URBANIZAÇÃO

Com mais 35 bairros regulares no DF, população aguarda escrituras e melhorias

Entre 2019 e este mês, DF teve 35 setores habitacionais irregulares legalizados por meio de decretos do Executivo. Quantidade é superior à de 2015 a 2018. Para especialista, falta de planejamento ocupacional afeta cofres públicos e leva a renúncias fiscais

Ana Isabel Mansur
postado em 29/08/2021 06:00
Ocupação no atual Setor Primavera, em Taguatinga, começou em 1990; crescimento sem regularização comprometeu infraestrutura -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Ocupação no atual Setor Primavera, em Taguatinga, começou em 1990; crescimento sem regularização comprometeu infraestrutura - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O processo de regularização fundiária no Distrito Federal aumentou nos últimos anos. Entre 2019 e este mês, oito regiões administrativas tiveram 35 setores habitacionais legalizados. Nesses bairros, moram mais de 80,4 mil pessoas. A quantidade de decretos baixados com esse fim subiu 52% no período, em comparação ao verificado entre 2015 e 2018. Os dados foram antecipados ao Correio pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh). No entanto, a pasta não tem números consolidados de gestões anteriores.

A aprovação da regularização fundiária leva esperança aos moradores das cidades. Para a população, o processo antecede a adoção de medidas governamentais que melhorem a infraestrutura das áreas beneficiadas. No Setor Primavera, em Taguatinga, o decreto de regulamentação saiu em 22 de junho. A publicação do documento é a última fase antes dos procedimentos necessários para registro dos imóveis em cartório. A ocupação da região começou nos anos 1990. Hoje, a área de 60,5 hectares — equivalentes a 84 campos de futebol — tem 5,3 mil habitantes e pouco mais de 1 mil lotes.

Quando a reportagem esteve no bairro, o sol de quase meio-dia se refletia em várias poças d’água espalhadas pelas ruas da principal avenida do setor, ainda sem asfalto. O fluxo que saía de fossas descia pelas laterais das vias e se acumulava nos buracos. O nome Primavera contrastava com o clima seco do Distrito Federal, típico deste mês. Mas um detalhe da estação do ano que dá nome ao local e, de fato, combinava com os moradores dali era o calor: a população é receptiva e atenciosa.

Ações paliativas

Os habitantes do Setor Primavera vivem a expectativa de dias melhores, para compensar a poluição da fase de estiagem e a lama do período de precipitações. Morador da região há 14 anos, o aposentado e comerciante José de Arimateia, 74 anos, tem um bazar beneficente na principal rua do bairro. Ao falar sobre a regularização, ele não esconde a alegria. “Chego a me emocionar. Aqui é um excelente lugar. Só está ruim porque não temos acesso à infraestrutura. Quando chove, a água fica na altura da calçada. Arrasta gente, cachorro, carro, o que estiver pela frente. É perigoso. Quando não é isso, estamos engolindo poeira”, descreve José.

Carlos Magno Rabelo, 50, é líder comunitário do Setor Primavera desde 2013, onde mora há 25 anos. “A regularização era uma luta de quase duas décadas. É duro aguardar todos esses anos por elementos básicos”, destaca. Ele lembra que a população começou a ter abastecimento de energia elétrica só em 2015: “(A eletricidade) era muito precária. Não tínhamos iluminação pública e não dava para enxergar nada entre um poste e outro. Agora, é de qualidade. A água potável canalizada veio com esse serviço. Mas o problema do esgoto continua. As fossas não são suficientes, e o fluxo acaba transbordando”, lamenta.

O líder comunitário conta que a situação foi pior e que teve de adotar ações paliativas para facilitar a circulação, usando máquinas de terraplanagem para compactar e planificar o terreno. “Fica quase parecendo asfalto. Antes, era intransitável. Eu sempre esbarrei em dificuldades burocráticas (quando cobrava melhorias do poder público): ‘Não podemos fazer porque o setor não é regularizado’”, completa Carlos Magno, em referência às respostas que recebia dos órgãos competentes. “A partir da regularização, calculo que, em dois anos, no máximo, essas ruas todas estarão asfaltadas”, torce.

  • José de Arimateia mora no Setor Primavera há 14 anos: poeira e lama são parte da realidade
    José de Arimateia mora no Setor Primavera há 14 anos: poeira e lama são parte da realidade Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

Aprovação

Entre 2015 e 2018, o Governo do Distrito Federal (GDF) publicou 23 decretos de regulamentação fundiária, que beneficiaram 134 mil pessoas. A área de 15,7 milhões de metros quadrados contemplados — equivalentes a cerca de 1,9 mil campos de futebol — incluía 25 mil lotes. “O processo tem dois momentos. O primeiro é de reconhecimento que uma área é passível de regularização, o que é feito por meio da lei, com inclusão (da região) no Plano Diretor de Ordenamento Territorial”, explica o chefe da Seduh, Mateus de Oliveira. “Depois, começa a etapa de aprovação do projeto em si”, acrescenta.

Para o secretário, quanto mais o Estado demora na aprovação das propostas, mais se agravam os danos urbanísticos e ambientais nas regiões irregulares. “A (garantia de uma) infraestrutura definitiva só é possível depois da aprovação dos projetos de regularização. O resultado não é só a escritura, mas, também, a drenagem de águas pluviais, (a oferta de um) sistema viário efetivo e completo, fornecimento de asfalto, energia elétrica e água, além da destinação e da construção de equipamentos públicos”, completa Mateus de Oliveira.

O responsável pela Seduh reconhece que o ideal é ter um movimento urbano planejado, com ações governamentais que evitem a instalação desordenada. “A regularização é necessária nos casos em que as ocupações se consolidaram, mas ela deve ser a exceção. A regra é a aprovação de bairros que nasceram planejados, com todos os estudos urbanísticos e ambientais (necessários)”, pontua. Para evitar a compra de imóveis em áreas ilegais, o chefe da pasta sugere conferir, de antemão, o site da secretaria para esse fim: portaldaregularizacao.seduh.df.gov.br. “Se a pessoa não encontrar o endereço, é porque ele não está em área de regulamentação. Pela plataforma, é possível saber se o processo está previsto e em qual etapa se encontra”, completa o secretário.

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