Solidariedade

Centro Espírita completa meio século de luta e acolhimento

Este mês, o Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua completa 50 anos. A casa de umbanda é uma das mais antigas do Distrito Federal e realiza diversos projetos de apoio à população em situação de vulnerabilidade

Em 11 de agosto, o Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua celebra 50 anos de fundação. O meio século de serviços e acolhimentos prestados reúne diversos desafios vencidos pelos dirigentes.

O Caminheiros é um dos centros de umbanda mais antigos da capital do país e começou a história de forma tímida, em meados da década de 1960, sem fundação oficial. Creusa Lins Accioly Braga, 73 anos, iniciou essa jornada aos 18, quando veio para o Distrito Federal com a mãe, Antônia Lins, fundadora da entidade. “Nossa religião sofre com uma instabilidade muito grande. Embora diversas casas sejam abertas, poucas permanecem. É um privilégio poder dizer que a nossa tem uma história tão longa”, destaca Creusa, que seguiu os passos de Antônia e é a atual dirigente religiosa do espaço.

Creusa afirma que, apesar dos desafios, inclusive relacionados ao preconceito religioso, o centro nunca deixou de cumprir o papel dele. “A Umbanda prega o amor, a caridade, o consolo para as nossas dores e sofrimentos. Queremos levar fé e esperança às pessoas. O Caminheiros tem muita seriedade nas atividades e no amor ao próximo”, reforça. De acordo com a dirigente espiritual, o grupo segue, desde o surgimento, os ensinamentos do fundador da umbanda, Zélio Fernandino de Moraes, que deu início a essa religião no Rio de Janeiro, em 1908.

“A essência da nossa casa é a caridade, não cobramos por nada que fazemos. Pregamos a doutrina da evolução humana. O espaço não tem sido muito alterado desde que surgiu. Minha mãe estabeleceu regras que continuei seguindo, para manter a essência com a qual fomos criados. Mas vivemos da doação e colaboração dos participantes”, conta Creusa. O preconceito, contudo, é um desafio diário. “É muito comum as pessoas nos visitarem, mas não quererem se expor, porque sentem medo dos comentários dos outros. Somos criticados e julgados por pessoas que sequer conhecem o que fazemos”, comenta.

No entanto, o Caminheiros não se deixa abater e segue com o serviço de apoio aos vulneráveis. “Nosso braço social é a Ascap (Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua), que fica ao lado do centro. Mas fizemos uma entrada totalmente desvinculada, para que aqueles que não se sentem confortáveis com nossa religião, mas que precisam de ajuda, possam ter esse acolhimento. É uma forma de tentar alcançar um maior número de pessoas sem que elas recebam aqueles famosos comentários de ‘estar indo em uma casa de macumba’”, ressalta Creusa.

Assitência

Presidente da Ascap, Salvelina Pereira Cabral, confessa: “É uma tristeza enorme para mim quando alguém vai lá pedir ajuda e a gente não tem recursos para auxiliar”. Atualmente, a Ação Social atende 42 famílias com cestas básicas mensais. No entanto, o número é insuficiente para acolher todas as pessoas que procuram por alimento. “A fome é uma situação dolorosa demais. Eu sempre tento conseguir novas parcerias com mercados, comerciantes e pessoas com melhores condições para que elas façam doações e, assim, possamos ajudar quem nos procura. É inevitável ficarmos aflitos e angustiados com a dor do outro”, salienta.

Mas a doação de alimentos não é o único apoio que a Ascap presta à população. “Buscamos empoderar, inspirar e capacitar os vulneráveis, principalmente as mulheres. Por isso, fazemos cursos de corte, modelagem e costura, por exemplo, para que elas possam, também, conseguir algum tipo de renda e não passarem por tanto sofrimento. Até agosto, teremos três psicólogas voluntárias para atendimento, além dw assistência jurídica. Muitos nos procuram precisando de uma orientação básica sobre a quem recorrer, o que fazer e buscamos prestar esse auxílio”, adianta Salvelina.

