra no tornozelo, que teve fratura exposta, e tem uma fratura na bacia, que vai ser tratada posteriormente.” À noite, Luiz afirmou que o estado de saúde da advogada continua grave e, só depois de 72 horas, seria possível fazer uma avaliação das respostas que ela vai apresentar.
Tatiana é mãe de dois filhos, de 3 e 8 anos. No momento da discussão, na QI 5 do Lago Sul, ela acabara de buscar o primogênito na escola. O atropelamento foi visto pelo menino, que está muito assutado, segundo os avós. “Meu neto de 8 anos viu todo o acontecimento. Ele não conseguiu dormir essa noite. Eu e minha mulher estamos ficando com ele para ver se ameniza o trauma que ele sofreu”, lamentou Luiz Sérgio.
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Audiência
Morador do Lago Sul, Paulo Ricardo é casado e tem uma filha, de 4 anos. O acusado atua na área trabalhista e desempenha a atividade profissional em casa, segundo ele mesmo relatou durante audiência de custódia realizada na manhã de quinta-feira (26/8).
Durante a audiência, Paulo interrompeu a juíza que presidiu a sessão, Paula Afoncina Barros Ramalho, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), para se defender. Mesmo com as ressalvas da magistrada de que não valeriam os argumentos, o advogado disse que não teve a intenção de atropelar a vítima ou atentar contra a vida dela. “Ela atravessou o carro no meio da rua impedindo a passagem”, argumentou Paulo. A magistrada, no entanto, justificou dizendo que a severidade da situação é concreta. “Essa gravidade está bem delineada nesses elementos que temos até agora”, pontuou, referindo-se às filmagens que mostram o crime.
Um desses “elementos” é o fato de Paulo ter seguido Tatiana por cerca de 3km até a casa dela, na QI 19, local onde foi atropelada. “Tem-se imagens da vítima chegando na rua, na residência. O autuado chega em seguida. Não tinha motivo algum para o autuado ter se deslocado até aquela rua. A todo momento, tinha uma criança dentro do carro”, ponderou a juíza.
As imagens do circuito interno de segurança são claras e mostram o momento exato em que Tatiana estaciona o carro, um Creta branco, em frente de casa. Segundos depois, Paulo, que dirige um Idea prata, aparece em seguida. Os dois iniciam uma nova discussão. O marido da servidora sai da casa para ver o que está acontecendo. Paulo disse, em depoimento, que a vítima teria descido do veículo e batido no capô do carro dele e que, “com medo das ameaças proferidas pelo marido”, acelerou o automóvel.
Na delegacia, o esposo de Tatiana negou que teria ameaçado Paulo e que o acusado tivesse se recusado a conversar, atropelando intencionalmente a mulher. “Nas imagens, percebemos que a vítima, ao ser atingida, ficou sobre o capô do automóvel. Caso o autor tivesse freado, ela teria caído e, possivelmente, não sofreria as lesões graves que sofreu. Mas ele fez o contrário: acelerou e passou por cima do corpo dela”, detalhou o delegado-adjunto da 10ª Delegacia de Polícia (Lago Sul), Paulo Renato Fayão.
Tornozeleira
Na audiência, o advogado de Paulo, Afonso Lopes, manifestou pela conversão da prisão em domiciliar mediante uso da tornozeleira eletrônica. “O acusado se apresentou espontaneamente à delegacia menos de uma hora depois do acontecimento. Ele é casado, pai de uma filha que tem problemas de saúde, sem maus antecedentes e que, caso seja colocado em liberdade, se colocará à disposição nos autos do processo”, sustentou.
Ao fim da sessão, que durou cerca de 20 minutos, a juíza determinou que a prisão de Paulo em flagrante fosse convertida em preventiva. “Essas circunstâncias indicam, num primeiro juízo, a especial periculosidade do agente e fornecem base empírica idônea à conclusão de que sua liberdade afetará a ordem pública”, finalizou a magistrada.
No fim da tarde de quinta-feira (26/8), Paulo foi levado à Carceragem da Polícia Civil do DF e encaminhado à Papudinha, local onde ficam os presos ex-policiais e ex-bombeiros. Lá, ele responderá por tentativa de homicídio qualificada por motivo fútil. O crime não se enquadra nas no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), pois o carro teria sido usado como uma “arma” para tentar matar a vítima.
Memória
11 de abril de 2019
Felype Anderson de Sousa, 22, após colidir o carro com outro automóvel, no Itapoã. Na ocasião, o homem sacou a arma e disparou quatro vezes contra o jovem, que não resistiu. Felype, que trabalhava como motorista de transporte por aplicativo, se preparava para casar na semana posterior ao dia do crime.
2 de agosto de 2019
O técnico de tecnologia da informação Weverton Leonardo Elias, 31, foi baleado por um policial militar aposentado após uma briga de trânsito na Avenida Elmo Serejo, em Taguatinga. A vítima ficou internada por mais de oito meses e faleceu em 16 de março.
28 de janeiro de 2020
Um homem, de 52 anos, foi baleado durante uma briga de trânsito, na QR 516 de Samambaia. A vítima relatou, na delegacia, que se aproximava de um retorno da região, quando um carro passou a buzinar. Os dois condutores abriram as janelas, e o motorista do outro automóvel teria sacado uma arma e efetuado, ao menos, sete disparos contra a vítima. Um dos tiros atingiu o homem, que foi atendido no Hospital Regional de Santa Maria (HRSM).
Palavra de especialista
Intolerância e educação
Vemos, claramente, um caso de perda de autocontrole e intolerância. Isso, de certo modo, remete à educação básica, e, talvez, o assunto pudesse ser tratado no contexto da educação no trânsito. Essa pessoa pode não ter sido submetida aos ensinamentos para lidar com certas situações. Isso está atrelado, também, ao status e à posição. Pelo fato de exercer determinado cargo, vê-se no poder de cometer tal atrocidade. Dentro da comunidade dos psicólogos, existe uma discussão se deve ser aplicada uma avaliação psicológica para tirar a carteira de habilitação (além do exame psicotécnico). Acontece que, infelizmente, não existem estudos claros que dizem que, com esse teste, podemos predizer uma alta probabilidade se ele vai ou não cometer algo ilegal no trânsito.
Hartmunt Gunther,
professor de psicologia do trânsito e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB)