Sou filho de um pastor presbiteriano e cresci lendo a Bíblia. Os textos da Epístola aos Corinthos, de São Paulo, onde Renato Russo buscou inspiração para compor Monte Castelo, me tocaram fundamente : “Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o sino que ressoa ou como prato que retine. Ainda que eu dê aos pobres tudo o que possuo e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, nada disso me valerá. O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha”.
Por isso, é com grande espanto que vejo a invasão da cena política atual por pessoas que falam em nome de Deus e de Jesus, mas mentem, roubam, matam, corrompem, glorificam a morte e invocam os nomes santos em vão.
Existe um abismo entre o que eles falam e o que eles fazem. O que têm a ver Deus e Jesus com fake news, irresponsabilidade pública, culto à ignorância, devastação das florestas, falcatruas, falsidade ideológica, rachadinhas e mamatinhas?
Da leitura dos textos bíblicos me ficou algo impresso de maneira indelével na consciência: o permanente exame moral. Não estou, nem de longe, sugerindo o estado da santidade. Digo apenas que um traço dos valores verdadeiramente cristãos é o de interrogar implacavelmente a consciência sobre o sentido dos nossos atos para nós mesmos e para os outros.
É esse sentido moral que falta aos neoevangélicos fundamentalistas da cena política. Parece que a única ética que conhecem é a do dinheiro. Com as experiências, as reflexões e as leituras, abandonei a religião original e, durante certo período, entreguei-me ao niilismo. Questionei tudo e não acreditava mais em nenhuma transcendência divina.
Mas ao ler Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, deparei com uma indagação do personagem Riobaldo Tatarana, o jagunço-filósofo, que me atingiu de maneira fulminante e me obrigou a rever as minhas ideias niilistas: “Como não haver Deus? Estremeço, sem Deus a vida é burra.”
Pessoalmente, acredito na máxima rosiana. Mas misturar religião com política é um desastre. Antigamente, o conceito de estado laico era uma abstração para mim. Agora, tornou-se uma realidade dramática. Talvez seja preciso retificar ou complementar o argumento de Riobaldo para o contexto do estado laico em que vivemos, conforme reza nossa Constituição.
Uma vida inteligente precisa de instituições, de respeito às leis, de justiça social, de democracia, de proteção aos mais vulneráveis, de educação, de cultura, de ciência, de conhecimento, de direitos, de imprensa livre e de conquistas da civilização. Sem isso, a vida é burríssima.
As excelências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal precisam sair da bolha do orçamento oficial e do orçamento paralelo e defender o Estado de Direito neste momento em que as instituições sofrem um ataque covarde. Cabe às instituições criar uma barreira para proteger a democracia.
Se alguém quiser saber o que é uma sociedade sem instituições e sem leis basta mirar o Afeganistão. É imperioso barrar os candidatos a Talibãs da taba, rodeados de bajuladores e sempre armando um golpe. O Afeganistão não é aqui.