O atual objetivo da Ascap é construir um espaço na sede, que vai permitir a prestação de melhores serviços aos vulneráveis. “Precisamos de um arquiteto e um engenheiro para erguer o galpão. Com isso, queremos ofertar o curso de corte, costura e modelagem em um local mais amplo. Também temos a intenção de dar aulas de informática”, conta a presidente da entidade assistencial. Para arrecadar os recursos necessários à ampliação e sobrevivência da Ascap, o grupo promove um bazar mensal. “Essa é uma das formas que encontramos para, também, conseguir fundos e continuar nosso serviço. O que fazemos, na verdade, é com ajuda das pessoas que têm um coração imenso e doam, seja algum material, algum serviço ou oferecem outra atividade”, complementa.


História

Com o objetivo de desmistificar alguns temas sobre o Centro Espírita Caminheiros de Santo Antônio de Pádua, em outubro, os dirigente pretendem lançar um e-book gratuito para os interessados. “Serão breves narrativas sobre a casa, dentro do contexto da umbanda”, explica Fernando Figueiredo, médium há 15 anos no local e um dos responsáveis pelo projeto. O religioso relata que a casa do DF teve a sua fundação influenciada pelos Caminheiros da Verdade, do Rio de Janeiro.

Dona Antônia, fundadora do Caminheiros de Santo Antônio de Pádua, era uma médium da casa do Rio de Janeiro, e, quando veio para Brasília com a filha, há 60 anos, começou o projeto. No início, não havia nenhum templo religioso. Juntas, elas desenvolveram as atividades após um porteiro do prédio onde as duas moravam se queixou para Antônia de um problema de saúde. “Ela, então, pediu para ele visitá-la naquele dia e fez um passe para o porteiro. Depois do atendimento, ele se curou da doença, e isso se tornou alvo de diversos comentários. Outras pessoas queriam visitar dona Antônia para serem curadas. Aos poucos, o grupo ganhou visibilidade e teve de fazer diversas mudanças de locais para atender a todos. A fundação oficial, em Ceilândia, aconteceu em 1971, quando constituído o CNPJ do centro, com estatuto, regimento, normas e direcionamento do trabalho que seria feito”, descreve Fernando.

O médium destaca que nenhum dos serviços ofertados é cobrado. “Queremos acolher quem precisa, os mais pobres e necessitados. É recorrente recebermos visitas de jovens gays, transexuais, negros ou em diversas condições de desamparo. Eles vão em busca de suporte, porque em outros locais são julgados. As pessoas não os aceitam e querem mudá-los. Por isso, há 50 anos, o centro não deixa de falar de amor, de caridade e de acolhimento”, finaliza Fernando.


Como ajudar
Contato: ascap.cecsap@gmail.com ou 99289-8079
Endereço: EQNO 1/3, Lote A, Área Especial, Setor O, Ceilândia
Banco Itaú
Agência: 5606
Conta: 31110-7

 

 

Palavra de especialista

Racismo religioso

Constantemente, a intolerância religiosa é amenizada pela população. Quando falamos do preconceito que as unidades de matrizes africanas sofrem, dos processos de invasão e coerção, não falamos de uma simples intolerância, falamos de um crime de racismo, que vai desde agressões verbais até físicas. Não precisamos ir muito longe para citar os episódios de atentados contra nossas unidades tradicionais, o que acontece há mais de 500 anos. Um exemplo é o que ocorreu nas buscas por Lázaro (acusado de assassinar a família Marques Vidal, em junho), quando os próprios policiais divulgaram fotos dos centros como sendo de rituais do Lázaro. Vários terreiros de Águas Lindas (GO) foram invadidos, sem nenhum respeito ao nosso sagrado.

Até mesmo o Estado, que deveria garantir nossa proteção e do nosso território, não compreende nossa religião e reforça o racismo. E o único caminho para vencer esse preconceito institucionalizado é a educação. As escolas precisam ensinar a história por outro ponto de vista que não seja o do branco e o do europeu. Enquanto for dito que a princesa Isabel foi uma libertadora de escravos, e não houver um ensino das lutas raciais, uma educação dessas relações e um olhar diferenciado sobre os fatos históricos, o racismo continuará.

Tiago Ferreira (Nvula Kenan), mestre em sustentabilidade junto a povos tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB)