Pandemia

Escolas do DF readaptam atividades no retorno das aulas presenciais

A falta de intervalos, o tempo de aula reduzido e o cuidado com o distanciamento social fizeram com que os professores e diretores encontrassem alternativas para manter a rotina mais leve e dinâmica para as crianças, como a prática de atividades ao ar livre

Tradicionalmente, a educação básica é reconhecida pelo ambiente de sala de aula. Professores, alunos, quadro branco e o intervalo para conversar com os colegas no pátio sempre fizeram parte da rotina escolar. No entanto, essa realidade precisou passar por mudanças desde o surgimento da pandemia da covid-19. A falta de intervalos, o tempo de aula reduzido e o cuidado com o distanciamento social fazem parte da lista de orientações da Secretaria de Educação do Distrito Federal, e fizeram com que os professores e diretores encontrassem alternativas para manter a rotina — antes tão conhecida por pais e estudantes — mais leve e dinâmica para as crianças.

No Jardim de Infância da 114 Sul, o corpo docente decidiu fazer um replanejamento dos trabalhos em sala desde o retorno dos estudantes para as escolas, que aconteceu no último dia 2. De acordo com a vice-diretora do centro de ensino, Aline Medeiros da Cruz, mesmo com as salas ventiladas, a coordenação optou por valorizar mais as atividades externas. “Quando a gente retornou para o ambiente presencial, percebemos que essas crianças tinham mais necessidade de dinamismo. Neste momento, é preciso haver socialização, porque muitos deles estavam isolados. Alguns nunca tinham colocado o pé na escola”, conta.

A escola atende 150 crianças, de 4 a 5 anos. Agora, além da redução de 5h para 4h de aula, a vice-diretora diz que, diariamente, as crianças contam com brincadeiras ao ar livre. O lanche também é servido em outro ambiente. “Mantemos o distanciamento e a socialização. É melhor do que focar em um conteúdo com obrigação de sistematização. Estamos trabalhando o currículo em movimento, mas, de uma forma que possibilite a socialização, e não somente o fazer uma tarefa”, ressalta.

Essa socialização faz parte do processo de adaptação, que antes durava cerca de duas semanas para os alunos que iam pela primeira vez aos centros de ensino. Agora, esse processo demora ainda mais, uma vez que as aulas acontecem em rodízio — a cada semana, um grupo assiste aula presencial, enquanto que o outro acompanha atividades de forma remota. A comunicadora Patricia Maia, 41 anos, conta que a filha Maria Rita, 5, estuda no infantil 1, do Jardim de Infância da 114 Sul, e está passando pelo processo de adaptação.

Para Patrícia, o momento reforçou a necessidade das aulas irem além das quatro paredes de uma sala, principalmente nos primeiros anos escolares. Segundo a comunicadora, a filha tem mostrado uma boa adaptação desde que iniciou as aulas. É a primeira vez que Maria Rita vai à escola. “Ela adora ir, e comenta bastante sobre as atividades. Passamos por um período sem sair de casa e ela foi muito privada. Agora, ela é incentivada com exercícios motores, feitos na escola, além da abordagem psicológica, que é superimportante para ela. Toda vez que ela chega é uma novidade, um amiguinho que ela reconhece do computador”, diz.

Socialização

A Escola Classe 40, de Ceilândia, possui 687 alunos matriculados na educação infantil e no ensino fundamental. A diretora da unidade, Marinalva de Lima, conta que uma das alternativas encontradas para sair da rotina da sala de aula e ajudar a socialização das crianças foi fazer uso do centro de convivência da escola. “É um centro ao ar livre, e ajuda as crianças no convívio diário. Todos fazem uso da área. Fizemos uma escala, porque ninguém aguenta ficar quatro horas em sala. Foi uma forma de adaptar o intervalo. Então, sob orientação dos professores, eles fazem dinâmicas e atividades durante 15 a 20 minutos no local”, explica a diretora.

O espaço é grande e conta com jogos de xadrez e damas. “Eles ficam livres, respeitando o distanciamento de um metro, sempre com uso de máscara”, garante Marinalva. De acordo com ela, a princípio, a coordenação não tinha pretensão de fazer uso do ambiente. “Porém, vimos a necessidade. Eu via a tristeza no olhar dos alunos. A escola é um espaço de interação, um espaço social. Discutimos com a equipe e decidimos abrir o local para eles saírem um pouco da sala”, pontua.

No Centro de Ensino Fundamental (CEF) GAN, na Asa Norte, Selma Ferreira explica que a sala de aula dos professores de geografia, ciências e educação física mudaram de local. Agora, as aulas são na área verde da escola. “É uma proposta pedagógica que surgiu antes mesmo da pandemia. Nós temos um espaço ocioso bem grande, bonito e arborizado. Então, desde 2019 trouxemos essa proposta da escola sem muros, incentivando professores a darem aula aproveitando esse ambiente ao ar livre. Três professores toparam. Levamos carteiras, armários e o quadro, e desde então tem sido assim”, conta.

