Entrevista

Pressão dos pais sobre filhos atletas pode ser perigosa, adverte psicóloga

Relatos de ansiedade e depressão de atletas nos jogos Olímpicos de Tóquio levantaram debates sobre a saúde mental dos esportistas. Ao CB.Saúde dessa quinta-feira (5/8), a coordenadora da Comissão Especial de Psicologia do Esporte e do Exercício do Conselho Regional de Psicologia do DF, Esther Duarte, comentou sobre apoio e acolhimento

As Olimpíadas deste ano serviram para trazer ao pódio debates de diversos assuntos ignorados no dia a dia da população, como o tabu da saúde mental. Torcedores receberam com surpresa a informação da desistência de atletas, como o caso da ginasta norte-americana, Simone Biles, que abandonou as finais do individual geral e de quase todos os aparelhos da ginástica artística na competição. Coordenadora da Comissão Especial de Psicologia do Esporte e do Exercício do Conselho Regional de Psicologia do DF (CRP1), Esther Duarte destaca que esse problema sempre esteve presente. “Nos jogos Olímpicos e Paralímpicos, todos os olhos estão voltados para os atletas. E existem as cobranças pessoais, além das expectativas da família, do treinador e do patrocinador, por exemplo”, explicou à jornalista Carmen Souza, nessa quinta-feira (5/8), em entrevista ao CB.Saúde — uma parceria do Correio com a TV Brasília.

A pressão dos pais para o filho ser um atleta é perigosa?
O pai pode colocar no filho a expectativa de ser o que ele não foi. Conheço casos de famílias vivendo determinadas situações porque usam todo o investimento no filho, para que ele possa viajar e competir. Muitas modalidades são caras, com materiais e equipamentos. E claro, é preciso entender que uma rede de apoio é importante. Não basta ter vontade de determinação, há todo um contexto ao redor do atleta que pode facilitar ou não que ele chegue ao alto rendimento.

Casos de ansiedade e depressão em atletas são comuns?
A questão da saúde mental sempre existiu, com os atletas de alto rendimento e amadores. Nos jogos Olímpicos e Paralímpicos, os olhos de todos estão voltados para os atletas. E existem as cobranças pessoais, além das expectativas da família, do treinador e do patrocinador, por exemplo. Ele precisa representar o país. Dependendo da modalidade, são segundos para o atleta mostrar que se preparou durante os quatro anos. O que acontece também é que sempre tivemos a ideia do esporte como saúde, e não é necessariamente. Principalmente no esporte de alto rendimento, existe muita cobrança. Mas, antes dessa pessoa ser atleta, ela é um ser humano e tem todas as emoções que sentimos.

No caso de atletas que estão no topo da carreira, o choque de uma desistência é grande?
No caso da Simone Biles, provavelmente ela já vinha com questões pessoais e emocionais, e foi lidando até onde conseguiu. Provavelmente, teve apoio psicológico na comissão. Mas chegou a um ponto em que precisava parar e se priorizar. E ela conseguiu se colocar em primeiro lugar, É um avanço e uma coragem muito grande.

Em alguns esportes, a participação da mulher é limitada, e esses espaços são restritos, como vemos no futebol feminino. Isso tem impacto na saúde mental?
Com certeza. Às vezes, a gente tem o mesmo esporte e a mesma modalidade premiando de maneiras diferentes mulheres e homens. O exemplo é o tênis, a premiação masculina é diferente da premiação feminina, e eles estão competindo da mesma maneira. A gente já teve o futebol feminino protestando e pedindo mais visibilidade. Existem muitas desigualdades nesse sentido. Como, por exemplo, a pressão não sobre o rendimento das atletas, mas sobre o corpo, se estão magras ou não, se atendem ou não um estereótipo irreal criado pela sociedade.

Você é ex-atleta de alto rendimento e psicóloga. Como foi o processo de entrar nesses dois mundos?
Pratico esporte há 15 anos, sendo que seis foram em alto rendimento. Confesso que, no início, não gostava de competir, ficava ansiosa. Por fim, consegui priorizar a minha saúde mental e parei de competir durante um tempo. Durante a graduação, é que aconteceu meu período de alto rendimento. Decidi que precisava enfrentar o medo que sentia, conheci a psicologia do esporte e comecei a desempenhar esse papel de auxiliar atletas.

Como as redes sociais podem interferir na saúde mental dos atletas?
Nesses grandes eventos, costumam surgir vários “especialistas” nas redes sociais, e eles falam mesmo sem conteúdo ou conhecimento. Além da pressão pessoal sobre o atleta, da pressão técnica e familiar, existe a pressão do público. Que, pelas redes sociais, pode até conseguir fazer mais barulho do que presencialmente. Inclusive, quando o atleta perde, tenho percebido muitas falas de desculpas. Mas ele tem que sair da piscina, da quadra, do tatame, satisfeito com o que ele fez. Sabendo que deu o seu melhor. Porque ele treina, se esforça e se prepara. Chegar em uma Olimpíada não é tarefa fácil.