O biólogo e biomédico Bruno Henrique Dias Gomes, 25 anos, morador de Vicente Pires, denuncia racismo em um voo da Gol que saía de Marabá (PA) para Brasília, no dia 6 junho deste ano. Negro, o jovem que usa um cabelo estilo afro, relatou que apareceram carrapatos em cima dele e da passageira ao lado durante a viagem e, em resposta ao problema, o comissário de bordo insinuou que os insetos seriam dos fios do rapaz. “Falou que poderia ter caído do meu cabelo”, conta.
Bruno disse que viajou para o Pará para prestar um concurso da Polícia Militar. Após 20 minutos de voo, apareceu o primeiro inseto em sua tela de celular. Pouco tempo depois, mais um carrapato. Ele acionou o comissário que ofereceu uma nova cadeira. “O outro local era mais apertado. Por causa da minha altura, ia ficar desconfortável e ainda tinha o constrangimento. Naquele momento, já tinha um certo burburinho das pessoas das outras poltronas”.
Foi neste momento que veio o comentário desagradável. “Um outro comissário virou e disse ‘pode ser que tenha caído do seu cabelo’”, relata.
Após desembarcar, o biólogo procurou um guichê da companhia aérea, mas não conseguiu registrar reclamação. “A moça disse ‘infelizmente, isso não vai dar em nada porque pode vir da bagagem de passageiros’. Mas na minha bagagem não foi porque eu estava distante dela. Ela falou que não podia fazer nada e que só podia fazer reclamação online”, contou.
A vítima, então, fez uma reclamação no site da Gol, no consumidor.gov.br e no Reclame Aqui. Porém, diz que o único retorno que teve foi um bônus de R$ 500 para usar com serviços da própria companhia área. Depois do fato, Bruno conta que foi contaminado pela covid-19 e não conseguiu mais nenhum retorno ou retratação. Ele se diz revoltado com a situação e pretende registrar um boletim de ocorrência contra a empresa. “Isso (R$ 500) não funciona para resolver o meu constrangimento. E quem não tem instrução, como faz? Pode até pensar que isso é uma coisa normal”, revolta-se.
O Correio entrou em contato com a Gol que, por meio de nota, respondeu que “os insetos possam ter sido transportados acidentalmente em alguma mala de mão”. A companhia ressaltou que passa por procedimentos diários e rigorosos de sanitização e que “não compactua com quaisquer atitudes discriminatórias, preza pelo respeito e pela valorização das pessoas, e vai apurar o ocorrido”, afirmou.
O que diz a lei
Na avaliação do advogado Beethoven Andrade, presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), o caso pode ser enquadrado como injúria racial (Lei 7716) e constrangimento ilegal (Art. 146 do código penal). Tanto a empresa quanto o funcionário podem ser responsabilizados e a vítima tem até 6 meses para registrar ocorrência. “Demonstra que a própria empresa não tem políticas e não busca orientar os funcionários principalmente na tratativa com respeito a diversidade. Pode ser uma questão de racismo institucional: a empresa não reconhece a diversidade, as falhas e busca não reparar”, explica o advogado.
Para essas situações, o especialista recomenda que a vítima procure meios legais. “Como advogado, eu aconselharia a registrar o boletim de ocorrência. Não apenas pelo pessoal, mas por todo o contexto, tem toda essa exposição. Além da questão criminal, tem que responsabilizar a empresa também por essa exposição vexatória. Além disso, tem um viés racista, sim. É muito difícil a gente não associar”, ressalta.
Injúria racial x racismo
A diferença básica é que o racismo não é dirigido a alguém específico, mas a todo um grupo, sem ser possível determinar especificamente quem são as pessoas ofendidas. É um crime dirigido a uma coletividade. Já a injúria racial é dirigida a pessoas determinadas ou que podem ser determinadas. Tem alvo ou alvos específicos. Os crimes podem ter penas de até três anos, além de multa.