Os 460 alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental tiveram boa recepção com a mudança, e a chegada e pandemia intensificou a importância dessas iniciativas, conforme explica Selma. “Vemos que esses meninos precisam voltar para um espaço de convivência social, mas a gente percebe que não conseguem administrar isso com a necessidade de mudança de comportamento que a pandemia impõe. Ainda é difícil mostrar que não pode haver contato físico, eles não trazem isso de casa”, ressalta.

Principais afetados

A psicóloga e professora do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Ciomara Schneider, explica que as crianças e os adolescentes foram os principais afetados pelo isolamento social. “Vimos passarem por vários estágios. Em um primeiro momento, foi surpresa, do tipo férias inesperadas. Depois, veio a dúvida de como seriam as escolas on-line, para quem iria estudar dessa forma. E aí, depois, começou a alternar entre a novidade e o atraso com atividades, porque ainda não estavam adaptados ao sistema on-line. Depois dessa adaptação, começou a haver um desgaste e desinteresse pelas atividades, e uma exaustão e apatia”, detalha a especialista.

Emocionalmente, isso impactou a realidade dos adolescentes, conforme explica a psicóloga. “Foi produzindo a vontade de não participar de nada. Os que gostavam de leitura, deixaram de gostar, porque cansaram de ler, por exemplo”, cita. Ciomara diz, ainda, que o retorno engloba uma série de emoções. “É uma esperança, um desafio. Mas, ao mesmo tempo, uma decepção, porque não é o formato da escola que eles sonhavam. É uma outra escola, que sofre as consequências desse isolamento. Então, penso que as escolas precisam mesmo se organizar com atividades mais leves, porque eles estão reconhecendo esse espaço”, pondera.

Para a especialista, atividades ao ar livre é algo positivo. “Na psicologia, há a dinâmica de grupo, que é muito trabalhada na psicologia organizacional, e é uma forma de o jovem expressar seu sentimento, seja positivo ou negativo. Isso ajuda a tornar o retorno para a escola mais proveitoso, porque agora vamos precisar encontrar novos processos de aprendizagem, rever o que tinha antes e tentar, por meio dessas dinâmicas, encontrar uma nova saída”, diz.

Acolhimento

As novas formas de aprender ainda não apagam as perdas que tantas crianças tiveram que lidar durante a pandemia da covid-19. Foi com esse objetivo que a coordenação da Escola Classe 13, de Ceilândia, criou a iniciativa de escuta sensível, em que professores fazem rodas e dedicam um tempo de conversa entre os alunos. A diretora da unidade, Elaine Amaral Silva, explica que esse projeto tem como objetivo fazer com que os estudantes compartilhem vivências e emoções. “A gente sabe que muitas famílias vivenciaram perdas, seja financeira ou de entes queridos, e as crianças também passam por tudo isso”, ressalta.

Elaine explica que os momentos são realizados tanto em sala de aula quanto no pátio central da escola. “Pela escuta sensível, a criança pode compartilhar um pouco do que está vivendo. Está todo mundo vivendo o novo. Então nós, da equipe gestora, temos o desafio de acolher a comunidade e transmitir segurança. Por meio de brincadeiras em sala e ao ar livre, proporcionamos a escuta e contribuímos na formação segundo o que está ao nosso alcance”, diz.

Além das partilhas, são feitas dinâmicas e brincadeiras. “Brincar faz parte da rotina das crianças. Embora os professores ainda proporcionem atividades lúdicas, é bem diferente quando a gente vem para a escola. Não tem como trabalhar com crianças sem o movimento do corpo, por exemplo, porque isso favorece uma aprendizagem de maior qualidade”, ressalta. “Assim como nós, as crianças estavam com muita saudade. Então, a acolhida é feita desde a entrada. Embora não possamos abraçar, tentamos estar próximos deles em alguns momentos, como na entrada, desejando um bom dia caloroso, mostrando o quanto estamos felizes em recebê-los”, ressalta.

Pedagoga e orientadora educacional do colégio Objetivo, Keila Espíndola explica a importância do acolhimento. “O educando precisa dar continuidade ao seu processo de aprendizagem. As implicações do distanciamento para adolescentes e crianças também são muito prejudiciais. Um dos pontos principais que trabalhamos é a questão da socialização, o desenvolvimento do aluno como cidadão, no meio social. E isso é fundamental dentro da escola”, destaca a especialista.

De acordo com a pedagoga, é importante que o estudante sinta que o espaço escolar é harmonioso. “Ele precisa sentir segurança em sua retomada para escola”, pondera. Para isso, Keila ressalta a importância da capacitação dos profissionais da educação. “Deve haver esse preparo para que os educadores saibam como lidar com os educandos vindo de um isolamento social, e que vão enfrentar o convívio diário, a interação presencial constante, seguindo, claro, o escalonamento em sala de aula”, pontua.