Já são 69 dias sem cair uma gota de chuva no Distrito Federal. A estiagem, combinada com os baixos registros de umidade relativa do ar — que nos últimos dias ficaram na casa dos 20% — são característicos do período de seca, quando os reservatórios que abastecem a capital federal perdem, naturalmente, o volume. Os dois principais reservatórios de água da cidade, o do Descoberto e o de Santa Maria, começaram a sentir os efeitos dessa estiagem: o nível de água dos sistemas de abastecimento da capital começou a cair. O volume útil do primeiro está em 78,3%. Já o segundo, em 91,3%.
Para os brasilienses que viveram os dias de sufoco entre 2016 e 2018, quando o DF enfrentou uma crise hídrica sem precedentes, reservatórios abastecidos são motivo de alívio, mas não de descuido sobre a questão hídrica no DF. À época, mesmo aqueles que já adotavam medidas de uso consciente da água sofreram com a chegada da crise. A empresária Débora Figueiredo, 25 anos, relembra o cenário difícil. “Aqui em casa, tem caixa d’água. Tinha dia que ela enchia, mas precisamos economizar porque também chegamos a ficar sem água na época, mesmo com a caixa”, lembra.
Moradora de Taguatinga, ela conta que mora com os pais, e que toda família precisou adaptar a rotina durante a crise, e os hábitos foram incorporados ao cotidiano de todos. “Começamos a economizar. Diminuímos no banho, começamos a aproveitar a água usada da máquina de lavar para limpar o que era necessário. Tínhamos o combinado de não exagerar na hora de lavar tênis, cabelo. Fomos nos adaptando. A nossa família sofreu no começo, porque precisamos diminuir alguns hábitos”, afirma.
Após três anos do fim da crise hídrica, a família optou por manter os hábitos adquiridos. Nós abdicamos do uso da mangueira, e só limpamos o quintal com água da máquina de lavar. Economizamos no banho também. Nunca se sabe quando vamos passar por isso de novo, então estamos sempre preparados”, orgulha-se Débora.
Preocupação
De acordo com a engenheira ambiental e professora de recursos hídricos da Universidade Católica de Brasília (UCB) Beatriz Barcelos, a preocupação da empreendedora é justificável. Segundo ela, há muitos fatores atuantes na capital que podem contribuir com o início de uma nova crise. “A gente sempre deve se preocupar, porque, mesmo que as pessoas tenham mudado o comportamento na crise, isso já foi esquecido. Não é todo mundo que faz uso sustentável da água”, ressalta.
A especialista explica que o DF tem muito recurso hídrico, mas há fenômenos meteorológicos que podem interferir no regime pluviométrico da capital. Dentre as anomalias climáticas está o El Niño, que causa o aquecimento anormal do Oceano Pacífico Equatorial, e a La Niña, que é o inverso, provocando o resfriamento do Pacífico Equatorial. “São fenômenos que atrapalham o regime de chuva. Agregado a isso, temos os condicionantes de uso e ocupação do solo, que causam muito desmatamento e contribuem na infiltração de água do solo, que abastece mananciais”, pontua.
Segundo Beatriz, as mudanças climáticas e a crise hídrica em outros estados e, até mesmo, em outros países, também são motivo de alerta e preocupação. “O clima é uma coisa só. O planeta está envolto, e temos um ciclo hídrico único, então sofremos em função do sofrimento dos demais. Se o regime de chuva altera em outro local, o nosso também vai sofrer. Por mais que não seja algo imediatista, ocorre a longo prazo”, garante. “Temos muitas iniciativas, e é isso que tem impedido de chegarmos a uma nova crise. Mas falta ainda mais vontade e cobrança da sociedade para investir em nascentes e reflorestamentos na capital”, completa.
Iniciativas
Dentre as iniciativas colocadas em prática pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), estão as novas captações no Lago Paranoá e Ribeirão Bananal; revitalização de pequenas captações na região do Gama; interligações entre sistemas; revitalização dos canais de irrigação do Rodeador e Santos Dumont; setorização de redes de distribuição de água, aliada à gestão operacional dos sistemas de abastecimento de água. “Essas ações contribuíram para a manutenção do nível dos reservatórios em patamares satisfatórios para o pleno atendimento à população do DF neste período de seca”, ressaltou a Caesb, em nota.
Foram iniciativas como essas que fizeram com que os dois principais reservatórios atingissem e mantivessem 100% do volume útil até meados de maio, no caso do Descoberto, e começo de junho, no caso do Santa Maria. Segundo o superintendente de Recursos Hídricos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico (Adasa), Gustavo Carneiro, é preciso usar os recursos hídricos de forma consciente. “Se quisermos render o volume e fazer com que dure mais tempo, é preciso fazer o uso consciente. E ele é feito na torneira, no chuveiro, na caixa de descarga, fechando aquele vazamento, evitando o uso totalmente sem sentido como lavar a calçada ou o carro deixando a mangueira aberta”, ressalta.
Mas nem mesmo essas iniciativas garantem o fim da vulnerabilidade do DF quando se trata de estiagem e crise hídrica, conforme explica o hidrólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Henrique Marinho Leite Chaves. Ele ressalta que novas crises estão previstas para os próximos anos. “De acordo com dados do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/INP), os próximos 60 anos são extremamente preocupantes. Nos próximos dez anos teremos uma situação pior de chuva no DF. A crise hídrica deverá ser mais impactante no futuro, temos que nos preparar agora”, diz.
Segundo Henrique, estudos têm mostrado que, a longo prazo, teremos redução de até 30% comparado com as últimas décadas. “Então daqui a cinquenta anos, vai cobrir 30% menos do que na década passada. Ou seja, os reservatórios não terão mais as condições que temos visto atualmente. Por isso as ações são necessárias. O gestor público não deve cuidar apenas desse ano, que é de vacas gordas. Temos que pensar daqui a 10, 20 anos. O risco hídrico vai aumentar violentamente e, consequentemente, o impacto de uma crise que deverá ser mais grave que em 2017”, pontua.
O hidrólogo cita algumas alternativas para redução de riscos. “Pode fazer o aumento de oferta da água, ou seja, procurar novas alternativas de abastecimento para a cidade; gestão da demanda, que seria a população aprender a fazer uso racional da água, com novas alternativas, como reuso de água, aproveitamento da chuva; e redução da perda de água na distribuição, uma vez que nas tubulações se perde 30% da água tratada”, exemplifica. Henrique reforça, ainda, a necessidade de redução do gasto por pessoa. “A gente precisa deixar de gastar 200 litros por pessoa, e por dia, e passar a 100 litros, algo que é perfeitamente aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Isso atende todas as necessidades da pessoas”, atesta.
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